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terça-feira, 24 de setembro de 2024

LIVRO CARCEREIROS, 12 ANOS

Lugar de preso é na cadeia, segundo pensamento comum.
Mas será que há no Brasil cadeias suficientes para nelas enfiar todos os marginais, do mais desqualificado "pé de chinelo", ao mais perigoso assassino, estuprador...?
Essa questão vem sido debatida desde sempre, o tempo todo. Desde que existe gente.
No capítulo Gênesis, da Bíblia, há o registro de que Caim matou o irmão Abel. Os motivos estariam ligados a problemas comuns, pessoais. De inveja, por exemplo.
No livro Carcereiros (2012), o autor Dráuzio Varella faz umas continhas onde se lê:
...No mês de janeiro de 2012, o sistema prisional paulista recebeu a média diária de 121 presos novos, enquanto foram libertados apenas cem. Ficaram encarcerados 21 a mais todos os dias, contingente que agrava o déficit de vagas conforme o tempo passa.
Como os presídios novos têm capacidade para albergar 768 detentos, seria necessário construir um a cada 36 dias, ou seja, dez por ano. Esse cálculo não leva em conta o aprimoramento técnico da polícia. Se a PM e a Polícia Civil conseguissem realizar o sonho da sociedade brasileira, prendendo marginais com a eficiência dos policiais americanos — 743 para cada 100 mil habitantes —, seria preciso erguer uma penitenciária a cada 21 dias.
Agora, analisemos as despesas que as construções demandam. No primeiro semestre de 2012, pôr uma cadeia em pé consumia 37 milhões de reais, o que dá perto de 48 mil reais por vaga. Para criar uma única vaga, gastamos mais da metade do valor de uma casa popular com sala, cozinha, banheiro e dois quartos, com a qual é possível retirar uma família da favela.
Esse custo, no entanto, é irrisório quando comparado aos de manutenção. Quantos funcionários públicos há que contratar para cumprir os três turnos diários? Quanto sai por mês fornecer três refeições por dia à massa carcerária? E as contas de luz, água, material de limpeza, transporte, assistência médica, jurídica?...
Os números crescem a cada dia, cada mês, cada ano.
Dados novos e oficiais divulgados em 2023 pelo Ministério da Justiça dão conta de que há 839,4 mil criminosos de todos os tipos distribuídos em 1.381 presídios Brasil afora.
Fora isso, há pelo menos 300 mil mandados de prisão em aberto. Mais: pelo menos 30 mil criminosos estão sendo procurados pela polícia. 
Como se vê, o problema é de dimensões gigantescas, irresolvível aqui e alhures.
A Casa de Detenção, vulgarmente chamada de Carandiru por sua localização no bairro de mesmo nome na Zona Norte da Capital paulista, foi uma espécie de escola do crime no correr do tempo que durou: quase 50 anos. Era o maior da América Latina.
Os grandes presídios já não existem praticamente, nem no Brasil nem na caixa-prego. Estou falando de prisão superior a sete mil presos, média da população carcerária da extinta Detenção. 
O presídio de Alcatraz, considerado o mais seguro de seu tempo (1934-1963), fechou as portas porque faltou grana para a manutenção. E estamos falando dos EUA.
Daquele presídio, localizado numa ilha da Califórnia, houve tentativas de fuga e no máximo um ou dois presidiários conseguiram fugir.
Em 1952, o presídio da Ilha Anchieta foi palco do primeiro grande massacre ocorrido no Brasil. O dia era 20 de junho. Esse dia amanheceu com o presídio em alvoroço. Os detentos, armados de paus, facas e tudo mais, não perdoaram os funcionários que iam encontrando pela frente. Mortos à machadadas e também a tiros. Poucos escaparam. Quanto aos amotinados, no primeiro momento 129 foram recapturados. Na ocasião havia nas selas, 453. Andei escrevendo sobre isso, sobre essa rebelião, na Folha. 
Na Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, nº 31 de julho a dezembro de 2023, Dirceu Franco Ferreira e Érica Vieira dos Santos escreveram sobre o assunto longo texto que ocupou 36 páginas da referida revista. Um trecho:
Em 1978, Pereira Lima estava com 58 anos de idade e preso há 36 anos. Apesar de sua longa permanência na prisão, ainda era lembrado com desconfiança pela imprensa e pela Justiça como alguém perigoso que liderou a famosa rebelião e fuga em massa na Ilha Anchieta e assassinou o diretor do IPA de São José do Rio Preto. Antes de ser posto em liberdade condicional, ele concedeu uma última entrevista, em 08 de outubro de 1978, ao jornalista Assis Ângelo, do jornal Folha de São Paulo, em uma edição do Folhetim.

Ao ser entrevistado, disse que após cumprir todos estes anos de detenção tinha a certeza de que longos anos de prisão não regeneravam ninguém, posto que toda a força repressiva e punitiva produzia ainda mais delinquência e revolta nos presos. Carregando marcas físicas e psicológicas destas ações, continuou afirmando que não atuou como o líder da rebelião da Ilha Anchieta e que não havia nenhum plano de fuga elaborado entre os presos, como os jornais noticiaram, mas que eles, há muito tempo estavam descontentes com o regime punitivo aplicado na ilha-prisão, com a rotina de espancamentos, práticas de tortura e com a má alimentação e, na ocasião, encontraram a oportunidade de fugir.
Ia-me esquecendo: Caim só não foi preso e condenado por assassinato porque à época não havia polícia, justiça e cadeia. 
Leia a reportagem que fiz em 1978, clicando:




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