Seguir o blog

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

QUEM NASCE PRA CASTRO, NÃO CHEGA A TINHORÃO

Nestes tempos horrendos, de pandemia e negacionismo, de Bolsonaro, violência e homofobia, a mim não custa lembrar que cresci ouvindo dizer que "dois corpos não ocupam um mesmo espaço".
Penso nisso até hoje.
Tal máxima poderia ser aplicada à história e jornalismo.
Fui dormir ontem 7 depois das 23. A razão disso foi o Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura. Na roda que contou com uma excepcional banca de entrevistadores, no destaque Manuel da Costa Pinto, o jornalista e autor de livros Ruy Castro disse um monte de bobaseiras. Desnecessário dizer o que disse, mas a empáfia o domina.
Ruy é mineiro de Caratinga, mesmo torrão do cartunista Ziraldo e do cantor Agnaldo Timóteo.
Ontem 7 Ruy estava com a macaca, metendo bala na cidade de São Paulo.
A pretexto de falar sobre a Semana de Arte moderna, Ruy tascou o pau sem pestanejar nos artistas e intelectuais paulistas. Disse que o Rio de Janeiro não participou da Semana de Arte Moderna de 22 porque não precisava. Segundo ele, o Rio é moderno desde sempre.
O mineiro Ruy, que parece não gostar do lugar onde nasceu, entrou na onda de defender o Rio às cegas. Puro bairrismo.
A Semana de 1922 durou só 3 dias: 13, 15 e 17 de fevereiro. À frente Mário e Oswald de Andrade. A abertura coube a Graça Aranha, que findaria brigando com Mário e Oswald.
Aranha foi o cara que convenceu Paulo Prado a financiar o evento, que não recebeu repercussão nenhuma nos jornais cariocas. De novo puro bairrismo.
Da famosa Semana participaram alguns cariocas, como o poeta Ronald de Carvalho, o compositor e maestro Villa-Lobos e o pintor Di Cavalcanti, que tinha apenas 25 anos de idade.
Eram todos jovens.
Villa, um dos mais velhos, tinha 35 anos.
Oswald tinha 3 anos a menos e Mário, 6.
As ideias fervilhavam como fervilham as ideias em mentes jovens, até hoje.
Na fala de Ruy sobrou pra Cassiano Ricardo, Sérgio Milliet, Oswald, Mário e tal.
Ruy é um bom vendedor de livros. Isso não é crítica, é fato benigno. 
O que não se ajusta bem na fala desvairada do autor de Chega de Saudade é o modo como dispara suas balas, mágoas e preconceitos. Com ódio, raiva, sem humor algum. 
Em Chega de Saudade lê-se que Luiz Gonzaga, rei do baião, era um sanfoneiro de meia-tigela.
E quando fala do jornalista e historiador José Ramos Tinhorão, torce o nariz. E o faz de modo prepotente, arrogante. Lamentável.
Tinhorão, repetirei sempre, fez o que nenhum Ruy Castro fez até hoje: uma bibliografia da cultura popular, com destaque a música.
Ler Tinhorão é fundamental.
Ler Ruy Castro, é opção.
Tinhorão foi um profissional seriíssimo e cheio de graça.
Ruy é um profissional amargo.
Pois é, dois corpos não ocupam um mesmo espaço. E quem nasce pra ser Ruy jamais chegará a Tinhorão.
Bom, não custa dizer: o jornalista João do Rio foi um personagem incrível. Leia:
 
Eu – O senhor começou fazendo textos diferentes dos que se faziam na época...

Ele − Sim, claro. Todo mundo ficava na redação escrevendo coisas. Era assim com Machado (de Assis), por exemplo. Eu gostava dele, mas ele era muito fechado. E com Alphonsus de Guimarães e tantos… Eu sempre me senti muito à vontade nas ruas. Ia pra casa só pra dormir. Mas escrevia nas praças, nos cafés, nos trens. Em todo canto.

Eu − E o Lima Barreto?

Ele − Ah, o Lima era complicado, mas muito talentoso… Era da minha cor. E pobre. A gente não se entendia. Quer dizer, ele não me entendia. Ele dizia umas coisas horrorosas a meu respeito. Não sei por quê. Até me fez personagem de um dos seus livros, o primeiro: Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Não liguei. Pra falar a verdade, eu gostava do Lima. Mas ele era complexado, coitado. Chegou a ser internado com doença de doido. Era mais velho do que eu uns três meses. Morreu em 1922. Assis, não é? Pois bem, seu Assis, pela primeira vez vou dizer uma coisa: não participei, mas assisti aos três dias da Semana de Arte Moderna. Ninguém me reconheceu. Achei foi bom.

Eu − Mas como ninguém o reconheceu, se o senhor era um rosto tão conhecido?

Ele − Parabéns, meu filho. Você é atento ao que ouve. Bem, eu estava meio escondido. Entende? Num canto sem luz. Eu e uma amiga minha.

Eu − O que o senhor achou daquela Semana?


Ele − Interessante, muito interessante. Gostei muito da apresentação do Villa-Lobos com aqueles pezões branquelos à mostra, mas gostei mais foi das vaias que ganhou. O Mário, o Oswald, o Menotti, muito bons. Bons mesmo! E, à parte disso, sempre gostei de São Paulo. Bela cidade.

Eu − E o senhor escreveu alguma coisa a respeito?

Ele − Não, não. Estava ali como espectador. Eu já havia abandonado a carreira de jornalista.

Eu − O senhor mudou a forma de fazer jornal, indo às ruas em busca de notícias. Seguindo seus passos, apareceu uma menina chamada Eugênia Brandão…

Ele − Ah… Eu amava a Geninha. Uma mineirinha muito meiga, muito inteligente, sem preconceito nenhum. Estava em todas. E gostava de um choppinho… Foi com ela que acompanhei a Semana de 22. Ela foi a segunda mulher a escrever num jornal. A primeira foi a maranhense Maria Firmina dos Reis. Negra.
 

POSTAGENS MAIS VISTAS