Seguir o blog

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

MAZELAS DO MUNDO, DA CHINA AO BRASIL (2)



Depois de se benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, Dona Inácia concluiu: ”Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém.”
É assim que começa o romance escrito por Rachel de Queiroz em 1929 e publicado no ano seguinte, no Rio de Janeiro.
Em vinte seis capítulos, a autora conta a história de Conceição e sua Vó Inácia, e de outros personagens que viveram no tempo da grande seca de 1915, como o vaqueiro Chico Bento, sua mulher, cunhada e três filhos que foram se perdendo na vida. O primeiro deles morreu depois de inadvertidamente e desesperado comer mandioca braba. Outro, foi dado à Conceição, e o último sumiu nas levas dos desgraçados.
Nas suas preces, Dona Inácia roga a São José que mande chuva para o sertão.
Reza a tradição sertaneja que se não chover até o dia 19 de março haverá com certeza seca braba a castigar inocentes e pecadores.
Foi o que ocorreu em 1915 no Ceará.
A seca de 15 foi tão grave quanto a seca anterior, a de 1877.
Na seca de 77, o próprio imperador Pedro II jurou vender até a última pérola da coroa para salvar os flagelados que nem o pão que o Diabo amassou tinham para comer.
Cascata, a jura do imperador era tão verdadeira quanto uma pataca de barro.
No texto anterior lembrei do primeiro campo de concentração construído no Brasil, precisamente no Ceará. Além desse outros seis foram construídos na seca seguinte, a de 1932. Tragédia enorme lembrada por Patativa do Assaré (1909 – 2002), no poema A morte de Nanã. Ouça:
É grande a literatura poética, inclusive, que trata das secas cíclicas ocorridas no Brasil.
O cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga (1912 – 89) gravou em 1953 o baião Vozes da Seca, composto em parceria com o conterrâneo José Dantas (1921 – 62). A música por si só é um grito, um pedido de socorro ecoado à época em todos os cantos do País. Ouça:
Em 1938, o alagoano Graciliano Ramos (1892 – 1953), lançou o pungente romance Vidas Secas. Os personagens são Fabiano, sua mulher, Siá Vitória, dois filhos sem nome, um papagaio e uma cachorra chamada Baleia. O papagaio morre queimado pelo sol e serve de alimento à família. É triste, muito triste a história contada por Graciliano. Virou filme, como filme virou o Quinze, de Rachel de Queiroz.
A peste que tingiu de negro a Europa, Oriente Médio e parte da África provocou uma onda terrível de flagelados famintos matando judeus nas ruas da Alemanha. Achavam os desesperados que o que sofriam era culpa dos judeus; judeus que Hitler decidiria tempos depois exterminar em nome de uma certa “raça” ariana.
Meu amigo, minha amiga, você sabia que a Segunda Guerra Mundial findou por gerar campos de concentração em Pindamonhangaba,  no interior de São Paulo?
A seca e outras tragédias são tão graves na vida humana quanto a sanha incontrolável de delinquentes poderosos de plantão como Hitler.
Getúlio Vargas (1882 – 1954) entrou para a história como “o pai dos pobres”, mas não podemos nos esquecer que ele não foi flor que se cheirasse, especialmente no seu primeiro governo, de 1930 à 1945.
E o Padre Ciço, hein, que foi deputado e vice governador do Ceará?
“O Padre Cícero Romão Batista amava Deus e a gente sofrida do alto sertão do Nordeste. Ao mesmo tempo, e com a mesma disposição, amealhava invejável fortuna em dinheiro e bens materiais para usufruto próprio. Ao morrer em julho de 1934, com noventa anos de idade, deixou 31 sítios, vários terrenos agricultáveis, três sobrados, quatro quarteirões de casas, dezessete prédios (casas térreas), uma mina de cobre e cinco fazendas de gado. Deixou mais o Padrim padre Ciço: uma legião de milhares, de milhões de seguidores...” (Livro Nordestindanados, Causos & Cousas de uma Raça de Cabras da Peste – de Padre Cícero a Câmara Cascudo; Assis Ângelo; 2000). 
O coronavírus pode virar pandemia.
A última vez em que a peste negra foi detectada no Brasil faz 15 anos, no Ceará.
Da mesma maneira terrível que a estiagem prolongada mata, o excesso de chuva também. É o que está ocorrendo no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ora em Minas, cerca de 60 mortos.
Entre 1979 e 1985, a seca e a chuva mataram cerca de 3,5 milhões de brasileiros, incluindo mulheres e crianças. Essa tragédia provocou um grande movimento de solidariedade entre os principais artistas da música brasileira como Luiz Gonzaga, Alcione, Fagner, Chico Buarque, João Nogueira, Paulinho da Viola, Luiz Carlos da Vila, Simone, Amelinha, João do Vale... Clique:



MAZELAS DO MUNDO, DA CHINA AO BRASIL (1)


Talvez o mais antigo país da Ásia Central a China tem sido uma espécie de farol do mundo pelas descobertas que fez desde muitos séculos a.C.
Ali pelos fins da primeira parte do século XIV, quando sopravam os ventos da Idade Média, a China apavorou a Europa, o Oriente Médio e o norte da África com a então desconhecida peste negra ou bubônica. Terrível. Milhões e milhões de pessoas sucumbiram vítimas desse mal.
As pessoas atingidas pela peste negra morriam em pouco tempo, de dois à cinco dias.
Lembro isso face ao noticiário que dá conta das quase quinhentas pessoas que morreram até agora vitimadas pelo coronavírus detectado no último dia de 2019, na cidade chinesa de Wuhan.
O noticiário tem destacado a rapidez e eficiência dos chineses em construir em quinze dias dois enormes hospitais para alojar as pessoas contaminadas. Esse alojamento nada mais é do que um centro de concentração em que as pessoas lá confinadas não podem receber ninguém do mundo externo. Nem Deus.
Falam de quarentena, expressão genuinamente italiana.
Na Itália do século XIV, a peste negra engoliu um mundo de gente. Em decorrência disso foi construído um enorme hospital em que foram confinados milhares e milhares de italianos. Até hoje são encontrados restos das vítimas.
Pois bem, falei aí no começo do texto sobre centro de concentração. Ou centros ou campos, por que não dizer isso com todas as letras?
Há quem pense que os campos de concentração surgiram com Hitler. Vê-se que não.
No Brasil, os primeiros campos de concentração surgiram no Ceará, durante a seca que gerou milhares e milhares de flagelados que adoeciam e morriam aos montes nas estradas. Temendo que os miseráveis chegassem e saqueassem a capital cearense, o governador Benjamim Barroso determinou com mão de ferro que fosse impedida a chegada das grandes levas humanas à Fortaleza. Foi assim que rapidamente se construiu um enorme espaço para concentrar as vítimas da grande seca. Esse primeiro campo foi construído na região de Alagadiço, hoje Senador Pompeu. Esse lugar fica a oeste de Fortaleza.
A escritora Rachel de Queiroz (1910 – 2003) no seu livro de estreia (O Quinze) faz as primeiras referências sobre esse primeiro centro de concentração no Ceará.
Detalhe: o governador Benjamin Barroso tinha como vice o Padre Cícero Romão Batista (1844 – 1934).
O mundo livre está comemorando 75 anos do fim dos campos de concentração nazistas.



POSTAGENS MAIS VISTAS