- Pois é Flor, eu gosto muito desse pessoal. É gente simples, de vários pontos do Nordeste. A intimidade é tanta que nunca tive a curiosidade de chamar cada um pelo nome completo. Sei de um ou de outro como Zé Periquito...
- Pra falar a verdade, eu também passo a gostar desse pessoal. Há umas figurinhas curiosíssimas como Lampa. A propósito, tem ele algo que o ligue ao famoso Lampião?
- Acho que sim, mas pergunte a ele.
Oi, oi, oi, cadê o povo daqui? Ah! Bom, olha lá a figurinha Lampa!
Lampa está de pé, com os braços cruzados, olhando e ouvindo atentamente a expressão de seus coleguinhas botões ante um radiozinho antigo de onde é possível ouvir alguém falando em outra língua, talvez inglês. Estranho... Ei, ei, ei, pessoal! Estamos aqui, eu e dona Flor.
Lampa foi o primeiro a se voltar e a nos olhar, com os braços descruzados e as mãos enfiadas nos bolsos. Aproximou-se de nós, de mim e Flor e com algum desembaraço nos saudou com algo na cara que identifiquei como um meio sorriso. Estranho, mas sorriso. Ele estendendo a mão à Flor, disse com os olhos brilhando: "Bom bombom dia dodona Flor!".
Com toda naturalidade do mundo, a historiadora Flor deixou-se apertar a mão e com alegria devolveu: "Bom dia, Sr. Lampa".
A essa altura, Zé, Mané, Zoião, Biu e Barrica; Zilidoro... e mais três figurinhas ali estavam olhando tudo sem piscar.
Bom, pessoal. O que vocês estavam fazendo diante do rádio?
Biu e Barrica, como se tivessem ensaiado, responderam em uníssono: "A gente tava ouvindo uma rádio americana dando voz ao bufão Trumpi".
Como é que é, vocês estavam ouvindo uma rádio estrangeira falando de Trump?
Mané sentado estava, de pé logo ficou: "Pra falar a verdade, seu Assis, eu e alguns companheiros aqui entendemos um pouco de inglês, espanhol e até francês...".
O quê!?
Zé solta uma risadinha safada enquanto Zoião diz: "Seu Assis, eu falo muito mal o português. Confesso que depois que conhecemos dona Flor, a nossa cabeça abriu-se um pouco mais. Estou pensando até aprender russo e aquela língua do Oriente onde o povo palestino está morrendo que nem bicho sem dono...".
Tá bom, tá bom, mas eu quero saber é porque vocês estão ouvindo uma emissora estrangeira...
Lampa, que saira da nossa frente na surdina, de repente falou: "Seu Assis, o intelectual aqui com a boca cheia de língua é esse aí o Zilidoro".
Achei graça na forma como foi revelada a intimidade de Zilidoro com línguas estrangeiras. Bati palmas e todos me seguiram. Dona Flor: "Incrível! Incrível! Vocês são incríveis!".
Pessoal, Dona Flor tem curiosidade de saber a origem de vocês.
"Isso mesmo, eu gostaria de saber o nome completo de vocês, de onde vocês vieram... Por exemplo, Lampa você tem algo a ver com o famoso Lampião?".
A pergunta bateu forte no peito de Lampa, que engasgou-se enquanto procurava falar, emocionado. Disse que foi batizado com o nome de Luiz Luizinho Lampa e que nasceu no interior de Pernambuco. Ainda gaguejando disse que era parente distante do grande Virgulino, tombado morto nas quebradas de Sergipe, em julho de 38...
"Dedepois, eu fafalo mais Dona Flor. Eu prometo", disse Lampa encerrando a fala.
"Seu Assis, tenho uma coisa pra dizer. Lampa acaba de falar de Pernambuco. O sinhô sabia que a famosa Revolução Pernambucana de 1817 começou num dia como hoje, quinta 6 de março?", perguntou-me o poeta Zilidoro.
Vocês estão ficando incontroláveis, impossíveis... Confesso que não lembrava dessa data. Sei, porém, que foi um sangrento movimento separatista. Durante 75 dias Pernambuco foi um país, desligado da Corte. Sei também que morreu muita gente. No paredão, inclusive.
"Pôxa vida! A conversa está muito boa, mas é hora de forrarmos a barriga", sugeriu Dona Flor.
Ótimo!
Concordando todos de barriga vazia, palmas.