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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

SÃO PAULO EM PROSA, VERSO E MÚSICA (3)

Morumbilândia, de Hermeto Pascoal

Destaco nesse trabalho de pesquisa, que durou mais de 20 anos, os nomes do já citado Carlos Gomes, além de Chiquinha Gonzaga (a primeira a fazer uso da palavra baião em composição musical), Giuseppe Rielli, Ary Barroso, Lamartine Babo, Luiz Gonzaga, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Germano Mathias, Rita Lee, Téo Azevedo, Rolando Boldrin, Mário Zan (autor do dobrado Quarto Centenário), Braguinha, Garoto (que participou da Revolução Constitucionalista de 32) e até Francisco Alves, que gravou a pérola São Paulo Coração do Brasil. 

O alagoano Hermeto Pascoal não gravou, mas compôs a curiosíssima Morumbilândia. Inédita, portanto. 

Uma vez lembrei a Dominguinhos o fato de ele nunca ter feito uma música sobre São Paulo. Riu e musicou versos do jornalista paulista Elias Raide, que renderam a rancheira A Moça do Metrô, única no gênero na discografia dele. Fiz a mesma observação a Geraldo Vandré, que me respondeu displicentemente: “É mesmo...”, e logo escreveu um poema que, um dia, poderá virar música. Esse poema ele declamou em público no dia 24 de março de 2014, no Teatro Bradesco, São Paulo. 

Sem dúvida, o tema é bom e certamente ainda resultará em muita música. E digo sem medo de errar: São Paulo é a cidade mais cantada em verso e prosa no mundo. E para chegar a essa conclusão nem fui muito longe. Fui à zona leste, berço de Alberto Marino, violinista que aos 15 anos compôs a primeira música dedicada a um bairro da cidade, o Brás.

Enquanto a Primeira Grande Guerra assustava o mundo, Marino encantava o Brasil com a valsa-choro Rapaziada do Braz, que anos depois receberia letra do filho, Alberto Marino Jr., a pedido do cantor argentino naturalizado Carlos Galhardo. Essa história, que ele mesmo me contou, eu inseri num CD intitulado São Paulo Esquina do Mundo, encartado no livro São Paulo Minha Cidade. 

São Paulo Minha Cidade, que reúne mais de 1.000 depoimentos de 300 e poucos moradores de Sampa, foi lançado na noite de 2 de abril de 2008, na Sala São Paulo, e distribuído gratuitamente ao público que assistiu ao concerto. O lançamento contou com um espetáculo estrelado por Billy Blanco, Cláudia e Pery Ribeiro. Com orquestra e apresentação do jornalista Chico Pinheiro e da atriz Bruna Lombardi. 

No referido CD incluí também outros depoimentos igualmente históricos, como o de Paulo Vanzolini

Paulo revela, pela primeira vez, o fato curioso de nunca nenhum intérprete ter gravado Ronda corretamente. Ele conta isso enquanto a cantora Ana Bernardo põe os pontos nos is, cantando, junto com o próprio Paulo, que, apaixonado, ainda declara seu amor à cidade, no poema inédito São Paulo. 

Zica Bérgami, autora de Lampião de Gás, disse-me uma vez que estava decepcionada, saudosa, com o progresso que tomou conta da cidade. Aproveitou para mostrar uma versão musical que fez como contraponto à sua valsinha famosa, lançada em disco de 78 rpm por Inezita Barroso, em 1958. E que ganharia versão até em japonês, que tenho em meu acervo (www.institutomemoriabrasil.com.br).

Mesmo com suas contradições e dificuldades de todos os tipos, São Paulo continua representando grande esperança para todos que nela vivem. E isso é fácil de entender, pois é uma cidade grande e rica, terrivelmente bela e desafiadora, ao mesmo tempo carinhosa e violenta, ou seja, o exato contraponto de tudo, a interseção do simples e o inusitado convivendo dia a dia e lado a lado em absoluta harmonia − ou desarmonia, dependendo naturalmente do ângulo que se queira focar. Estimativas indicam que há pelo menos três milhões de nordestinos e descendentes vivendo nessa cidade. 

“Mas se o nordestino, coitado, pudesse, não estaria aqui”, aposta Sebastião Marinho, presidente da União dos Cantadores, Repentistas e Apologistas do Nordeste (Ucran), um dos muitos moradores de São Paulo que, certo dia, nos anos 1960, viu-se forçado pelas circunstâncias da vida a trocar a sua pequena Solânea, no sertão paraibano, pela cidade grande, no caso, São Paulo. “Bom seria se houvesse condições de cada brasileiro poder desenvolver-se em seu torrão-natal”, sonha Marinho, concluindo, com expressão desolada: “Mas a vida é assim mesmo, e os políticos não estão nem aí com a situação de penúria que vive o Nordeste”. 

Os políticos, na verdade, demonstram algum interesse pela situação de profunda carência de quem vive nos cafundós do Nordeste apenas durante os períodos eleitorais. E não poderia ser diferente, já que a região, formada por nove estados (Paraíba, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia), é a segunda maior em peso eleitoral (27,01% do eleitorado brasileiro) entre as outras quatro regiões do País, perdendo em número de votos válidos só para o Sudeste, que detém nada mais nada menos que 47 milhões de eleitores, isto é, 42,99% do total, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, em dados de 2020. 

Dos nordestinos e descendentes que vivem em São Paulo, pelo menos um terço está habilitado a votar, mas nem sempre vota nos candidatos conterrâneos. Esquisito? Não para o jornalista José Nêumanne, para quem esse é um detalhe plenamente explicável. Para ele, o nordestino em São Paulo consegue exercer a cidadania na sua plenitude, quebrando o cabresto e se sentindo gente e não objeto de uso puro e simples dos coronéis. Em outras palavras: liberto das amarras invisíveis do coronelismo, os nordestinos na cidade grande consideram-se libertos para votar em quem acham que têm de votar, sem ordem ou recomendação de quem quer que seja. Ainda Nêumanne: “Em São Paulo, o nordestino abandona a relação de servidão e torna-se cidadão”, quase num passe de mágica. E completa: "Sim, construímos essa cidade e nela temos presença forte e permanente, por isso sinto-me profundamente orgulhoso de viver aqui”.

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