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terça-feira, 16 de abril de 2024

O BRASIL MAIS POBRE SEM ZIRALDO



Pra mim fica claro que toda vez que morre um cartunista, um artista do valor e vigor de Ziraldo, o Brasil fica mais triste e mais pobre. 
Essa sensação senti domingo retrasado com a notícia do passamento de Ziraldo lá pra cima.
Conheci Ziraldo no tempo em que colaborei com textos para o Pasquim. Anos 70, 80.
Quando Ziraldo completou 90 anos de idade a Editora Melhoramentos convidou 90 cartunistas para homenageá-lo. Entre esses o querido cearense Klévisson Viana.
Essa história, a história de Ziraldo e do Brasil se acha no relato do próprio Klévisson:

Ziraldo, o generoso


Corria o ano de 1988, tinha eu 15 anos incompletos. Vivíamos em Canindé (CE). Meu irmão Arievaldo, cinco anos mais velho do que eu, editava, com outros amigos, um fanzine de humor chamado Tramela. Um dia, revirando os materiais da sala onde ele costumava preparar a publicação, dei de cara com um jornal humorístico chamado Torre de Babel. Lendo o jornal, vi um pequeno anúncio que divulgava o 3º Salão de Humor do Piauí. Eu não sabia bem o que era um salão de humor, mas me deu uma vontade imensa de fazer um.
Pintamos de branco uma casa velha e a transformamos numa galeria de arte, que chamamos de Salvador Daki, em homenagem ao pintor espanhol Salvador Dalí, que havia falecido recentemente.
Juntei todos os meninos que conhecia, que gostavam de desenhar, e criei com eles a 1ª Mostra de Humor Canindeense.
Quando da abertura do pequeno evento, para nossa surpresa, recebemos a visita de Albert Piauí e José Elias Arêa Leão (coordenadores do Salão de Humor do Piauí, que ainda não era internacional) e do cartunista fortalezense Mino. A mostra foi um sucesso e fomos convidados a ir a Teresina participar do Salão de Humor do Piauí.
Laurismundo Marreiro, amigo, professor de inglês, empresário e entusiasta dos artistas, se colocou à disposição para nos levar ao Piauí em seu velho jipe apelidado de Jaspion. A viagem foi uma grande aventura do começo ao fim. Nessa jornada, foram, além de mim e de Laurismundo, Arievaldo Vianna e outro rapaz chamado Nildo Bento, que depois abandonou o desenho.
Já em Teresina, Albert Piauí nos recebeu bem, mas, pelo fato de o Salão ter extrapolado o orçamento, ele mandou Arievaldo e Laurismundo para o hotel, enquanto eu e Nildo ficamos hospedados na residência de sua família, onde fomos muito bem acolhidos e amparados por sua mãe e seu irmão Mauro, já falecido.
O Salão de Humor ocorria no Clube dos Diários e no Teatro 4 de Setembro, que são prédios contíguos. A abertura foi inesquecível, emocionante para os garotos que jamais haviam viajado na vida e presenciado algo daquela magnitude. Naquele ano, o Salão havia recebido quase 50 artistas consagrados. Foi realmente uma grande festa.
À noite, após a abertura, os artistas foram se confraternizar numa imensa mesa no Clube dos Diários. Lembro que estavam lá Fortuna, Jaguar, Jayme Leão, Biratan Porto, Ziraldo e muitos outros. Estávamos deslumbrados com a oportunidade ímpar de poder conhecer todos aqueles mestres do humor gráfico nacional.
Eu andava com uma pasta cheia de desenhos meus e de meu irmão Arievaldo. Eu me lembro de que, ao chegar perto de Ziraldo, ele parou o que estava fazendo e perguntou:
– São desenhos? Posso olhar?
Entreguei-lhe a pasta, e o que mestre fez com meus desenhos jamais esqueci. É provável que ele mesmo sequer se lembre disso, mas para mim foi muito marcante.
Ziraldo olhava atentamente cada desenho, cada tira, cada cartum contido na pasta e, desenho após desenho, parava, tecia comentários e dava orientações de como melhorá-los.
Ele deve ter gastado com isso cerca de meia hora ou mais, mas foi o suficiente para me tornar, além de fã do seu lindo trabalho, fã também da sua pessoa.
Para mim, aquela atitude de Ziraldo demostrou, sobretudo, uma generosidade gigantesca com uma criança que gostava de desenhar. Talvez, se não fosse o estímulo e incentivo desse grande artista, eu jamais teria seguido em frente e chegado aonde cheguei.


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