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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

SÃO PAULO CAPITAL NORDESTE

 

Em 1917 o mundo estava em guerra, com o proletariado europeu atuando como massa de manobra do capitalismo.
Em 1917 o presidente do Brasil era o mineiro Wenceslau Brás, que declarou o Brasil em guerra contra os países da tríplice aliança: Alemanha, Itália e o império Austro-Húngaro.
Em 1917 o governador de São Paulo era o paulista de Batatais Altino Arantes, que até hoje pouca gente sabe quem foi.
Em 1917 o prefeito de São Paulo era o carioca de Macaé Washington Luís, que iniciou a carreira como vereador na cidade-berço do governador Arantes, em 1879.
Luís, intelectual de grandes recursos, foi deputado e senador antes de virar presidente da República, deposto pelo golpe aplicado pelo gaúcho Getúlio Vargas. Quando ficava nervoso costumava cantar óperas.
Em 1917 ocorreu a primeira greve geral de operários no Brasil, realizada em São Paulo. O movimento começou no bairro da Moóca, zona Leste da cidade e explodiu no bairro do Brás com a morte do sapateiro espanhol José Martinez.
Martinez\ foi morto pela polícia de São Paulo, que logo depois matou também uma menina de doze anos e um pedreiro de 21.
São Paulo, então, entrou em pé de guerra.
À época, São Paulo contava com cerca de 200.000 operários.
A greve espalhou-se por Campinas, Santos, Rio de Janeiro...
São Paulo já nasceu grande.
Dezenas e dezenas de línguas e sotaques estrangeiros desfilam diariamente por seus logradouros, estimados em quase 70.000. Logradouros, entendam-se: ruas, avenidas, praças...São quase uma centena de distritos e uma quantidade enorme de bairros espalhados nos seus pontos cardeais.
Milhares e milhares de músicas já foram compostas e gravadas por milhares e milhares de intérpretes brasileiros, enaltecendo a grandeza e contradições da cidade que traz Nóbrega e Anchieta como patronos.
São Paulo é uma cidade incrível, é uma cidade que acolhe e não discrimina ninguém. Mas São Paulo é uma babel...
Em São Paulo cabe tudo e todos.
São Paulo é considerada a capital do Nordeste.
Uma vez o ex governador da Paraíba, José Maranhão, perguntou-me se eu sabia o número de paraibanos residentes nessa cidade, e sem esperar resposta, respondeu: “350.000.”
Faz anos que essa conversa entre eu e ele ocorreu.
Durante mais de seis anos apresentei, na rádio Capital (AM 1040), o programa São Paulo Capital Nordeste, líder de audiência no horário das 21 às 23 hs.
Mas essa é outra história.
No começo de abril de 2008, levei ao palco do teatro Sala São Paulo, os três primeiros autores de clássicos musicais de São Paulo: Alberto Marino, Paulo Vanzolini e Zica Bergami, autores respectivamente de Rapaziada do Braz (1917), Ronda (1953) e Lampião de Gás (1958).
A festa foi bonita, pá.
Na ocasião foi lançado o livro São Paulo Minha Cidade (vídeo acima), idealizado pelo então presidente da SPTURIS, Caio Carvalho.
O livro reúne mais de um milhar de depoimentos de moradores de São Paulo, paulistanos ou não.
Esse livro finda com um capítulo que escrevi sobre a atração que São Paulo exerce sobre os milhares de compositores brasileiros e até estrangeiros.
Você sabia, meu amigo, minha amiga, que a maestrina Chiquinha Gonzaga, autora pioneira da marchinha Ó Abre Alas, compôs música para São Paulo? E que Ari Barroso, Lamartine Babo e milhares e milhares de outros artistas fizeram o mesmo?
Foi ali, bem no comecinho dos anos de 1950, que Luís Gonzaga e Humberto Teixeira confiaram à paulistaníssima do Braz, Isaurinha Garcia, a bela Baião no Braz, ouça:
 
 
 
O Braz deu nomes incríveis para a vida musical e intelectual do País, entre esses nomes o jornalista e escritor Lourenço Diaféria, com quem estive falando sobre literatura brasileira num programa de televisão (vídeo acima).
Pois bem, São Paulo é uma espécie de mãe que acolhe com carinho os filhos sabe lá Deus onde nasceram.
No dia 5 de Janeiro de 1965 aportou nas plagas paulistanas o potiguar de Currais Novos José Xavier Cortêz, nascido para a história no dia 18 de novembro de 1936. Cortêz é uma referência para estudantes e doutores em São Paulo e no Brasil, desde que criou há quase 40 anos a Cortêz Editora.
Foi marinheiro e perseguido pelo governo militar como subversivo, e como tal foi expulso da marinha.
A história de José Xavier Cortêz, é uma história comprida e cheia de dados enriquecedores para quem quer conhecer a história do Brasil.
Ele, como milhões de nordestinos acolhidos por São Paulo, só tem palavras bonitas para agradecer. Aproveitem a oportunidade e leiam o texto que ele teve a deferência de enviar para este blog:

Ser cidadão paulistano na cidade dos contrastes.

Esta é uma carta de alguém que se tornou editor e livreiro nesta cidade.
Cidade que acolhe pessoas que aqui aportam, vindas desse mundão de meu Deus, e o faz sem indagar, sem exigir, sem distinguir se nossa busca quer o bem ou não. Aqui nos fixamos.
Ontem e hoje, chegamos, às vezes, trazendo apenas uma única indicação, ou simples carta de apresentação para nos mostrarmos aos residentes daqui. Indicação ou apresentação obtida por vezes junto a alguém conhecido no nosso lugar de origem, parente ou não.
As incertezas, o pavor, o medo, nos acompanham. De repente, você se vê tão pequeno, diminuído, com pouco ou nenhum saber no meio dessa multidão, convivendo de várias maneiras com todas as bondades, riquezas e mazelas dessa grande cidade.
Minhas lembranças voltam no tempo. Só hoje (não sei porque não pensei nisso antes) resolvi agradecer de coração por tudo o que de bom o povo dessa cidade de São Paulo me proporcionou e ainda me proporciona.
Quando aqui cheguei, no dia 05 de janeiro de 1965, não imaginava que quarenta anos depois, em 2005, receberia o tão honroso título de cidadão paulistano a mim concedido pela Câmara Municipal de São Paulo.
E não imaginava também que essa honra, 51 anos após minha chegada, se ampliaria a ponto de ver uma escola pública estadual da cidade de São Paulo ser denominada Escola Estadual José Xavier Cortez, homenagem sancionada pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin , em 2016, ambas as indicações formuladas pelo vereador e posteriormente deputado estadual Carlos Giannazi.
Por que a mudança para São Paulo?
A punição que me impôs o regime militar em 1964 me fez mudar do Rio de Janeiro para cá. Não tinha profissão, mas tinha vontade ferrenha e muita disposição para ir à luta, para crescer, para me desenvolver como pessoa e como cidadão.
O que eu não queria mesmo era voltar para o local de onde saíra dez anos antes, o sertão do Rio Grande do Norte, sem conhecimentos, a não ser aqueles que você adquire observando o cotidiano das grandes cidades, que se mostra no corre-corre das pessoas, nas enchentes, nas favelas, na miséria, na riqueza não distribuída, nos crimes, etc.
Foi dentro desse contexto que consegui meu primeiro trabalho, sem carteira assinada, como lavador de carro num estacionamento que ainda existe hoje, na Rua Asdrúbal do Nascimento, no centro de São Paulo.
Tenho apreço e orgulho de viver e trabalhar com minha família nessa cidade que agora completa 463 anos.
Foi ela que me ofereceu toda infraestrutura para minha aprendizagem e meu crescimento, tendo contribuído decisivamente para que eu construísse e consolidasse aquilo que sou e que faço hoje: ser um editor e livreiro em permanente comunhão com a metrópole.
Obrigado, São Paulo.

São Paulo, janeiro de 2017.





José Xavier Cortez
Presidente da Cortez Editora e Livraria

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