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domingo, 6 de abril de 2025

ADEUS, ANTÔNIO BARROS!



Os terríveis e loucos dias que ora vivemos nunca param. Pobres de nós. 

Esses dias têm levado consigo para o além amigos e amigas que cuidadosamente o tempo me deu.

Hoje 6, no Hospital Nossa Senhora das Neves de João Pessoa, morreu o instrumentista, compositor e cantor paraibano Antônio Barros. Era de Queimadas.

Super brincalhão, Barros batia pandeiro e tocava violão como poucos. 

Barros começou a compor ali pela metade dos anos 1950. Deixou centenas e centenas de músicas compostas em ritmos diversos. 

Todos ou quase todos os cantores da nossa música popular gravaram pelo menos uma música desse cara tão prolífico e sensível que era. Entre esses Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Marinês; Trio Nordestino... Entre seus sucessos se acham Homem com H, Bate Coração, Por Debaixo dos Panos e muito mais.

Em 2021, a Paraíba o incluiu entre seus patrimônios culturais. 

Antônio Barros morreu aos 95 anos, três semanas e três dias de idade. Deixou uma filha com a sua mulher Cecéu: Maíra, cantora e advogada especializada em direitos autorais. 

Se assim continuarem os dias logo ficarei sem falar com mais ninguém. 


LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (176)

 O som da rabeca continua chegando até nós. 


Como se tivessem ensaiado, os artistas presentes acorreram em direção ao som. E lá estava Bibiu tocando uma rabequinha que que aprendeu com Deus. Num piscar d'olhos, Cajú e Castanha sacam os pandeiros e mandam ver. O mesmo fazem os violeiros e tudo vira uma festa.

Lá do fundo ouve-se a voz do Nêumanne chamando a atenção para a chegada do compositor e maestro Júlio Medaglia, trazendo consigo o amigo e também maestro Marcos Arakaki. Alto e bom som todos batem palmas e gritam em uníssono: 

— Viva o maestro! Viva o maestro!

Julio sorri, agradecendo.

Não estava combinado, mas o maestro trouxe um violino pra tocar.

Perguntam-me: 

— Seu Olégna, o maestro vai tocar o quê??

É João Cabeleira perguntando um tanto tímido. Acho graça na pergunta e sugiro que a dirija ao maestro, que se adianta:

— Estou a disposição de vocês!

Zé da Luz volta a me provocar. Insiste na questão se vou ou não aceitar o seu desafio.

Antes que eu respondesse a Zé da Luz,  Zé da Bia pergunta quem são os estrangeiros que vêm à fazenda. De improviso respondo sem viola, sem nada:


Esse tal Marquês de Sade

Nunca foi brinquedo não 

Cabraxo do sadismo 

Filho da praga, pai do cão 

Veio à Terra pra fazer 

Do prazer aberração!


Pietro era devasso 

Mulherengo, tarado

Mulheres o chamavam

De amor, meu namorado

Enfim a vida é fácil 

Pra quem é bem criado


Rétif de La Bretonne 

Sempre foi um bom autor 

Escreveu diversos livros

Com histórias de amor

No campo filosófico 

Foi um grande pensador 


De repente alguém levanta a mão. É Joyce perguntando sobre Casanova. De improviso, respondo:


Não era do barulho 

Ele era do baralho

Amava vida boa 

E odiava o trabalho 

Pra ele as mulheres 

Foram sempre do caralho!



Depois das palmas, de novo ouço Zé pedindo desafio. Em uníssono, todos fazem a pergunta:

— E aí, vai ou não vai?

Foi então que pedi uma viola.

Zé da Luz abriu um sorrisão na cara, também batendo palmas. Pigarreou e perguntou se não tinha uma caninha na casa pra molhar o bico.

De bate pronto, quase num passe de mágica, surgiu nas mãos de Zé um copo esborrotando que rapidamente emborcou goela abaixo. Feito isso, pegou a viola e começou a dedilhá-la e a cantar: 


Era veneziano 

O mais famoso sedutor 

Nascido para ser padre 

Desistiu foi professor 

Pra com calma ensinar 

Os caminhos do amor 


Eu:


Foi um aventureiro 

Diferente dos demais 

Não pensava duas vezes 

Pra quebrar regras legais 

Pra ele certas coisas 

Eram muito naturais 


Zé da Luz:


A mãe era uma atriz 

E o pai um bom ator 

O casal teve seis filhos 

Entre eles um pintor 

Que fixou em tela 

O mano galanteador 


Eu:


Era um cara simples 

Bonito e elegante 

Andava bem vestido 

Com firmeza, confiante 

Chamava a atenção 

Por ser também galante 


Zé da Luz:


Varão, forte e viril 

— E bem dotado também!

Andou por todo canto 

Num eterno vai e vem 

Verdade seja dita 

Nunca dormiu sem ninguém 


Eu:


Casanova era fã 

De Pietro Aretino 

Um poeta sem vergonha 

Devasso e cretino 

Diziam inimigos 

Do ousado libertino 


Zé da Luz:


Mas ele não ligava 

Pois tempo não perdia 

Gostava de bom vinho 

De mulher e putaria 

Quando queria chamava 

O Deus Baco pra orgia 


Eu:


Por um rabo de saia 

Tudo fazia num piscar 

Leão caçava a pau 

E onça fazia miar 

Do céu tirava o sol 

Somente pra se mostrar 


Zé da Luz:


Casanova foi um cara 

Que gostava de pecar 

E pecava todo dia 

Sem poder se controlar 

Sua fama ele fez 

Pra na história ficar 


Eu:


No seu tempo fez de tudo 

Com beleza, alegria 

Seu prazer era o prazer 

Que dava e recebia 

Casanova fez de tudo 

Com mulher o que queria 


Sob uma chuva de palmas, Zé da Luz e eu chamamos Sebastião Marinho e Oliveira de Panelas para darem continuação à prosa poética improvisada ao som de violas.


Marinho:


Um amante completo 

No rigor da perfeição 

Casanova sempre foi 

Um mestre da sedução 

Pra ele toda mulher 

Era benção da Criação 


Oliveira:


Esse cara fez de tudo 

Inda mais até faria 

Pra um dia ser lembrado 

Pelas coisas que sabia 

No seu mundo aprendeu 

A viver com ousadia 


Marinho:


Casanova nunca teve 

Nem limite nem noção 

Por uma mulher gostosa 

Agarrava até o Cão 

O inferno todos sabem 

É o mundo da perdição 


Oliveira:


Pode ser pode não ser 

Verdade o que contou 

Mas ele contava bem 

As batalhas que travou 

Sua luta era na cama 

Com as mulheres que amou 


Marinho:


Nesse mundo ele passou 

Amando e sendo amado 

Pra onde quer que fosse 

Era sempre desejado 

As mulheres viam nele 

Um macho apaixonado 


Oliveira:


Casanova não fumava 

Casanova não bebia 

Casanova tinha medo 

De brochar em plena orgia 

Por isso se cuidava 

Pra fazer o que fazia 


Marinho:


O cara no entanto 

Não era brinquedo, não 

Estava sempre pronto 

Pra entrar em ação 

Mulher ele chamava 

Para chamegar no chão 


Oliveira:


Viver é coisa boa 

Mas é bom ter cuidado 

Quem anda sem destino 

Pode pegar trem errado 

Um trem de pés pra cima

É um trem descarrilado


Marinho:


Pacato de bom papo 

Detestava confusão 

De briga ele fugia 

Sem nem topar discussão 

Porém um dia foi preso 

E atirado na prisão 


Oliveira:


Fora vítima de quem?

E qual a acusação?

Quem seria seu carrasco

Alguém da Inquisição?

Ou um maluco qualquer

Sem rumo, sem direção?


Marinho:


Agora o que fazer 

Ali encarcerado 

Que nem um preso qualquer 

Depois de condenado?

Fugir, tinha de fugir 

Pra não ser crucificado 


Oliveira:


Pra isso fez um plano 

Pra lá de bem bolado 

Furar uma parede 

Subir lá no telhado 

E pronto! Estava livre 

Que nem um ser alado 


Marinho:


Muita coisa ele fez 

Até mesmo por compulsão 

Estudou e aprendeu 

A arte da tradução 

Não à toa encantou-se 

Com Homero e Platão 


Oliveira:


Teve tempo pra ouvir 

Muito tempo para ler 

Escutando aprendeu 

A cultura do saber 

Seguindo essa trilha 

Completou-se no prazer 


Marinho:


Traduziu Ilíada 

Para italianos 

Livro trata da guerra 

Entre gregos e troianos 

Que começou com um rapto 

E durou mais de dez anos 


Oliveira:


Aprendeu tudo que quis 

No belo campo da cultura 

Leu Dante, Camões e Sade 

Mestres da literatura 

Porém ele aprendeu 

A viver com pica dura


Marinho:


Tinha sorte no amor 

E no jogo tinha azar 

Não sabendo o que fazer 

Ajoelhou-se pra rezar 

Seu destino era perder 

Muitíssimo antes de ganhar 


Oliveira:


Morreu longe de casa

Esquecido sem ninguém 

Distante das mulheres 

E dos seus filhos também 

No jogo perdeu tudo 

Um por um cada vintém 


Zé da Luz:


Atenção chegou agora 

Direto de São Salvador 

Gregório de Matos e Guerra

Inspirado cantador 

Que hoje já é lenda 

Como grande pegador!

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