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domingo, 21 de novembro de 2021

IMPRENSA NEGRA, RESISTENTE E HEROICA: PARTE II

No Rio de Janeiro, no começo da segunda parte do século 19, intelectuais pretos e pardos arregaçaram
as mangas e foram à luta, em defesa dos seus direitos.
O Rio era a sede do Império.
À época, o Rio contava com cerca de 160 mil habitantes. Mais ou menos.
O preconceito e a discriminação eram a marca principal daquele tempo.
Quando o carioca Francisco de Paula Brito nasceu, a Imprensa ou Impressão Régia já existia há 1 ano, 2 semanas e 4 dias.
A Imprensa Régia nasceu no dia 13 de maio de 1808. Nessa data nasceu também a censura prévia, que se estendeu até 1821, ano de fundação do jornal Diário do Rio de Janeiro. Editado por Zeferino de Meireles e Antonio Maria, esse jornal foi o primeiro a publicar anúncios publicitários. Sua linha política pendia para a independência, entre brancos pobres e negros.
Aqueles eram tempos lamentáveis, em que a Elite dizia que “mulheres brancas eram pra casar, pretas para trabalhar e mulatas para fornicar”.
O primeiro jornal brasileiro chamou-se Correio Braziliense, editado por Hipólito José da Costa. O 1º número desse jornal saiu no dia 1º de junho em 1808, em Londres.
Em terras brasileiras, o 1º jornal a ser publicado chamou-se Gazeta do Rio de Janeiro, editado por frei Tibúrcio José da Rocha. Seu 1º número saiu no dia 10 de setembro de 1808. O redator desse jornal, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, lançaria pouco depois o jornal O Patriota. Dentre os colaboradores desse jornal, se achavam Manuel Inácio da Silva Alvarenga e José Bonifácio de Andrada e Silva, o “Moço”.
Naqueles começos de século, o Rio e o Brasil todo ferviam. Turbulência de norte a sul da Colônia. Éramos Colônia. Dom João, acuado por Napoleão Bonaparte, cortou o Atlântico até chegar a nossas terras com a trupe formada por milhares de portugueses, numa esquadra protegida pela força marítima inglesa.
Aqui, seu refúgio.
A escravidão comia solta por cá, desde o começo da 2º parte do século 16. Indígenas e negros, sob

chicote de bandeirantes e fazendeiros, penavam.
Nos finais da 1ª metade do século 17, militares portugueses se juntaram ao líder indígena Filipe Camarão e ao negro mestre de campo Henrique Dias. Essa união tinha por finalidade expulsar os holandeses que invadiram o Brasil. Finalidade alcançada.
As normas do Exército brasileiro começavam aí, com heroísmo.
Triste heroísmo. Com sangue, muito sangue.
Foram muitas as revoltas, revoluções, guerras envolvendo negros, pardos brasileiros.
Dom João volta a Portugal no dia 26 de abril de 1821, atendendo a rogos do povo português.
No Porto estourara uma revolução braba.
A essa altura, porém, Napoleão já havia morrido na ilha inglesa de Santa Helena. Segundo Napoleão, no seus escritos de memórias, Dom João foi o único monarca a lhe “passar a perna”, de acordo com o que se lê no livro 1808 (Laurentino Gomes, Globo Livros, 2007).
Após proclamar a Independência do Brasil de Portugal, em 1822, Pedro I prepara terreno para seguir os passos do pai.
Nesse meio tempo, a vida continuava tensa na nossa terra agora Império.
Periódicos de várias tendências criticam e elogiam o comportamento do imperador. Aqui e ali ele se irrita publicando textos apócrifos em vários jornais, entre os quais O Espelho e O Analista sob os pseudônimos Duende, Derrete-Chumbo-A-Cacete, Piolho Viajante e O Espreita.
Os humanos de África continuavam chegando aos milhares e à força, não só à Corte.
No dia 14 de setembro de 1833, Paula Brito leva à praça o primeiro jornal que trata das condições em que viviam os negros à época. Péssimas. Título: O Homem de Cor, de circulação quinzenal. Durou 5 números, o último lançado dia 4 de novembro daquele ano, que trazia como subtítulo O Mulato.
Já na 1º edição desse jornal era estampada referência à Constituição de 1824, outorgada por Pedro I. Dizia, no seu artigo 14: “Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou militares, sem outra differença, que não seja a dos seus talentos, e virtudes.”
Francisco de Paula Brito era filho de mãe liberta (Maria). O pai (Jacintho) era carpinteiro. Fez tudo que um pai faria pelo bem do filho. Ele fez.
Muito cedo, Paula Brito identificou-se com a profissão de tipógrafo. Nas tipografias que conseguiu fazer, entre as quais A Fluminense, imprimiu vários jornais, quase uma centena. Um desses, O Restaurador, por pouco não o levou à bancarrota.
Política e ideologicamente, Paula Brito mostrava-se a favor da liberdade. Lutava por ela.
Nos fins do dia, numa sala contígua a sua tipografia, Brito reunía-se com clientes e amigos para discutir os rumos da vida que viviam. Entre esses amigos, Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha), em início de carreira literária. E até Eusébio de Queiróz, que transformaria a vida do Brasil ao conseguir ter aprovada no Congresso uma lei que impediria o tráfico de escravos. Importantíssima.
O barão do Rio Branco era presença constante nessas reuniões.
O Reino Unido teve participação fundamental na aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, como ficou conhecida a Lei nº 581 de 4 de setembro de 1850.
História.
Antes disso, no dia 7 de novembro de 1831, o Parlamento brasileiro aprovou uma Lei que extinguia o tráfico de africanos para o Brasil.
Essa Lei ficou conhecida como “Para inglês ver”.
Quer dizer, essa Lei (Feijó) nunca funcionou. Funcionou a Lei Eusébio de Queiróz.

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto o braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez, pr'a não o escutar!

Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!

Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar...

Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro.

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
P'ra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
.............................
O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!

(A Canção do Africano, de Castro Alves; 1863, Recife, PE)

***

Esse texto foi originalmente escrito para o Newsletter Jornalistas & Cia. Já os conhece? Confira: Jornalistas&Cia, especial Perfil Racial da Imprensa Brasileira

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