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sábado, 7 de setembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (127)

Baixinho, gordinho, feinho… Tinha uma inteligência invulgar.
Esse era João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921), que assinava com pseudônimo de João do Rio.

Suas reportagens chamavam atenção do grande público. Eram feitas nos morros, puteiros, casas de umbanda. Por aí. O submundo era, de certo modo, o seu mundo. Simples e muito inteligente, era admirado e respeitado pela plebe e pela elite. Tinha sempre o que dizer. E ainda encontrava tempo para bebericar com amigos, brincar o Carnaval e outras festas do povo. Também para escrever e enviar cartas às pessoas de que gostava, como o português João de Barros.

Para Barros, João do Rio escreveu uma carta em que fala de orgia. Curiosa e cheia de fofoca. Deve ter sido enviada a seu amigo, um ex-ministro português, em fevereiro de 1912.


Meu caro João,
Chegou a Ema. Criaturinha insignificante. O José Moraes (o empresário) literalmente sem dinheiro, porque ela em dois anos comeu-lhe duzentos contos e estragou-lhe vários negócios, não quer ser amante e ama-a. A Ema dá ataques e fornica com toda a gente. É do sangue. A terrível senhora que me domina pela ameaça do suicídio, a senhora Aurea, apesar de ser divorcée do Porto Carrero e de sociedade, deu de fazer o Carnaval em pijama, comigo e com a Ema. Passamos quatro dias nessa orgia de que se não fala…

A Ema aí referida na carta era uma atriz bastante conhecida à época.

Ainda naquele ano de 1912, sempre no tom de fofoca, João escreveu ao seu velho xará português:

João, queridíssimo,
Tenho uma coisa impagável. Lembras-te do Amaral França, o elegante senhor do Paiz? Era o amante da madame Camacho! O marido, aquele cretino com ares de boneco de alfaiate barato – soube! Soube e teve ciúme. Então mandou cinco, nota bem, cinco amigos seguirem a feia Camacho e quando a bela Camacho (digo bela agora porque não se compreende uma adúltera feia) palpitava nos braços do Amaral, na sua garçonnière do Russell, deu-se o flagrante delito mais escandaloso do Rio de Janeiro. O divórcio é amigável. Camacho chora (isto é, Camacho fêmea) enquanto Camacho de barba olha o céu pensando ver o chifre. Isso causou na bande a impressão do raio. O nosso incorrigível ingênuo Sampaio ficou prostrado, e assegurou-me que felizmente a Marguett era angélica…

João não morreu pobre nem rico. Viveu e deixou dúzia e meia de livros pra quem quiser saber de histórias reais e inventadas que trazem a assinatura do famoso repórter.

No seu último livro A Mulher e os Espelhos (1919), João do Rio conta histórias curtas do cotidiano carioca. Nessas histórias, os personagens mais frequentes são mulheres com seus dramas pessoais; amor, sexo, adultério e violência. São textos limpos, claros, atualíssimos.

Síntese era a marca desse João.

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