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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O FOLCLORE NA OBRA DE TARSILA


O mês de agosto, muitos dizem, é o mês do cachorro louco. Mas nesse agosto, não custa lembrar, é comemorado internacionalmente como o mês do Folclore. E isso, sim, é coisa boa.
São muitos os personagens que habitam o enorme e imaginário campo do folclore. Tem Curupira, Saci-Pererê, Caipora, Boitatá, Mãe d'Água, Boto, Negrinho do Pastoreio, Lobisomem, Mula Sem Cabeça, Homem do Saco, Corpo-Seco, Cuca...
As origens da Cuca remonta há muito tempo. Vem das bandas europeias. Ali dos lados da Espanha, Portugal. Quando chegou ao Brasil? Não sei.
Ainda menino eu ouvia muito sobre a Cuca.
A Cuca é bruxa, uma velha bruxa. Horrorosa. Com cabeça de jacaré, pés de pato e unhas de vampiro. Não houve, no meu tempo, criança que não se assustasse ao falar da Cuca.
O folclore é riquíssimo de causos, cousas, lendas e tal.
Isso tudo me faz lembrar das artes. Plásticas, inclusive.
Em 1924 a pintora paulista Tarsila do Amaral criou um quadro bem bonito a que intitulou A Cuca. Vejam só!
Faz 100 anos que Tarsila legou ao Brasil o quadro que retrata a imaginária Cuca.
Faz 100 anos também que a mesma artista legou ao Brasil a obra Morro da Favela.
Tarsila do Amaral é a autora da obra-prima Abaporu, criada em 1928.
Dessa mesma Tarsila é o quadro mais caro de um artista plástico brasileiro: A Caipirinha, pintado em 1923 e vendido num leilão, em 2020, pela bagatela de 57,5 milhões de reais. 
Tarsila do Amaral morou alguns anos na França. Voltou ao Brasil em 1922, mesmo ano da Semana de Arte Moderna. Dessa Semana ela participou. Em 26 casou-se com Oswald de Andrade (1890-1954) e, três anos depois, separou-se.
Tarsila do Amaral nasceu no dia 1º de setembro de 1886 e morreu no dia 17 de janeiro de 1976.
Pois é, em 1924 Tarsila do Amaral pintou dois belos quadros. A Cuca e Morro da Favela.
A propósito de Morro e de Favela lembro de um cara conhecido como MC Daleste. Seu nome verdadeiro era Daniel Pedreira Sena Pellegrini, que foi morto a tiros no interior de São Paulo quando apresentava um show. Isso foi em 2013. A polícia não achou o autor dos disparos que acabou com a vida do artista. No ano seguinte, em 2014, o processo praticamente parou. E é assim que a coisa está. Ouça Daleste cantando o tema pintado por Tarsila:



domingo, 21 de janeiro de 2024

O BOI NOSSO DE TODO DIA (3, FINAL)


 — A cena do boi indo pro sacrifício é feia, o moço aí já viu? Ele adivinha que vai morrer, tanto que dos cantos dos seus olhos escorre lágrima. Pode ver. E numa rápida manobra, o carrasco, poft!, dá cabo à vida dele. Tem gente que disfarça, que olha de banda; que não quer olhar. Eu olhei e chorei, como muitos amigos meus, meninos do meu tempo; de um tempo que já vai longe, e como vai!

— Jamais vou esquecer o boi entrando no matadouro, escorregando no sangue de outros bois e caindo pesado, num baque seco, surdo, sem um mugido sequer. O difícil, depois, é achar entre os corpos esquartejados a carne do boi de carro, de estimação, de brinquedo; do boi querido, do boi amigo, do boi quase irmão, do boi que virou calemba, bumbá, mamão; do boi que virou apenas uma lembrança, uma dolorosa e triste lembrança no mais fundo de nós. 

— Mas é essa a sina do boi: depois de passar a vida toda puxando carro ou arando de sol a sol, morre pelas mãos assassinas do homem. Com Jesus também não foi diferente: veio para nos salvar e nós o matamos. Sem pena, sem piedade. 

— Foi assim, é assim e será sempre assim. Não tem jeito. O homem é mau, o 
boi é bom. 

Carro de boi 
Boi de carro 
Carro que geme 
Boi que cala 
Seja no cipé, 
Seja na bala 

E boi, é gente 
É gente, é boi 
Carro, boi, gente 
Na vida do sertão 
- Meu coração! 
Gente e boi 
Boi, gente 
E tudo um pedaço, 
Um pedaço que sente, 
Que sente que vida 
É suor, é semente 

Seja boi-de-reis 
Seja boi-de-carro 
Seja boi-calemba 
Seja boi-de-barro 

Seja boi-bumbá 
Seja boi-mamão 
Seja, meu Deus! 
Bois do coração 

É boi de cá 
É boi de lá 
Tudo é boi 
É boi pra se amar 

No sol e na poeira 
Na subida e na ladeira 
Segue o homem 
Segue o boi 
O carro puxando 
Sobre pedra 
Sobre barro 
Ora aqui 
Ora acolá 
Sem nada reclamar 

O carro, o boi, o homem 
O homem, o boi, o carro 
O carro geme a dor do homem 
Que geme a dor do boi 
Que puxa o carro do homem 
Sem preguiça 
— Justiça! 
Sem ódio 
Sem rancor 
Segue assim o homem 
Andando, correndo 
Comendo poeira 
No silêncio do trabalho 
Ó, Deus! 
Segue assim o homem o seu destino 
A sua sina... 
No cangote doido da vida Severina 

(chiado de carro de boi fecha a narração)

sábado, 20 de janeiro de 2024

O BOI NOSSO DE TODO DIA (2)

 — Ah! Sim, todo mundo sabe: coração de sertanejo é duro de doer. É calejado, cheio de marca que nem seus pés e suas mãos. Olha aqui as minhas mãos, tá vendo? Todas cheinhas de calo de tanto amargar o cabo da enxada de sol a sol. Doem... E os pés? Olha aqui. Tudo rachado que nem a terra seca a espera de água da chuva que nunca vem.

— É, coração de sertanejo não é mole, não; mas quando dá de doer, seu moço, de machucar feito moenda com toras de cana ou aquelas maquininhas de repuxar agave, no muque, ah!, danou-se! E fique certo: o sofrimento é tanto que lembra dor de dente em hora de meio-dia, sob a danação da seca pesada. É de lascar!

— Por essas bandas tudo é triste. O nosso andar, a nossa fala puxada, o nosso riso, até o nosso espirro é triste. Pode reparar. Tudo é triste na gente. Menos a esperançca. Ah! Essa, não. É tudo que nos resta... Mas que a nossa vidinha por aqui é braba, lá isso é. Daí a tristeza. Deus que me perdoe, mas acho que até ele esquece da gente. E né não? 

— Mas eu tava falando mesmo era dos carros de boi. Quando os carros de boi param, tudo para. Até o tempo. Eita tristeza danada é a falta do gemido, do choro inacoluto do carro de boi!... Eu sempre quis falar esta palavra: inacoluto... 

— Essa história de carro de boi é triste, mas é bonita. Nem sei se pelo carro ou pelo boi. Prus meninos do sertão, o boi não é só um bicho trabalhador, não. É amigo, amigo mesmo! Boa companhia. Bem comparando, é que nem cão e gato na cidade grande. Mas um dia tudo se acaba. Nós, inclusive. E os bois. De morte morrida ou de morte matada, não interessa. Isso é detalhe. Quando o boi morre de morte matada, a sua carne é vendida no açougue. Que fazer? Das duas, uma: ou se morre de barriga cheia ou se morre de barriga vazia...

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

O BOI NOSSO DE TODO DIA (1)

O carro de boi foi o primeiro meio de transporte de tração animal do Brasil. Chegou ainda no século 16, quando o nosso país foi "achado" por Cabral e sua turma. Desse modo no País começou a se plantar e a colher o "de comer" nos vastos campos virgens que começava a receber colonizadores.
O boi tem sua história iniciada lá pelas bandas do Oriente Médio e Ásia.
Foram turcos, persas e iraquianos, tudo indica, que domesticaram os primeiros bovinos. 
São muitos os tipos de bois. Centenas e centenas. Alguns: Tabapuã, Senepol, Guzerá, Gir, Brahman e Nelore, esse último de origem indiana.
A Índia, o Brasil e a China são hoje líderes de criação bovina.
O rebanho brasileiro contado em 2023 chegou a 34,5 milhões de cabeças.
É longa a história dos bovinos no Brasil, especialmente.
Além de servir de alimento, calçados e bolsas, o boi faz parte do rico folclore brasileiro.
O boi se acha na música, na dança, na poesia, no romance.
Há alguns anos escrevi texto do documentário Boi, que narrei no referido filme.
O documentário Boi foi muito premiado mundo afora.
Na Turquia, Boi foi exibido em praça pública e em praça pública traduzido.
Fica o registro.
No texto que se segue, descrevo melhor o boi e a sua importância na vida brasileira.

★★★

(chiado de carro de boi abre a narração) 

— Esse barulhinho aí é esquisito, não é? Eu ouvi esse barulhinho quando era menino, e ele nunca mais saiu daqui da minha cachola. Sim, é o barulhinho do carro de boi; chorando, gemendo estrada afora. Qual menino do meu sertão não ouviu esse chorar e viu o lento rodar dos velhos carros de boi? Qual, qual menino nunca viu isso? 

— Pois é. Dia de feira, dia de festa, de gente pra lá e gente pra cá; de gente vinda de tudo quanto é lugar, numa agitação dos infernos. Gente gritando, rindo, moleque chorando, outros vendendo e comprando fosse o que fosse. E à distância, o carro de boi... on, on, on... Sendo envolvido na poeira levantada pelo tropel dos cavalos. 

— Nesses dias tinha também os bebuns, uma coiseira à parte e à toa. Mas o que fica no fundo da memória é o chiado do carro de boi. Esse chiado ai esquisito, mas familiar... choroso, diferente do choro de gente. Um choro chorado mais do que devera ser. Um choro triste, melancólico, que vem de lá nem sei de onde. 

— Esse choro entristecia a gente. Ainda entristece. Para ter tristeza e chorar num precisa ser frouxo, não. Cabra macho também chora. Seu Nonô mesmo, que era raçudo e tinha lá nas costas uma penca de morte feita a bala e faca, um dia, escondido, eu o vi chorar. Aliás, até os bois choram. Choro demais chega a ferir o coração da gente... 

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