Os jornais diários, semanais, mensais estão gemendo. Muitos na UTI e outros mais já devidamente mortos e sepultos.
Isso tudo deve-se à chegada abrupta da Internet, que espalhou e continua espalhando novidades mil em todas ou quase todas as línguas conhecidas. Para o bem ou para o mal.
A Internet oferece muitas opções: jornais eletrônicos, emails, que substituiu os telegramas antes postados nos Correios e Telégrafos. E tem uma coisa boa, muito boa já correndo com pernas firmes e fortes: os Podcasts.
Há pouco, Poliana Helena e o camarada Julian Cuccarese fizeram comigo um papo que gostei muito. Interessantíssimo. Confiram:
Após 16 anos de expectativas e agruras, o Teatro Cultura Artística, localizado ali na Nestor Pestana, Centro SP, será reinaugurado depois de amanhã: domingo, 25.
O Cultura Artística eu o frequentei bastante. Várias vezes lá estive assistindo concertos ao lado de João Carlos Martins e Geraldo Vandré. Várias vezes assisti e bati palmas para o querido maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996). Eleazar foi uma figura incrível! Muitas vezes andei pelas calçadas de São Paulo ao lado dele dizendo coisas, trocando ideias; ele lá da altura de um gigante e eu ali, pequeno que nem um anjo, sem asas, bebendo saber. Bons tempos! Lembro de momentos que andei andando em ônibus com Vandré. Foi Vandré quem me apresentou a Eleazar. Lembro também de momentos em que andei de táxi com Zé Ramalho cá em Sampa, dirigindo-nos a um encontro num boteco com Zuza Homem de Melo (1933-2020), no famoso bairro boêmio de Vila Madalena. Éramos eu e Eleazar... Éramos eu e Vandré.. Éramos eu e Zé Ramalho... A memória a mim tem substituído os meus olhos. Inda bem, né? Bom, o Cultura Artística volta aos braços e corações dos paulistanos como presente sem comparação. O Cultura Artística foi inaugurado em março de 1950. Em 1954, ano do 4° centenário de fundação da cidade de São Paulo, estreou no Cultura Artística a Orquestra Sinfônica de SP (Oesp), sob a regência do maestro Sousa Lima (1898-1982). Eleazar de Carvalho foi um dos diretores da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Eleazar foi também o criador do Festival de Inverno de Campos do Jordão, SP. Há muita história pra ser contada sobre o Cultura Artística e seus maestros, incluindo, Diogo Pacheco. Pacheco adorava whisky e na casa dele molhei meu bico às pampas. Eu ainda fumava... Mas essa é outra história. Ah! Sim: o fogo tomou conta do Cultura Artística na escuridão de 17 de agosto de 2008.
Há pouco, ali pelas 9h, eu, minha filha Clarissa e a querida Anninha, com dois "N", fomos ao restaurante Baião pra tomar um cafezinho ao lado do nosso futuro prefeito Guilherme Boulos. Cabra bom, com moradia garantida cá no meu peito.
Lá estavam pessoas maravilhosas, como são todas aquelas que andam ao lado de Boulos: a cantora Fatel, o cantor, compositor e radialista Luiz Wilson.
E mais muita gente boa no Baião eu reencontrei: o cordelista arretado Marco Haurélio, a xilografa Lucélia, o jornalista escritor sem papas na língua Xico Sá, o cordelista e rabequeiro Pedro Monteiro e o deputado federal Alfredinho. E mais e mais e mais... Muita gente!
Foi um reencontro marcante com todo esse pessoal bonito e sabido.
Várias pessoas pegaram o microfone pra falar sobre o Brasil e, especialmente, sobre o Nordeste.
Boulos falou, falou e falou muito bem sobre a Paraíba. Ele tem parentes nascidos em Campina Grande, a segunda cidade mais importante paraibana. A primeira é João Pessoa, a Capital.
A Capital paulista acolhe nordestinos e nordestinas desde os anos 30 do século passado. Foram esses pioneiros a ajudarem a construir a São Paulo que é hoje.
Bom, aproveitei a ocasião para presentear Boulos com os livros A Presença dos Cordelistas e Cantadores Repentistas em São Paulo e A Fabulosa Viagem de Vasco da Gama, que acaba de ser lançado em braille e distribuído gratuitamente às entidades que acolhem pessoas com todo tipo de deficiência visual.
A Fabulosa Viagem... está sendo publicado em papel, por demanda. É só clicar e pedir!
Há 500 anos nascia em Portugal o poeta Luís Vaz de Camões. Isso todo mundo sabe, o que todo mundo não sabe é que o maestro e violinista paulistano Júlio Medaglia pôs seu belo nome no texto de apresentação do livro resultante da releitura que fiz de Os Lusíadas ao qual dei o título de A Fabulosa Viagem de Vasco da Gama. Essa viagem foi iniciada pelo grande navegador em 1597 em direção à Índia e finda dez meses e dez dias depois. Uma aventura e tanto.
Eis o texto do nosso querido erudito Medaglia:
CAMÕES NA PONTA DOS DEDOS
No período imediatamente posterior à Idade Média, às vezes chamado de “Noite de dez séculos”, ocorreu uma grande revolução na cultura ocidental com o nascimento dos três maiores gênios da literatura latina de todos os tempos: Dante, Cervantes e Camões.
Curiosamente, nesse mesmo período, chamado de “Renascentista” e já entrando no estilo “Barroco”, ocorreu também a maior revolução histórica na área música. Se até então fazia-se primordialmente música vocal, a partir desse momento o ser humano resolveu fazer música fora do corpo. Começou a inventar instrumentos de cordas, sopros e teclados que inauguraram gigantescos recursos sonoros, presentes na música universal até os dias de hoje. Mas como era possível fazer essas novas “máquinas” artificiais produzirem a beleza artística? Tangendo-se as cordas do violino com a ponta dos dedos, as teclas dos cravos e logo em seguida do piano, com a ponta dos dedos e abrindo e fechando os furinhos dos tubos dos instrumentos de sopro, com a ponta dos dedos.
Levaria, porém, 500 anos para que os seres humanos desprovidos da faculdade da visão, pudessem ler a mais importante obra de Camões, Os Lusíadas. E foi neste século XXI que um dos maiores jornalistas, pesquisadores, escritores e compositores deste país, o paraibano Assis Ângelo, encontrou a solução para esse drama. Depois de desenvolver uma das mais brilhantes e multifacetadas carreiras de intelectual, por um grave problema de saúde, ele ficou cego. Como profundo conhecedor da obra de Camões, e mais inquieto que nunca, Assis Ângelo resolveu permitir que outros seres humanos que sofreram do mesmo infortúnio, o da perda da visão, pudessem ler a obra do grande escritor português. E como? Com a ponta dos dedos.
Foi assim que, para celebrar neste ano de 2024 os 500 anos do nascimento do grande escritor português, Assis Ângelo “traduziu” para o idioma Braile sua obra imortal numa criativa adaptação livre para canto e cordel. Se os olhos dos cegos se situam na ponta dos dedos, Os Lusíadas, em sua nova transcodificação realizada pelo brilhante paraibano, ganha novo impulso de vida – a obra em si e o prazer do cultivo da literatura daqueles que perderam a visão.
Não sou túmido, tampouco narcisista ou pernóstico.
Também não sou presunçoso nem prepotente. Longe disso! Talvez um besta...
Porém, uma coisa: falar de si próprio é bom, mas não é bom.
Melhor: falar de si próprio e bem, naturalmente, é coisinha danada de perigosa. Né, não?
Pois, pois...
O fim da tarde e início da noite de sexta 2, no Memorial da América Latina, foi supimpa. Isso porque reunimos pessoas incríveis para lembrarmos da fantástica viagem do navegador português de Sines Vasco da Gama. O lugar onde nasceu Vasco, fundado em 1362, dista da Capital portuguesa cerca de 160km. É logo ali.
Vasco da Gama, filho bastardo de um certo Estevão, não era de muitas posses. A família também não. No entanto, muito cedo, o jovem Vasco interessou-se pelos mistérios do mar tornando-se assim um craque das ondas salgadas. Quando encetou a viagem marítima rumo às Índias, em busca de fama e riqueza, tinha apenas 28 anos de idade. Conseguiu tudo que quis e acabou morrendo no mesmo ano que nasceu o poeta Luís Vaz de Camões (1524-1580).
Foi Vasco da Gama quem pegou a trilha deixada por Bartholomeu Dias e chegou ao destino programado dez meses e dez dias depois da sua partida de Portugal.
O evento ocorrido no Memorial da América Latina deveu-se ao lançamento formal do livro que fiz recontando a façanha de Vasco da Gama. Título do livro: A Fabulosa Viagem de Vasco da Gama, em braille.
Este ano completam-se cinco séculos do nascimento do poeta português Camões e dois séculos da criação do sistema braille de leitura para cegos, inventado pelo francês Louis Braille (1809-1852).
Neste ano de 24 completam-se também 500 anos da morte de Vasco da Gama.E quero dizer mais o seguinte: fiquei feliz que nem um passarim diante de um saco de alpiste ao reencontrar amigos como o jornalista e dramaturgo Osvaldo Mendes, Marcelo Cunha, Maurício Pereira, o maestroJúlio Medaglia, Fausto Bergocce, Paulo Garfunkel (Magrão), Cacá Lopes, Luiz Wilson, a cantora Fatel, Helena e seu companheiro argentino Julio, Nireuda, Cris Alves, Cilene Soares, o cantor Raimundo José... Meu abraço especial para Luciano Martins e sua companheira Taís, Jarbas Mariz, Luís Voutolini, Carlos Silva, Darlan Zurc e Fernando Coelho pelos belos textos escritos a mim dirigidos. Sabe? Teve hora que me senti um cabra importante...
No sábado 3 estive presente no programa Paiaiá na Conectados, apresentado pelo bom baiano Carlos Silvio. Clique:
Luís Vaz de Camões, o primeiro e mais famoso poeta da língua portuguesa, tinha 28 anos de idade quando foi levado de Portugal para a Índia numa esquadra comandada por Fernão Álvares Cabral (1514-1571).
Esse Fernão era filho de Pedro Álvares Cabral, nascido num 11 de julho.
Sobre a vida pessoal do poeta português pouco se sabe, mas o pouco que se sabe já é muito.
Camões foi um jovem rebelde, de família conhecida em Lisboa. Gostava da noite e estava sempre rodeado por arruaceiros, prostitutas, deserdados da vida. Tinha entre seus admiradores e admiradoras estudantes de Coimbra e tal. Estava sempre envolvido em brigas e cachaçadas. Foi preso algumas vezes por dívidas e agressões.
Em 1549, em batalha pela praça de Ceuta, Marrocos, perdeu o olho direito.
Sua ida à Índia não foi escolha pessoal. Pra lá foi mandado como castigo e voltou em 1569.
Três anos depois de voltar da Índia, teve impressa a sua obra-prima.
Camões morreu pobre e o seu corpo foi enterrado numa vala comum.
Em parte, Lula tem razão quando diz que "artista não deve ensinar putaria".
Tal manifestação o presidente da República fez ontem 19 durante solenidade de posse da nova dirigente da Petrobrás, Magda Chambriard. Textualmente, disse ele:
“Eu sou da turma em que artista, cinema e novela não é para ensinar putaria. É para ensinar cultura. É para contar história, é para contar narrativas e não para dizer que nós queremos as crianças coisas erradas. Não, nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se”.
Pois é, isso mesmo.
Novela, TV, cinema, teatro, são janelas ou vitrines de apresentação do que se faz em arte aqui e alhures.
Agora, especificamente, como classificar putaria?
Putaria seria palavrão, cópula, condenação à mulheres que abortam ou canalhas que estupram?
No campo político há muitas ações ou eventos que podem ser classificadas de "putaria".
No campo sexual é possível também encontrarmos detalhes que podem ser classificados como putaria. Pornografia, por exemplo. Sensualidade, não. E erotismo?
O erotismo e paixão são coisas ou sentimentos que se acham em escritos desde a antiguidade.
Amor, sexo, sedução, e adultério também são ingredientes que poetas e romancistas não deixam de usá-los nas suas obras. O mesmo fazem os artistas plásticos desde sempre. E nem precisa ir longe. O espanhol Picasso e o francês Delacroix usaram os pincéis para produzir belas obras.
Bom, quero crer que Lula se referisse ao ensino da educação sexual nas escolas. E quem pode ensinar isso não são os artistas, claro, são os professores especializados.
O jornalista José Nêumanne Pinto continua fazendo-se presente em ambientes literários Brasil afora. É membro da Academia Paraibana de Letras desde 2008, onde ocupa a cadeira Nº 1 de Augusto dos Anjos (1884-1914).
No último dia 7, Nêumanne foi integrado como membro do PEN Clube do Brasil.
O PEN Clube, Poesia, Ensaio e Novela, existe originalmente desde 1921, na Inglaterra. O órgão tem como objetivo valorizar as letras e autores.
Abaixo a íntegra discurso de posse do Nêumanne:
Aos mestres, com carinho
Discurso de posse no Pen Clube do Brasil Rio de Janeiro 7 de junho de 2024
Permitam-me as testemunhas do momento mais glorioso de minha trajetória intelectual dedicá-lo aos meus mestres, com carinho, como era o título do filme de maior sucesso em 1969, quando, ainda aos 18 anos de idade, portanto antes da plena maturidade, desembarquei neste burgo praiano de São Sebastião do Rio de Janeiro, egresso do sertão e após cruzar o cocuruto do Planalto da Borborema em Campina Grande, minha eterna musa. Destemidos parceiros desta minha aventura social, venho das mais extremas entranhas das brenhas dos sertões que intitularam dois mestres máximos da língua portuguesa no Brasil: o fluminense Euclides da Cunha e o paraibano do Brejo José Américo de Almeida, nascido em Areia. Saúdo, antes de todos, o presidente deste Pen Clube do Brasil, Ricardo Cravo Albin, que conheci na década de 1970, quando eu me iniciava no jornalismo. À época em que dirigi a redação do Jornal do Brasil, conheci sua maior obra, o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, com cerca de sete mil verbetes e referência na área musical . E passei a acompanhar muitos de seus 2.500 programas radiofônicos na Rádio Ministério da Educação (MEC). Meu amigo Boni registrou em suas memórias o papel fundamental do nosso presidente na ajuda à liberação de programas da Rede Globo proibidos nos anos pesados da ditadura. Ô, Boni, você não acha que nosso presidente faz falta na Academia Brasileira de Letras? Por isso e muito mais, orgulha-me muito vir aqui ser seu aprendiz. Vim de muito longe. Nasci no vale do Rio do Peixe, nome apropriado por um riacho sem peixe até porque raramente se deixava emprenhar por águas do chamado inverno da fertilidade quando a seca se esquecia de passar por lá. O riacho pertencia a um verdadeiro Rio do Peixe, afluente do Piranhas vindo do Piancó em direção a Mossoró, ao norte nas proximidades da linha do Equador. Quem não tem muita ideia dessa paisagem insólita poderá vê-la no excepcional documentário O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho, paraibano de Itabaiana, terra de outro gênio, o maestro Sivuca. Desse filme participaram ainda Paulo Pontes, mestre do teatro, e o poeta maior Jomar Morais Souto com versos ilustrados pelas imagens da Fazenda Acuã, que pertenceu a João Suassuna, pai do celebrado teatrólogo Ariano. Aproveito a citação do filme para declinar o nome do jornalista carioca José Vieira Madeira, que, como chefe da Censura na Polícia Federal em São Paulo, concorreu decisivamente para a liberação do documentário citado e também de peças de Plínio Marcos, em cuja mesa no Paribar, atrás da Biblioteca Mário de Andrade, na Praça Dom José Gaspar, almocei diariamente com com Madeira, J. B. Lemos, do Jornal do Brasil, Gilberto Alves da Cunha, cardeal da Polícia Civil de São Paulo e este escriba que lhes fala às vezes com autora Leilah Assunção e a produtora Ruth Escobar. Nasci de um casal de primos: meu avô paterno, João Evangelista Moreira Pinto, era meio irmão de minha avó materna, Joaquina Ferreira Pinto. Meu pai, José de Anchieta, era filho único de minha avó paterna, Ana Germano Pinto, terceira esposa de meu avô, que teve outros filhos com outras mulheres, inclusive um fora do casamento. Anchieta Pinto morava na casa do tio e sogro Chico Ferreira, onde nasci de um improvável parto a fórceps num ermo sem pronto socorro nem médico, resultado de uma fortuita passagem do doutor Oswaldo Bezerra Cascudo para tomar café com um compadre quando foi obrigado a usar o aparelho que levava na garupa do cavalo para acudir a outra parturiente na vila de Uiraúna, então ainda distrito do município de Antenor Navarro, antes e depois, como até hoje, São João do Rio do Peixe. Sou primogênito. Minha mãe, Raimunda Ferreira Pinto, Dona Mundica, teria mais cinco filhos, um dos quais perdeu ainda com vida, mas sem tino por culpa do Mal de Alzeimer, com o qual convivemos por dez anos até sua morte, aos 92 anos de idade. Seu primo e amor da vida inteira morreria mais cedo, aos 59, vítima de infarto do miocárdio irrigado por açúcar. Do casal aprendi as lições básicas, que me nortearam a vida inteira. O herdeiro do nome do jesuíta (por sinal, celebrado dois dias após a posse na nossa boda de estanho) só cursara o primário, mas não me lembro de ter flagrado na sua vida inteira um erro de grafia e gramática numa letra desenhada com capricho. Era, então, proprietário de uma bodega nas terras dos sogros. Depois, aventurou-se pelas estradas e pela política. Era caminhoneiro, tinha um Chevrolet jandaia, do qual se orgulhava, para transportar cargas de e para São Paulo, Rio e Codó, no Maranhão. Foi vice-prefeito de Uiraúna, que tinha virado município. Saiu do cargo pobre de Jó, a família passando necessidade, quando foi nomeado agente fiscal das porteiras de acesso da Paraíba ao Rio Grande do Norte pela serra de Luís Gomes, e ao Ceará de Icó, perto do açude de Orós, terra de meu amigo Raimundo Fagner. Orós arrastou o vale do Jaguaribe até o Atlântico desenterrando cadáveres em cemitérios de terra revolvida. Anchieta fundou o Uiraúna Tênis Clube, que não tinha quadra e sediava bailes, antes por ele promovidos no armazém vazio do vizinho Antônio Jacinto. E a banda de música de Jesus, Maria, José. Além do português e da caligrafia caprichada, me transmitiu o respeito ao erário e a ambição da obra bem feita. Mundica foi fundamental na transmissão do amor pela língua portuguesa, que aprendera com as irmãs dorotéias, francesas, quando estudava na Escola Normal em Cajazeiras, terra do padre Rolim, tido e havido como o sertanejo que ensinou a Paraíba a ler. No dia 18 de maio de 1951, data de seu complexo e doloroso primeiro parto, não registrou a dor, mas o encantamento da maternidade. Perenizou-o no texto manuscrito em Meu Bebê, o Livro das Mamães, de Bastos Tigre, com ilustrações de Acquarone, primeiro prêmio da Academia Brasileira de Letras e publicado pela Editora Minerva, em 1945. Abro com ele a edição de Antes de Atravessar, mais recente coletânea de meus poemas, publicada por Thereza Christina Rocque da Veiga em sua Íbis Editora há dois anos. Por favor, ouçam a lavra de mamãe: “Chegou o almejado dia 18 de maio, o sol brilhava com maior fulgor e intensidade, à medida que ele declinava no horizonte aproximava-se o grande, o maravilhoso, o magnífico e desejado momento. Foi um verdadeiro contraste: enquanto o sol em alegria derramava sobre a terra os seus últimos raios doirando a cocuruta dos montes, os meus ouvidos ouviam a mais suave e encantadora música, os primeiros vagidos do meu filhinho. Nunca havia experimentado tamanha felicidade, e, possuída da indescritível emoção, estreitava em meus braços um bebê cor de rosa. Que era a sublime concretização dos meus sonhos. Não era feliz somente eu naquela noite, adivinho o que se passava no íntimo de Anchieta, meus pais e irmãos, meus pais, que viram pela primeira vez um filho de sua filha.” Mudamos para a casa de seus tios e sogros João e Nanita, na “rua”, como se dizia. Dizem que herdei muito de meu avô materno, Chico Ferreira, que tinha o hábito de me sentar em sua perna para acompanhar as nuvens da chuva vinda de Souza, Cajazeiras ou Luís Gomes, cuja chegada em poucos dias ele prenunciava sem errar. Era míope profundo, como o sou desde a descoberta, antes dos dez anos de idade. Lembro-me bem de nossa cúmplice espera da chuva salvadora, mas nunca ele ou eu fomos capazes de prever que água possa cair do céu com prenúncios de desgraça e não de bênçãos da fertilidade vegetal, como resta comprovado no Rio Grande do Sul. Seu Chico morreu aos 72 anos. Em 1986 publiquei em Solos do Silêncio, editado por Luis Fernando Emediato na Geração Editorial, um dos poucos poemas de minha lavra que guardo na lembrança no meio de minhas falhas de memória. Ei-lo:
“Na casa avoenga”
A nuca cansada apoiada na palma aberta da mão, os olhos míopes do velho Chico Ferreira escutavam o choro do sertão no céu sem estrelas da mais escura vastidão.
um sapo um grilo um rês uma rã
Assim era o serão na Fazenda Rio do Peixe, de onde fui vindo.
Todo som que me vier do bojo da rabeca de Bié, como chuva na telha e sabor de leite coalhado com rapadura rapada – eta emoção!
Uma noite estava numa festa na casa de meu amigo Luís Sales quando os Seresteiros Urbanos tocaram e cantaram uma linda melodia de meu parceiro Gereba, do grupo Bendegó, sobre este poema, que assim virou letra. Seu Chico casou-se aos 37 anos, com dona Quinou, de 19 anos, filha do coronel Alexandre Moreira Pinto. Era arrimo de família e alfabetizou-se autodidata. Morreu quando eu tinha seis anos. Chorei muito em seu velório e até hoje me lembro do cheiro de alfazema, usado no sertão para disfarçar o odor cadavérico. Foi velado na casa de meus pais. Papai era então caminhoneiro e mamãe tomava conta sozinha da prole. Nas noites de verão muito quente no sertão, Cabrinha desligava o motor às 9 da noite e ela nos reunia na calçada de uma casa maior para a qual mudamos. Sua memória fabulosa nos ditava de cor poemas de seus autores favoritos: Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos e Jansen Filho, entre outros. Minha memória avariada lembra-se até estes meus 73 anos da cadência do baiano Antônio Frederico: Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança, estandarte que à luz do sol encerra as promessas divinas da esperança, antes te houvessem roto na batalha. que servires a um povo de mortalha. Certo dia, vi o filme Bocage, o Triunfo do Amor, de Djalma Limongi Batista, e, ao final, chorei copiosamente, pois o ritmo do genial poeta português e personagem de folhetos de cordel licenciosos era o mesmo de Castro Alves, dito por minha mãe. Durante estes anos todos, desde que os ouvi pela vez primeira na vida, considero “a brisa do Brasil beija e balança” o mais inspirado verso da poesia brasileira de todos os tempos. Concorre apenas com outro poema que minha mãe preferia. O Terceiro Naufrágio de Gonçalves Dias, que introduz a seleta de poemas do romântico maranhense, registra que o considero o maior de todos os poetas brasileiros. Refiro-me à imprecação do velho guerreiro tupi, indignado com o filho que pediu piedade aos guerreiros que o venceram e condenaram à morte para repasto por sustentar o pai idoso. Indignado, este não teve dó nem piedade do filho. Reproduzo aqui uma estrofe do poema: Um amigo não tenhas piedoso Que o teu corpo na terra embalsame, Pondo em vaso d’argila cuidoso Arco e frecha e tacape a teus pés! Sê maldito, e sozinho na terra; Pois que a tanta vileza chegaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és. Citei-o na introdução à seleta de poemas Meninos, Eu Vi, que, por encomenda do colega de Pen Clube, o doutor em letras e querido amigo Deonísio da Silva, a editora Almedina publicou por ocasião dos 200 anos de nascimento de Gonçalves Dias, nosso vate máximo. Peço vênia para dar mais um exemplo de versos que decorei naquelas noites quentes na calçada da Rua Nova, em Uiraúna, o soneto “Vandalismo”, de Augusto dos Anjos, que empresta seu nome à cadeira número 1, que ocupo na Academia Paraibana de Letras:
Meu coração tem catedrais imensas, Templos de priscas e longínquas datas, Onde o nume do amor em serenatas Canta a aleluia virginal das crenças.
Da ogiva fúlgida e das colunatas Vertem lustrais irradiações intensas, Cintilações de lâmpadas suspensas E as ametistas, os florões, as pratas.
Como os velhos templários medievais, Entrei um dia nestas catedrais E nestes templos claros e risonhos.
E, erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos.
Infelizmente dona Mundica nunca chegou a ouvir ou ler meu poema “Stabat Mater”, em sua homenagem. Então, ela ainda vivia, mas o Alzheimer já a tinha privado de seu mais precioso dom, a memória. Ei-lo publicado agora em Antes de Atravessar:
Stat mater dolorosa, dum pendet filius (João, 19;25)
Stabat mater dolorosa juxta crucem lacrimosa dum pendebat filius (texto atribuído a frei Jacopone Benedetti da Todi)
Quando eu nascer, mamãe vai sorrir aquele sorriso beato que só as mães sabem dar: um pouco por se ver, um pouco por ternura; um tanto por me ter e outro por tontura.
Quando eu me criar (bezerro desmamado), vou beber e tragar seu leite morno - um pouco de proteína, um pouco de gordura; um tanto de escassez e outro de fartura.
Quando eu crescer, seu coração vai pulsar ao ritmo de bater de versos ditos de cor, um brilho de som na noite escura: palavras de candura rompendo a pausa da infância vaga.
Enquanto eu viver (ser despido de lembranças), ela vai gargalhar de cada travessura e vai me punir por cada travessura. Terei sua bênção, sendo sua graça ou sua tortura. Se terei!
Quando eu morrer, esteja ela onde estiver, aqui no planeta como no jardim do céu, minha mãe vai padecer e vai gemer, minha mãe vai verter seu pranto adocicado e o leite derramado do peito esfomeado, sobre o leito esparramado.
E, aí, minha mãe vai renascer nos filhos que eu tiver, e vai crescer de novo nos netos que eu lhe der, e vai viver pra sempre nos versos que eu fizer: cantigas de amor na terra bruta, na grama dura, o infinito grão.
Nesta tentativa de homenagear meus mestres com carinho, introduzo agora o padre Bernardo, que me ensinou a cultivar a lógica dos santos Agostinho, bispo de Hipona, e Tomás de Aquino. Tinha oito horas semanais de latim no Instituto Redentorista Santos Anjos em Bodocongó, Campina Grande, Paraíba. E padre Carlos, que não conseguiu me ensinar a tocar violino, por culpa do pescoço curto, me introduziu nas declinações do latim por um escritor maravilhoso, meu ídolo Caio Júlio César, de quem traduzi De Bello Gallico e para cuja língua verti prosa de minha própria autonomia, como diria Isabel de Castro Pinto. Saído do seminário, fui aluno do Colégio Estadual da Prata, em Campina. Ali aprendi a amar a língua de Camões, Eça, do José de Alencar de As Minas de Prata e de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, com quem trabalhei na Gazeta de Pinheiros, com a mestra Maria Argentina Brasileiro no primeiro ano científico e com quem tive a suprema alegria de prosear recentemente. Devo-lhe a prática sofisticada da língua em que aprendi a falar e escrever seguindo o exemplo de dona Mundica. No segundo ano segui o aprendizado da excelência da língua com a professora Francisca Neuma Fechine Borges, que, além disso, deu dignidade acadêmica à discussão sobre a literatura de cordel. Levando-a inclusive para o exterior. Graças ao trabalho desta minha mestra travei conhecimento com a dupla Otacílio Batista e Diniz Vitorino, que, de passagem para participar de seminários universitários em Paris e outras cidades francesas estiveram em minha casa e executaram uma função de poesia popular sertaneja. Nesta época, começo dos anos 1970, travei conhecimento com um dos maiores sucessos desse gênero, Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, de meu colega na redação do Diário da Borborema em Campina Grande, Orlando Tejo, então morando em Brasília e depois em Recife. Graças ao livro de Tejo, na verdade um romance, o rabequista de Tauá, na serra de Teixeira, atravessou o Brasil de cima abaixo e de lado a lado. Embora haja várias dúvidas a respeito da autoria de muitos desses versos, alguns reclamados por Otacílio Batista, outros pelo próprio Tejo, não há dúvida que o repentista surrealista é uma marca da cultura da viola e da rabeca. Cito uma estrofe autobiográfica extraída do livro de Tejo, primo de William Tejo, que me chefiou na redação do Diário da Borborema. “Eu me chamo Zé Limeira Da Paraíba falada, Cantando nas Escritura, Saudando o pai da coalhada, A lua branca alumia, Jesus, José e Maria, Três anjos na farinhada”. Meu querido amigo Antônio Carlos Belchior Fontenelle Fernandes chegou a incluir uma limeirada numa canção de sucesso – “Sujeito de sorte” um mote atribuído por Tejo a Limeira: “Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” No rastro, Emicida também fez sucesso com o verso. Mas para não me perder em divagações retomo o rumo dos mestres muito amados para destacar o mais original deles, um “prodígio” na definição do poeta e acadêmico Geraldinho Carneiro, cujo pai, Geraldo Carneiro, foi figura exponencial em minha estréia como jornalista. Geraldo pai era uma espécie de fac-totum do governador de Minas e candidato à Presidência da República Juscelino Kubitschek de Oliveira, além de parceiro em carraspanas homéricas com o personagem que vou introduzir: Eurícledes Formiga. Geraldo pôs o companheiro de noitadas à mesa com JK, candidato do PSD à Presidência, num comício em Goiânia. No jantar, ao lado do orador, o paraibano de São João do Rio do Peixe elogiou o discurso do pessedista e em seguida contestou: “mas não é seu”. E logo deu a “prova”. dizendo a peça inteira de cor sem omitir uma vírgula. JK só acreditou que Formiga de fato tinha decorado seu discurso quando o boêmio paraibano o disse do fim ao começo. Sim, o homem era um fenômeno de absurda memória fotográfica. Como sobrevivente entre seus muitos amigos acabo de dar testemunho de seus prodígios no nosso sertão do Rio do Peixe, de onde viemos e que agora celebrará o centenário de seu nascimento em 19 de junho de 2024. Eleito presidente, JK o nomeou chefe do cartório da Justiça Federal, onde lhe fui apresentado pelo poeta negro campinense Arnaldo Xavier, meu amigo de adolescência. Formiga me apresentou ao diretor de redação da Folha de S.Paulo, Cláudio Abramo, no auge de sua fama de maior jornalista brasileiro do século vinte. No dia seguinte estreei como repórter da Local e de lá saí para Jornal do Brasil, Estadão e Jornal da Tarde. E também segui a vocação de radialista, inaugurada na Rádio Caturité da Diocese de Campina Grande e continuada nas rãdios Jovem Pan, Estadão e Eldorado e nas TVs Manchete, SBT e Gazeta. Mas Formiga, discípulo e amigo de Chico Xavier, me seguiria pela vida afora, mesmo após ter desencarnado. Seu filho Quito, quando vereador, me concedeu o título de cidadão paulistano 40 anos depois de eu ter conhecido seu pai e sua mãe, Anabel, que mo indicou então já viúva de Eurícledes. Não exagero ao afirmar que Formiga me fez jornalista em São Paulo quando eu ainda era um teenager do sertão dos rios sem água. Já não era sem tempo de lembrar Formiga, também foi poeta do mar, embora nascido a 500 quilômetros do pélago profundo. Aqui lhes trago versos de sal e areia do poeta da lua: Para falar de amor à minha amada, ponho tua harmonia nos meus versos; eles recordam pequeninos búzios, com tua alma cantando em seus recessos! Não me é dado saber em quantos portos ancorei minha nave... em suas quilhas fulgem as tatuagens de saudades com as transparências do teu ser ignoto! Sei apenas que a música da vida nasce contigo e cresce e envolve o mundo e o coração-aquário do poeta! A musa é Anabel, xará de Anabel Lee, que inspirou Egar Allen Poe. Voltemos, contudo, agora para o amigo de Formiga que me deu o primeiro emprego de repórter num grande jornal, Cláudio Abramo. Este me pôs à sombra de meu eterno chefe, o capixaba J. B. Lemos, outro de meus amadíssimos mestres. Na redação tratou-me sempre como o filho homem que sempre quis ter, mas nunca havia tido algum. Uma vez no escuro abismo dos Andes bolivianos sem saber de onde vinha nem para onde ia, lhe telefonei para me indicar o que fazer. Ele, calmamente, certamente cofiando o bigode, ordenou: “Vire-se!” E me virei. Foi a instrução mais exata que recebi na vida. Depois, encontrei outro guia numa redação. Ruy Mesquita me chamava a sua sala. Lia um trecho qualquer de um editorial que eu havia escrito. E perguntava: “o que quis dizer com isso?” A contragosto respondia. E ele completava: “e por que não escreveu assim?” Eis aí o mais aconselhável método de orientar um redator desorientado, confuso e complexo. Quando se foram Lemos e Ruy, fiquei mestre de mim mesmo. E errei mais. Muito mais. Em 1969, ano em que vi Ao mestre com carinho, conheci mestres da vida inteira: o editor Pedro Paulo de Sena Madureira, fundamental na confecção do romance O Silêncio do Delator, que em 2005 ganhou o Prêmio Senador José Ermírio de Moraes da Academia Brasileira de Letras, de 2004, das mãos do filósofo Miguel Reale. Fui saudado por Marcus Vinicius Vilaça, que pontificou: “O passado nos autoriza a recusar anemias no fazimento do presente e na formatação do futuro. O novo nos interessa. A tradição desta Casa não é feita de ancoragem de horas, mas da libertação da palavra. Sem pressa e sem descanso”. O presidente da Academia Brasileira de Letras era meu amigo Ivan Junqueira, que também conheci na Bruguera da Rua Filomena Nunes. O tradutor magistral de T. S. Eliot traduziu um poema que ocorreu a Jorge Luís Borges quando Maria Kodama estava no Japão e, por acaso, fui a Buenos Aires cobrir para o Jornal do Brasil o julgamento dos ditadores militares e ali conheci Flávio Tavares, autor da obra-prima Memórias do Esquecimento. Lá entrevistei Jorge Luís Borges, autor da magnífica História Universal da Infâmia. Mas nenhum poema novo lhe ocorreu à ocasião. Certa feita, muito depois disso, Ivan revelou, ao apresentar palestra na ABL, que foi parceiro deste pau de arara numa capa do jornal da Condessa em pleno carnaval. Na Bruguera. conheci ainda o poeta e publicitário Nei Leandro de Castro, entre tantos outros ilustres companheiros de trabalho. O chefe da turma era Leonardo Fróes, que depois seria colunista de plantas e jardins e redator da minha equipe no JB. Dia destes localizei-o com a eterna Regina em São Pedro do Rio por um motivo interessante. Sou professo admirador de João Câmara, maior pintor do Brasil e também contista para lá de acima da curva. Depois de ler A Caminho de Querétaro, publicado por dois de meus mestres, com carinho, Christine Ajuz e José Mário Pereira, da Topbooks, comentei isso com Leonardo, de quem Pedro Paulo e eu, na Girafa Editora, publicamos uma tradução dele de Under the Volcano, de Malcolm Lowry, que se passa em Querétaro. Boa ocasião para citar Câmara e Fróes num parágrafo. Assim como para lembrar como Carlos Leal entrou na minha vida de escritor. Nos anos 1970, no Jornal do Brasil, o inolvidável Mário Pontes me encomendou a crítica do livro de pequenas memórias, como cunhou José Saramago, Antes que me Esqueça, de José Américo de Almeida. Na infância, a miopia profunda e a cabeçorra me valeram dois apelidos: um nem precisa dizer qual é. O outro Zé Américo. Caprichei no escrito. O próprio autor me escreveu um amável bilhete e me entronizou no lugar de seu último amigo de infância no casarão de Cabo Branco, cenário de sua frase “longevidade se consegue com pé na areia”. Recentemente o professor Marcos Formiga, de São João do Rio do Peixe, me honrou com a encomenda de um texto sobre o livro que considero à altura de ser posto ao lado de Os Sertões, de Euclides da Cunha: A Paraíba e Seus Problemas. Este foi o momento mais honroso de minhas atividades intelectuais. Tudo começou com uma bela edição da Francisco Alves, hoje sob a batuta de Carlinhos. Viva ele, pois. Em 1974, fui convidado a participar do Encontro Mundial da Comunicação e, por conta disso, almocei uma semana diariamente com Pelé em Acapulco, recentemente destruída pela natureza implacável antes da tragédia do Rio Grande do Sul. Com o Rei, a cuja festa dos 50 anos compareci, a convite de seu geriatra, Eduardo Gomes da Silva, ainda a tempo de aprender em rápido convívio que a máxima simplicidade pode conviver com a glória suprema. Essa lição também foi dada por gênios como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Luiz Gonzaga, Neil Ferreira, Antunes Filho, Tom Cavalcante, Ciro Fernandes, Jacó Pinheiro Goldberg, Ruy Castro, a historiadora Mary del Priore e o crítico mineiro Silviano Santiago, laureado com o Prêmio Camões em 2022, além do artista plástico Raul Córdula Filho. e de Zé Ramalho, meu parceiro em canções como Lua Semente e Do Norte do Norte. Em 1973, iniciei outra obra da qual me orgulho muito, minha prole. Tenho quatro filhos, os adultos Vladimir, Clarice e Cecília. Deles são meus netos Pedro, Stella, Anna, Giulio e Nolan. O filho caçula é Artur, de meu casamento com Isabel. Aprendi a escrever com Graciliano Ramos, inigualável na arte da simplicidade profunda. À distância. Não o alcancei em vida quando fui morar no Rio de Janeiro em 1969. Convivi muito pouco com Rachel de Queiroz, que li, primeiro em pílulas na última página da revista O Cruzeiro, que meu pai levava do Rio, além de notícias do Flamengo. No Rio ainda alcancei Rachel de Queiroz. Tratou-me como se fosse o mais aplicado dos discípulos. Na última vez em que a vi, ela estava com a irmã passeando no Jardim Botânico, colhi uma flor para lhe dar e aumentei o fervor por seus textos quando sua simpatia não estava mais a meu alcance. Da infância minhas melhores lembranças mais do que as de Carlinhos de Menino de Engenho eram as do seleiro amargo Zé Amaro, de Fogo Morto, clássico dos clássicos. Nele me divertia sozinho no quarto dos fundos da casa de meus pais na rua Rui Barbosa com Vitorino Papa-Rabo. Teria muito a conversar com Zé Lins do Rego sobre o Flamengo e ele nem chegou a ver Zico jogar. como eu não me deparei com Domingos e Leônidas com a camisa rubro-negra. Nunca vi Garrincha driblar Jordan e até meu ídolo Gerson para rir de minha própria desgraceira. Faltam aqui dois mestres. Vamos a eles antes que a paciência de vocês se esgote de vez. Meu primogênito, Vladimir, 50 anos, paquerava uma lisboeta e, de volta do Reino Unido para o Brasil parou em Lisboa. Chegou com um presente daqueles que viriam a ser avós maternos de meu neto Pedro, de 21 anos, Vitor e Georgina. Era um volume de O Ano da Morte de Ricardo Reis. Genial. A melhor obra do Prêmio Nobel José Saramago. Em agosto de 1986, o xará nem tinha recebido o laurel e veio lançar o tal dito cujo livro no Brasil. Encontrei-o no hotel em frente à igreja de Santa Ifigênia, no centro velho da Paulicéia Dilacerada, título maravilhoso de outro amado mestre, o poeta Mário Chamie, de Cajubi, mas com sangue de Damasco de Saulo. Li o seguinte poema no hall do hotel e tudo:
“A Seara de Saramago”
Esta língua é minha semente, machado de mulato do morro, pátria de poeta lisboeta.
Esta língua é minha visão, o sol do soldado caolho, a mão do soldado maneta.
Esta língua é minha música, na palavra do padre pregador, no pássaro do padre voador.
Esta língua é minha mulher tem cuidados de mãe no leito da amante.
Esta língua é minha rosa, tem perfume dos sertões gerais, tem sabor de vinhos do Porto.
Esta língua é meu cavalo para subir cidades e serras, que a brisa do Brasil beija e balança.
Esta língua é fel com mel, cantigas a palo seco de ninar o futuro.
Esta língua é meu coração, na tortura, na paixão e no sal amargo da purificação.
Esta língua é jóia africana, ela caça a onça caetana, ela cruza a légua tirana.
Esta língua é fruto de meu ventre, mata sede de amizade, me arma nos bons combates.
Esta língua não é de viver, língua de navegar e de lamber e de dançar o tango argentino.
Esta língua é meu berço, esta língua me conhece, esta língua é meu caixão.
Ao fim da leitura, Saramago chorou. José Paulinho Cavalcanti, que me fora apresentado por Tancredo Neves, me deu a honra de citar a última estrofe em sua posse na Academia Brasileira de Letras. Depois da morte de Saramago confidenciei a minha querida amiga Nélida Piñon, que representou a ABL em minha posse na Paraibana, que eu deveria ter sido o primeiro brasileiro a entrevistar Saramago no Brasil. Ela negou: “Foi Millor no Pasquim”. Ela não desconfiava que Lauro Jardim passava certo dia na calçada da Casa dos Bicos em Lisboa, entrou numa sala de fortunas críticas e nelas a de um único brasileiro:. Quanto a Millor, mito que venero, lhe fui apresentado por Fernando Pedreira, que me fez articulista do Jornal do Brasil, quando dirigia a redação, no Antiquário do Leblon. E Boni, aqui presente, testemunhará que o Vão Gogo de minha infância me agradeceu dizendo ser eu a única voz no rádio a falar a língua que sua mãe lhe ensinou. Ficaram faltando alguns mestres. Como Astier Basílio, que está fazendo doutorado em literatura russa em Moscou seguindo uma indicação deste seu aluno, o único muito mais velho. Astier está lançando livro novo, ora pois. Falo de Eu, como diriam Augusto dos Anjos e Vladimir Maiakóvski, traduzido por ele para uma edição da Arribação do cajazeirense Linaldo Guedes. Como também Jorge Semprún que entrevistei no cofee shop do Hotel Maksoud para falar de minhas adorações por Netacheiev Está vivo e A Segunda Morte de Ramon Mercader. E ainda de Octávio Paz, de cuja entrevista coletiva no Estadão participei, quando trabalhava no Jornal do Brasil. E, sobretudo, a mestra profissional, a PhD em História pela USP e musa de Antes de Atravessar. Lerei o poema para vocês saberem o quem de fato inspirou esta oração autobiográfica que foi presente do Dia dos Namorados, o qual ora lhes imponho.
“Magister dixit”
Cada passada tua era um caminho aberto! (“O caçador de esmeraldas”, Olavo Bilac)
Com minha mãe, mal saído do berço, aprendi a ler de carreirinha, como Zeca Diabo, distinguir algarismos arábicos e fazer contas. Fui seu primeiro aluno, ela, minha primeira mestra. De Mundica herdei vida, cara, o amor pela palavra e a paixão pela poesia e pela leitura. Com Isabel, assim que partilhei seu tálamo, aperfeiçoei o que a vida me ensinara de mais útil para lidar com artimanhas alheias e imperfeições próprias. A mania que todo surdo tem de falar alto, o indicador em riste para impor o argumento, perdigotos inevitáveis na cara do interlocutor, hábito de interromper em papos íntimos ou formais. Isabel, a definitiva mestra-escola, me apresenta ao diálogo. Com ela me aperfeiçoei na arte difícil da conversa, na qual quase sempre o triunfo leva ao recuo, permanente aprendizado do legado de Pirro. Minha mulher é musa bela e inteligente, não necessariamente nessa ordem, é claro. Para seduzi-la dei-lhe a obra-prima de Marcel Proust e ela nem precisou passar do primeiro volume da tradução para me ensinar rudimentos do texto, que não tinha percebido. Depois, lhe disse que lera Ulysses, de Joyce, via Houaiss, mas discordava de quem o julgava o romance dos novecentos. De minhas leituras no quarto dos fundos de uma casa nos fundos do Colégio das Damas em Campina Grande, onde ela nasceu, me deixei fascinar por Eichman em Jerusalém, de Hannah Arendt, e também por Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger. No primeiro caso, a encontrei pronta para me explicar a banalidade do mal e as imprudências do desejo. Ela havia dedicado anos de um curso universitário lendo, anotando, rabiscando as obras do ídolo de Lafer. Trouxe preciosidades indispensáveis para discuti-las. O então namorado, bom aluno perspicaz, mas relapso, degustava frases, mas fazia pouco da utilidade do registro, tratando o lido com reverência, mas se deixando levar por armadilhas da beleza, da música e do ritmo delas. Quando a conheci, eu tinha abandonado o vício que ela mantém de marcar, atenção concentrada no escritor, com exagerada confiança na lembrança. que tornava traiçoeiro e fugidio o que poderia ser necessário lembrar. No leito conjugal, antes do sono, ela relembra fatos do dia com lições do cotidiano, que dona Clio a lembra de me lembrar. Em tais ocasiões, me diz da relevância de alisar as coisas ásperas para nunca perder a noção dos objetos que tornam o tato prazeroso. A sabedoria de minha amada aduz que preto, cinza e branco são cores e que azedo é sabor que não deve ser preterido pelo prestígio do doce, principalmente para um parceiro diabético, proibido de acumular glicose. Ela não deixa seu amado perder a noção do peso dos objetos leves nem fazer de conta que o feio não deve ser sempre preterido ao belo. Minha mestra, também doutora, com tese defendida e aprovada, é capaz de me levar a momentos inesperados em locais antes visitados, como ao me conduzir à livraria Shakespeare and Company. no Sena, para confirmar a descrição feita por Hemingway; em Paris é uma Festa, levando-me a comprar Ulysses. saído do prelo da secular primeira edição. Da mesma forma me conduziu aos jardins de Giverny para eu contemplar cores de Monet longe do Museu d’Orsay. Foi como se as tonalidades de plantas e telas tivessem outra natureza depois de por elas terem passeado as pupilas verdes da filha de Betânia. Isabel me ensinou a conversar, tudo aprendo desde que a conheci, o que ouço tenho logo de lhe contar e tudo o que sei faço eco. Li Grande Sertão: Veredas num quarto dos fundos nos sessenta, o reli aos pedaços ao longo de minha vida afora, e. aos 67 anos, o li inteiro na cama para minha mulher. Era como se tivesse sido a primeira vez, como sempre com ela. Manuelzão e Miguelim ocuparam nossa relação sem pedir vênia. Ler para Isabel me apresentou à saga de Riobaldo e Diadorim. Lições dessa leitura ao leito foram levadas à Academia em palestra sobre Rosa e Machado, nossos papas. Minha mulher tem um trato secreto com Cronos, que indica didática especial com idosos de sua predileção. Inclusive me, myself and I, eu entre eles. Nem sempre cumprimos nossos acordos, como o que inspirou meu poema “Medeia aqui e agora”: a promessa de nunca procriar, abandonada quando ela me disse que queria um filho meu. O nome dele é Artur e herdou da mãe a capacidade de me educar: ele me instrui mais do que sou capaz de orientá-lo. Maria Isabel venera a sempre bela e sempre lúcida Clio em sua fé na história, cujas datas sabe todas de cor, ao contrário de mim, que nada sei, datas em particular. Isabel esfria os estrondos de meu temperamento, que me aflige, e ilumina as sombras de minha resistência, mostrando meu talento reluzindo como moedas da Bíblia de todos os tempos. Li Vingança, Não sobre cangaço na infância e na maturidade, Releio-o aos 71, debruçado num volume que guarda cheiro e calor da dona. Ela é sacerdotisa da verdade factual e fugidia, cujo templo repousa em meu coração. Ajoelho-me a seus pés, contrito com a devoção que merece; seu posto de onça feroz a vigiar o sono do filhote, fazendo a sesta no quarto ao lado, fruto de nosso amor e presente-mor em qualquer Dia dos Namorados, quando acende a lâmpada para alumiar este preito prestado à beleza e à sabedoria, cujo brilho Fernão Dias contemplará ao ler Bilac nas trilhas palmilhadas pelos bandeirantes e desvendadas pelo mar manso dos globos oculares da mestra-escola que amo neste momento muito especial de minha juventude tardia. Isabel me devolve a infância com gosto de quero mais, resgatada num verso maneiro de um poema de seu Olavo: “E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...”
Não são poucos os romancistas, contistas e poetas brasileiros e de outros lugares que abordam esses temas.
O primeiro romance de uma brasileira, Úrsula, é de importância fundamental para que se compreenda a dinâmica de uma história com começo, meio e fim.
Úrsula, de Maria Firmina dos Reis (1822-1917), aborda paixões demolidoras entre três personagens: dois homens e uma mulher.
A Moreninha, romance de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), é também um marco da nossa literatura.
Antes de A Moreninha, publicada em 1844, foi publicado no Rio de Janeiro o livro O Filho do Pescador, de Teixeira e Sousa (1812-1861).
O enredo desse livro, publicado em 1843, trata de uma jovem salva de naufrágio por um jovem de nome Augusto. Os dois se casam. No correr da história, Laura se apaixona por um cara chamado Ermiliano.
Bom, grosso modo posso dizer que a nossa literatura é muito boa, desde os primórdios.
Temos José de Alencar, Machado de Assis, Alphonsus de Guimarães, Aluísio e Arthur Azevedo; Lima Barreto, Monteiro Lobato...
Não tem como não gostar do curitibano Dalton Trevisan.
Trevisan é um autor pra lá de emblemático.
Quieto no seu canto, dificilmente dá o ar da sua graça. Não recebe visita de amigos e admiradores. Vive enclausurado. Difícil saber o que faz, além do que diz nos seus textos curtos e provocadores. No gênero e forma não tem paralelo.
Eu gosto dos contos de Dalton Trevisan.
Um dos seus livros marcantes é O Vampiro de Curitiba, publicado em 1965. Ganhou o apelido de "Vampiro" depois da publicação desse livro.
A Polaquinha, livro de 1985, é um personagem que Trevisan foi buscar no noticiário de antigamente, pois foi antigamente, ali no começo do século 19, que as polacas ou polaquinhas passaram a desembarcar no Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades. Eram jovens mulheres que vinham da Rússia e proximidades para ganhar a vida como prostitutas no Brasil.
No livro A Polaquinha o autor Trevisan conta suas aventuras nas noites curitibanas.
Dalton Jérson Trevisan continua escondido em lugar incerto e não sabido feito um ermitão.
Dalton Trevisan nasceu no dia 14 de junho de 1925.
Logo mais, às 19h, a dupla Cade Ribeiro e Arthur Favela vai estar se apresentando na sala Adoniram Barbosa. Essa sala se acha nas dependências do Centro Cultural São Paulo, ali na Rua Vergueiro, 1000.
Cadu é um dos músicos mais completos do nosso sambe-a-bá. Ele canta, toca e fala coisas bonitas. É paulistano.
O parceiro de Cadu, Arthur, é músico e letrista dos bons.
O trabalho dos dois, musicalmente falando, é primoroso. Isso pode ser constatado por quem gosta do que é bom. E não custa lembrar que Cadu é um dos criadores do Trio Gato com Fome.
Livro fundamental para o conhecimento de um passado recente no Brasil é Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves.
Esse livro, de 1.000 páginas, ouso dizer ser saboroso. Até porque nele a autora fala do que comemos.
A culinária brasileira tem tudo a ver com a culinária africana.
Um Defeito de Cor é uma viagem importantíssima.
Como se não bastasse como valor literário e histórico, o livro de Ana Maria inspirou exposição aberta hoje 25 no Sesc unidade Pinheiros. Desde já, recomendo uma visita ao 2º andar do referido Sesc.
A exposição Um Defeito de Cor permanecerá aberto à visitação pública, gratuitamente, até o dia 1º de dezembro.
Que relação pode ter entre a sudanesa Josefina e a francesa Josefina?
E Napoleão Bonaparte? Honoré de Balzac (1799-1850) foi um autor que viveu à frente do seu tempo. Ele aprendeu a vida vivendo entre lençóis com mulheres de idades diversas. Aprendeu muito. Inclusive nos bordéis. Pode-se dizer que Balzac foi aluno e professor de sexo. No livro A Mulher de 30 Anos ele mostra os sérios e graves problemas que as mulheres do seu tempo viviam. Casavam com 15, 16 anos. Se passasse disso podia ficar no caritó. E aí, lá vem ele mostrando que a mulher de 30 anos pensa e age muito melhor do que uma menina com a metade da sua idade. Isso no passado. E no presente, também. Dizia o autor francês que uma jovem de 15 anos o que tinha que fazer para o marido era entregar-se e gemer. A mais velha, de 30, sempre teve muito mais o que dizer e fazer, além de gemer. Compreendia e compreende ou pode compreender seu parceiro. Mas o casamento, como se sabe, é uma incógnita. No passado, no tempo de Balzac e antes dele, a mulher casava-se por obrigação e por obrigação tinha que fazer tudo o que o marido falasse. Sobre ela ele tinha o poder de mantê-la viva ou fazê-la morta. A Bíblia mostra isso. A principal personagem feminina do romance A Mulher de 30 Anos, Julie, se apaixona por um primo coronel do exército napoleônico de nome Victor d'Aiglemont. Ignorando a fala do pai, finda por casar-se com seu amado. Dá-se mal logo depois. Sua vida vira um inferno e ela passa a acolher-se noutros braços. Vários. Tem filhos e tal. A vida da personagem não é fácil, mas inspirou uma frase conhecida até hoje: balzaquiana, que virou até marchinha carnavalesca no Brasil. E Josefina, hein? Josefina Bakhita (1869-1947) foi uma pessoa sequestrada já aos 9 anos de idade. Penou, penou, comendo o pão que o diabo amassou. Passou de mão em mão até cair em boas mãos na Itália. A Josefina de Beauharnais (1763-1814) foi uma mulher que pintou e bordou na cama com inúmeros amantes até cair na graça do famoso militar Napoleão Bonaparte. Napoleão teve seis filhos, mas nenhum com Josefina. Mesmo casada no civil e na igreja, Josefina pulava de cama em cama que nem um ioiô na mão de brincantes. A outra Josefina, a sudanesa, virou santa padroeira dos escravos e dos sequestrados depois de a ela ser atribuído um milagre com uma brasileira enferma. Isso em 1992. A história de Napoleão Bonaparte é uma história longa e cheia de bizarrices. Quando ele morreu em 1821, na Ilha de Santa Helena, médicos optaram por extrair do corpo o pênis. Essa parte do corpo foi guardada numa caixinha e nessa caixinha ainda provavelmente permanece. Nos EUA. Pois, pois.
Júlio Medaglia no traço do cartunista Fausto Bergocce
A ópera Il Guarany, baseada no romance homônimo do escritor cearense José de Alencar (1829-1877), com libreto do italiano Antonio Scalvini (1835-1881), já teve inúmeras versões e apresentações praticamente no mundo inteiro. A primeira apresentação dessa ópera foi regida pelo maestro e compositor paulista Antônio Carlos Gomes (1836-1896), no Teatro Scala de Milão.
A ópera Il Guarany é uma criação de Gomes, cuja ária foi gravada por muitos tenores entre os quais o incomparável Caruso.
Uma das mais bonitas apresentações de Il Guarany teve a batuta do maestro paulistano Júlio Medaglia, na Ópera Nacional de Sófia.
A estreia dessa obra no Exterior por Medaglia ocorreu na sexta-feira 25 de outubro de 1996, ano do centenário da morte de Carlos Gomes "considerado o mais importante compositor operístico das Américas".
"Subi ao palco tenso, nervoso, mas pra minha alegria deu tudo certo", lembra o maestro Medaglia.
O elenco da ópera regida por Júlio Medaglia contou com 300 artistas e foi transmitida pela TV para diversos países europeus, incluindo a extinta URSS.
A soprano Krasimira Stoianova, à época com 34 anos de idade, incorporou a personagem Cecí (Cecília) e o tenor Rumen Doikov, 43, foi na versão de Medaglia o índio Peri.
Cecí e Peri se apaixonam e enfrentam muitos problemas no decorrer do enredo. Ela é filha do rico português Dom Mariz, que chega ao Brasil com a força de quem quer conquistar grandes espaços. Nesse meio tempo os guaranis se confrontam com a tribo rival dos Aimorés. O sangue corre.
A história traçada por Alencar principia na primeira parte do século 17.
Dom Mariz morre e os Aimorés também.
Carlos Gomes tinha muita gratidão pelo imperador Pedro II. A razão disso é simples: Carlos Gomes, o Tonico de Campinas assim chamado por familiares e amigos tinha uns 14 oy 15 anos quando o imperador o viu tocando na banda musical do pai. Na ocasião foi dito que o procurasse no Império. Anos depois lá foi Gomes estudar música na Corte. A partir daí a sua vida mudou, pois o imperador o mandou à Itália. E lá foi uma sensação.
No dia 2 de dezembro de 1870, Carlos Gomes subiu ao palco do Teatro Lírico Fluminense para homenagear o imperador regendo a ópera que apresentara mundialmente no Scala, em março daquele ano.
O 2 de dezembro foi o dia do nascimento do imperador.
Bom, a apresentação de Júlio Medaglia na Ópera Nacional de Sófia foi um sucesso retumbante. Veja e ouça:
A posse do ministro Luís Roberto Barroso ontem 28 como presidente do Supremo Tribunal Federal, STF, em substituição a Rosa Weber reuniu opostos em Brasília. Houve tensão, saia justa e coisa e tal. Betânia foi chamada pelo novo presidente do Tribunal para cantar o Hino Nacional. Cantou, foi aplaudida e tudo mais. Depois ainda cantou uma música em memória da mulher de Barroso, Tereza Cristina Van Brussel Barroso, que morreu em 13 de janeiro de 2023.
Entre as mais de mil pessoas convidadas para o evento, lá estiveram o presidente Lula e os titulares da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
Lula vai se submeter a uma cirurgia hoje 29. Quer anestesia parcial, mas os médicos querem anestesia geral. Lula está com medo, até andou falando a respeito disso.
Lira e Pacheco estão tramando contra Lula, contra o governo Lula e contra a população em geral. Pena.
Lira está querendo o cargo de rei do Brasil, que não existe há quase 200 anos. O último monarca foi Pedro II. Chatô, o rei do Brasil... Bom, esta é outra história.
Pacheco estimulou a tropa para votar não sei o quê no intuito de melar a decisão do STF favorável aos indígenas. Contra, portanto ao inominável marco temporal que não existe na Constituição.
E assim vamos nós.
No discurso de posse como novo presidente do STF, Barroso destacou na 3ª parte do seu discurso uma frase que pode facilmente ser identificada como verso do poetinha Vinícius de Morais.
Luís Roberto Barroso disse, textualmente: "Bastar-se a si mesmo é a maior solidão". Pra completar, acrescentou: "...Como disse o poeta". Mas, como se vê e viu, não citou Vinícius. Imperdoável, partindo de quem parte a fala em concorrida solenidade.
Foi do texto Da Solidão que Barroso extraiu e mexeu e tal e coisa. Aqui, ó: "... A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que
se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da
vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo...".
E já que estamos falando de poeta e poesia, não custa lembrar de um cara chamado Confúcio. Não sei o sobrenome, filiação e o lugar exato onde nasceu, mas sei que foi há muitos séculos antes de Cristo.
Até onde se sabe, diz a história que Confúcio foi um poeta e filósofo que deixou muita coisa bonita na cabeça de gente do seu tempo. E de fala em fala, na base da oralidade, Confúcio ganhou forma, alma e vida. Era contra a violência e a favor do bem comum, cuja cartilha foi seguida por ases da paz como Luther King e Gandhi. Era chinês. Seus ensinamentos foram desvirtuados pelos imperadores chineses e por tantos e tantos outros poderosos mundo afora. Pra lembrar Confúcio:
"Quando vires um homem bom, tenta imitá-lo; quando vires um homem mau, examina-te a ti mesmo". "Se queres prever o futuro, estuda o passado". "O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros". "O silêncio é um amigo que nunca trai".
Ah, sim! Ia-me esquecendo de dizer uma coisinha: no 1º discurso de posse do segundo mandato de Dilma Rousseff como presidente do Brasil, ela disse lá pras tantas: "A cultura popular é a digital de um povo". Não disse o autor dessa frase, mas eu o conheço. Esse cara sou eu. Só que escrevi o seguinte: "A cultura popular é a identidade do povo".
Bom, mas fazer o quê?
Foi no 1º governo de Lula que saiu por aí afora a frase "O melhor do Brasil é o brasileiro". O autor dessa frase, porém, também não foi citado. Eu sei: Luís da Câmara Cascudo.
Ouvi hoje no rádio que Portugal é o país com o maior número de brasileiros residentes. É brasileiro de todo canto habitando Portugal. São cerca de 240 mil brazucas por lá.
Dizem que já tem até português perdendo sotaque e falando tal e qual brasileiros. O causador disso pode ter sido ou deve estar sendo o youtuber Lucas Netto, um garotão produtor de conteúdos infantis na Internet. Ai, ai. Mas essa é outra história.
A notícia do rádio dava conta de que pelo menos 30% dos imigrantes residentes em Portugal são de origem brasileira. Dados do ano passado 2022.
Ainda escutei o repórter dizendo que brasileiros morando fora do Brasil chegam ao expressivo número de 4,5 milhões. Os EUA encabeçam a lista dos países que mais acolhem brasileiros: 2 milhões e tarara.
Incluindo Portugal, se acha nos países europeus algo entorno de 1,5 milhão de brazucas.
Ainda segundo o repórter, os brazucas deixam o país de origem em busca de vida melhor.
Essa notícia me fez lembrar a cantora Carmélia Alves, cujo centenário de nascimento ocorreu no último 14 de fevereiro. Muitas vezes ela me disse que seu desejo maior era trocar o Brasil por Portugal, terra que sempre a viu com bons olhos e a recebia com pompas e tudo mais nos teatros em que se apresentava. Dizia: "Ainda vou achar um velho rico e com ele vou morar em Portugal, terra querida".
Pois é, não deu.
Carmélia vivia praticamente esquecida no Retiro dos Artistas no Rio. Morreu no dia 3 de novembro de 2012 no Hospital das Clínicas, em Jacarepaguá, RJ. Não deixou filhos nem herdeiros.
Triste e melancólico fim teve nossa Rainha do Baião.
Em 2016, Dimas Oliveira Jr. dirigiu o curta-metragem Carmélia Alves - A Rainha do Baião. Dê uma espiadinha, não custa:
A Polícia Federal apreende celulares do advogado Frederick Wassef.
A Polícia Federal e o FBI estão nas pegadas de Bolsonaro nos EUA. O hacker Walter Delgatti abre a bocarra no Senado e dela expele bombas de todos os tamanhos. Enquanto o cerco se fecha entorno de Bolsonaro e de seus asseclas fardados, a vida continua nos seus altos e baixos. A mais nova: o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Bolsonaro e da mulher Michele. Isso ontem 17. Hoje 18 o hacker Delgatti prestou novo depoimento à PF. No decorrer das horas, reafirmou tudo o que disse no Senado e apresentou indícios claríssimos de tudo que dizia. Mais trabalho para a PF. O fardado de patente Mauro Cid, deve afrouxar a boca e dizer o que a Polícia e a Justiça ainda não sabem. A dica é de seu novo advogado, o terceiro, Cezar Bittencourt. E não custa lembrar que o pai desse Mauro, o também Mauro Cesar Lourena Cid, está mais enrolado do que rabo de porco, especialmente no caso das joias e relógios das Arábias. E tem mais: Bolsonaro acaba de ser condenado em 2ª instância por 175 agressões a jornalistas. O processo foi promovido pelo Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo.
Bolsonaro responde a dezenas de processos na Justiça, inclusive no TSE e STF.
Pois é, o Brasil não é pra principiantes.E nem era disso que eu estava querendo falar. Queria não, quero: amanhã 19 será inaugurado no Beco do Batman, na Vila Madalena, a amostra Graffiti #PraCegoVer. Quem me falou sobre isso foi a coleguinha jornalista Cilene Soares. Ela disse que lembrou de mim pelo fato do papai aqui não enxergar porra nenhuma pelos olhos, mas sim pela memória. E, claro, através dos olhos dos amigos e das amigas. Lê pra mim o seguinte: "Muito além das legendas em braile disponibilizadas para esse público em exposições de arte, o primeiro Graffiti #PraCegoVer será em um muro do Beco do Batman, na Vila Madalena, em São Paulo, todo coberto por uma obra inteiramente tátil, impressa em 3D com texturas e contornos para que, ao ser tocado por um deficiente visual, traga detalhes da arte com texturas, dimensões espaciais e principalmente emoção". O evento será aberto na manhã de amanhã. É de graça e tudo quanto é cego está convidado para ir nesse negócio aí. Se me levarem, eu vou.
O livro é uma pérola permeada de poucos personagens. O melhor e o principal deles, Tertuliano Máximo Afonso, é separado e namora sem muito gosto uma jovem bancária chamada Maria da Paz.
Com a primeira mulher, Tertuliano não teve filhos.
A história de O Homem Duplicado, do português José Saramago, começa quando um professor de Matemática sugere que seu amigo, Tertuliano, assista o filme Quem Porfia Perde a Caça. É dos anos 80, por ali. Tempos ainda de filme em VHS. Tertuliano aceita a sugestão e vai à locadora alugar o tal filme. É quando a vida dele dá uma guinada de 180°.
Tertuliano mora sozinho num apartamento, visitado exporadicamente por Maria da Paz. Essa Maria é apaixonadíssima por Tertuliano, que é professor de História de uma escola particular.
Ao assistir Quem Porfia Perde a Caça, o professor Tertuliano se depara com um personagem secundário de nome Daniel Santaclara. E é aí que a porca torce o rabo.
Após descobrir que o ator é cara cuspida e escarrada dele próprio, Tertuliano entra em parafuso e passa a ter um comportamento diferente do que tinha até então.
Além de Tertuliano, Maria da Paz e Daniel, Saramago enfia no livro a mulher de Daniel, Helena; e a própria mãe do protagonista, Carolina. Dona Carolina, que tem uma presença curta mas significativa no enredo.
E a história segue com Daniel marcando encontro com Tertuliano. Após conhecer Tertuliano, Daniel conta como tudo sucedeu à mulher Helena. Ela pira e toma remédio pra dormir. Chega a um ponto que Daniel procura vingança, passando-se por Tertuliano para ter um encontro íntimo com Maria da Paz. Depois disso, e da noite de amor, os dois morrem num terrível acidente na estrada. Tertuliano fica com Helena e o final não conto, não. Apenas acrescento: é surpreendente, como surpreendente é o diálogo entre Tertuliano e o Senso Comum, "personagem" impagável pelas características como o autor o apresenta.
O Homem Duplicado foi publicado em 2002.
O Homem Duplicado virou filme dirigido por Denis Villeneuve, lançado em 2014. É classificado como suspense psicológico. É por aí. Existencialismo na parada. A vontade é devorá-lo sem intervalos. Veja o trailer: