"Estou ouvindo passos, quem será?", matutou Barrica. "Deve ser o seu Assis. Se for, deve estar atrasado. Mas deve ser...".
"Não, acho que não é o seu Assis. Estou ouvindo passos de duas pessoas. Sim, acho que são duas pessoas", disse em voz baixa, calmamente, quase soletrando as palavras, o poeta Zilidoro.
Lampa aguçou o ouvido, resmungando: "Hmmm... Não estou gostando". Disse isso e levantou-se do tamborete em que estava. Passou a mão na barba ainda por fazer e adiantou-se à porta, deixando a mostra o seu inseparável punhalzinho. Na verdade, um punhalzão. "Que é isso, Lampa!?", indagou preocupado Mané. E Lampa: "Seguro morreu de velho...", respondeu num sussurro.
Ouviu-se um toc-toc. E mais um.
Zé, Biu e Jão levantaram-se em silêncio e ficaram como quê escondidos num pequeno compartimento da casa, junto à porta. Zoião engrossou a voz, dizendo: "Calma, calma. Já vou!".
Atrás de Zoião, Lampa deu um cutucão como sinal pra abrir a porta.
Porta aberta, Zoião perguntou: "Quem são vocês?".
Lampa adiantou-se, de voz e olhos firmes: "Sim! Quem são vocês?".
"Sou amigo do Assis e vim aqui a convite dele. E esse aqui ao meu lado é Marlowe", apresentou-se com naturalidade Marco Antônio Zanfra.
Nem acabara de dizer isso, de apresentar-se, Barrica olhando pela janela, disse: "Seu Assis está chegando. Estou vendo daqui!".
Zanfra e Marlowe foram-se acomodando.
Bom dia, pessoal. Tive um pequeno imprevisto, mas aqui estou. Olá Zanfra. O Marlowe é esse aí, que está ao seu lado?
Antes de Zanfra confirmar, o próprio Marlowe apresentou-se: "Sim, sou eu. E há muito eu queria conhecer o senhor. O Zanfra fala muito a seu respeito. Eu lhe admiro pelos livros e reportagens que escreve".
Gosto das suas incursões em busca da justiça, Marlowe. Sei que não é fácil ser detetive, principalmente quando se é competente e honesto como você. E sensível. Não é todo policial que gosta de Beethoven, Chopin, Debussy, Mozart, Rachmaninoff, Schubert e Prokofiev. "O Marlowe também gosta muito de Bach e de romances policiais, claro", emenda Zanfra já familiarizado com os meus botões.
Metendo-se na conversa, Zilidoro foi dizendo que o seu mundo é o mundo da cultura popular. Que ama tudo que Patativa do Assaré escreveu, por exemplo. Diz também que Leandro Gomes de Barros é o seu mais admirado cordelista, ao lado de Silvino Pirauá e José Melo Rezende, esse último autor do folheto O Pavão Misterioso. Porém não deixou de citar cordelistas mais novos como Klévisson Viana, Rouxinol do Rinaré, Cacá Lopes, Luiz Wilson, Moreira de Acopiara e Marco Haurélio e que adora o mundo dos cantadores repentistas, mundo do qual se sobressaem o Cego Aderaldo, os irmãos Batista, Ivanildo Vila-Nova e Oliveira de Panelas.
Lá no fundo, Lampa deu uma tossida.
"Ia-me esquecendo dos personagens do nosso querido Nordeste, como Padre Cícero, Luiz Gonzaga e Lampião", acrescentou orgulhoso Zilidoro.
Jão pediu a palavra querendo saber detalhes da vida de Marlowe: "Além de fazer investigação, eu quero saber que mais faz da vida".
Meio sem jeito, Marlowe disse que está aposentado. Zanfra emendou, na gozação: "Aposentado porque é um besta. Não fuma, não tem vícios maiores. Mas enxuga álcool que nem uma esponja. Se riscar um fósforo perto dele é capaz de explodir!".
A explicação de Zanfra provocou uma risada geral, no ambiente.
Bom pessoal, é isso aí. Zanfra é jornalista e escritor e Marlowe amigo dele. Marlowe é fácil de se encontrar nas páginas dos livros As covas gêmeas, A rosa no aquário e O beijo
de Perséfone. No mais convido a todos para acompanhar comigo o jogo Brasil x Croácia, amanhã 9.
"O meu palpite é que o Brasil vai dar de 3 a 0 na Escócia", arriscou Barrica.