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quarta-feira, 3 de agosto de 2022

UM ANO SEM JOSÉ RAMOS TINHORÃO

Em 1966, o cantor, compositor e instrumentista uruguaio, naturalizado, Taiguara Chalar da Silva tinha 21 anos de idade e um LP na praça.
Em 1966 o jornalista e crítico musical de Santos, SP, José Ramos Tinhorão tinha 38 anos de idade e um livro na praça.
Naquele já distante 66, Taiguara e a cantora Claudette Soares estavam lotando um teatro de gente em São Paulo com o show 1° Tempo: 5×0.
O show de Taiguara e Claudete, que viraria LP pela Philips, começava com Taiguara soltando os cachorros pra riba do Tinhorão. Claudete pedia pra que ele se acalmasse.
O papo era o livro que Tinhorão acabara de lançar: Música Popular, Um Tema em Debate (Editora Saga).
Dramaticamente, no show, Taiguara atira o livro do Tinhorão numa lata de lixo. Simbolicamente.
Nesse livro, Tinhorão já punha suas unhinhas pra fora detonando compositores brasileiros por suas obras musicalmente impuras, quer dizer: obras mescladas com tons estrangeiros. Entre esses, Vinícius e Tom Jobim. Papas da Bossa Nova, assim reconhecidos.
E foi aí que Claudete "pediu" ao parceiro que maneirasse na fala, pois "o livro de Tinhorão dura cinco minutos e a Bossa Nova já está fazendo dez anos". E até citava a página 18 do livro que, a certa altura, podia-se e pode-se ler:

JOHNNY ALF, pianista (mulato brasileiro de nome americano);
ANTÔNIO JOBIM, maestro (compositor repetidamente acusado de apropriar-se de músicas norte-americanas, esconde o nome Antônio sob o apelido americanizado de Tom);
VINÍCIUS DE MORAIS, poeta (velho compositor desconhecido até o advento da bossa nova, já em 1933 conseguia gravar o fox-canção Dor de Uma Saudade, imitando o ritmo norte-americano)
JOÃO GILBERTO, violonista (cidadão baiano, conhecido na intimidade por Gibi, de quem chegou a anunciar-se que ia requerer a cidadania norte-americana);
BADEN POWELL, violonista (contratado para tocar nos Estados Unidos, veio ao Brasil apenas para casar, regressando em seguida. Seu nome vem da admiração alienada do pai pelo general imperialista inglês criador do escotismo);
LAURINDO ALMEIDA, violonista (foi para os Estados Unidos há 18 anos na esteira do sucesso de Carmem Miranda e hoje é considerado mais norte-americano que brasileiro);
RONALDO BÔSCOLI, jornalista (responsável pela publicidade inicial da bossa nova, foi preterido pelo colega Sílvio Túlio Cardoso na viagem aos Estados Unidos paga pelo Itamarati, e que redundou no fracasso do espetáculo do Carnegie Hall);
CARLOS LIRA, violonista (autor da música do samba Mr. Golden, de parceria com Daniel Caetano, pretende a liderança da ala nacionalista da bossa nova com samba Influência do Jazz).

Pois é, Tinhorão era do tipo de chutar o pau da barraca e soltar um sorrisinho sacana de lado. Mais: do tipo mata a cobra e mostra o pau, assim dito no meu Nordeste. E com isso ganhou a ira de muita gente famosa, como ele próprio exemplifica no texto aí recuado.
José Ramos Tinhorão foi um brasileiro que respeitou e amou profundamente o Brasil. Antes dele, não havia uma história da nossa música popular. Não havia porque não houve quem a fizesse com o detalhamento necessário que o tema exigia.
Eu já disse e torno a dizer que a obra de Tinhorão há muito deveria estar sendo estudada na rede escolar, pública e particular.
Tinhorão, esse grande personagem da vida brasileira, nasceu na cidade paulista de Santos e aos nove anos de idade foi com os pais, Luiz e Amélia, crescer no Rio de Janeiro. Fez Jornalismo e Direito. Como jornalista, marcou.
Antes de virar o nome que virou,Tinhorão vivia de "free" fazendo reportagens e artigos pra revistas e jornais do Rio.
Em 1952, o nosso personagem foi levado por Armando Nogueira (1927-2010) para trabalhar como revisor do Diário Carioca. E foi crescendo, crescendo até chegar às páginas do Jornal do Brasil, já com o pseudônimo Tinhorão, acrescentado ao nome de batismo José Ramos. E foi no JB que Reynaldo Jardim o incumbiu de fazer reportagens e entrevistas com os bam-bam-bans do samba da época: João da Baiana, Donga, Heitor dos Prazeres, Bide e outros mais. Até Pixinguinha ele entrevistou. E contou-me um dia "cheguei no apartamento dele, do tipo kitchenette feito pelo Governo e ele se espantou quando viu os discos que gravou nas minhas mãos. De 78 RPM. Emocionou-se".
A história de José Ramos Tinhorão é incrível. Ele chegou, como chegamos, passeou e partiu. No
decorrer desse passeio, ele erigiu uma obra fantástica constituída de uma trintena de livros fundamentais para a compreensão musical do nosso País.
Tudo começa, a rigor, com o primeiro dos 34 textos da série intitulada Primeiras Lições de Samba, publicado no dia 22 de dezembro de 1961 no Caderno B do JB sob o título Da Serra da Favela ao Morro da Favela: em matéria de samba a primeira umbigada é o baiano quem dá.
Essa série, que findou no dia 8 de novembro de 1962, incluiu 23 textos sobre Samba, sete sobre Bossa Nova e quatro sobre Choro. Deu o que falar. A propósito, Tinhorão foi um dos introdutores do choro no Japão.
Explico reproduzindo o seguinte:

Estimado Senhor J.R. Tinhorão,
Esta gravação é boa colheita da semente que eu plantei no Japão desde década de 1950 por sua orientação.
Muito obrigado
15 de dezembro de 2014
Hidenori Sakao
Capitão-de-Fragata
Ex-assessor Cultural do Consulado do Japão em São Paulo

A semente plantada por José Ramos Tinhorão floresceu e ainda há de florescer, aqui e alhures.
Quem não conheceu Tinhorão de perto é até natural que o ache ou o achasse um chato de galocha. Bobagem. Não era.
Tinhorão foi um ser agradabilíssimo, afável, solidário.
Muitas vezes Tinhorão chegava a minha casa e divertia-se com os gatinhos da minha filha Clarissa, que pulavam no seu colo.
No primeiro texto que escreveu na série Primeiras Lições de Samba, Tinhorão inseriu como parceiro seu amigo Sérgio Cabral. Mas essa é outra história, até porque Cabral não participou da elaboração do referido texto.
Os discos de Taiguara estão fora do mercado, infelizmente.
Os livros de Tinhorão, todos, estão à disposição no mercado.
José Ramos Tinhorão, figura ímpar da historiografia musical do Brasil, partiu para a Eternidade no dia 3 de agosto de 2021.
E sobre ele, por não ter o que fazer, escrevi:

Nessa nossa terra tem
Xote, xamego e canção
Frevo e maracatu
Samba, batuque e baião
E poeta popular
Tirando verso do chão.

É uma terra bonita
Que dá vida, dá lição
Ensinando a sua gente
A ter mais educação
A ler para entender
O Brasil de Tinhorão

Esse mestre logo pôs
A cultura em discussão
Pra depressa entender
Sua origem e formação
Ora juntos aplaudamos
J.R.Tinhorão


A notícia do encantamento de José Ramos Tinhorão ocupou 59 segundos do Jornal Nacional, edição de 3 de agosto de 2021: 
 

E TAMBÉM LEIA: VIVA JOSÉ RAMOS TINHORÃO?TINHORÃO, UMA LEITURA NECESSÁRIAADEUS, TINHORÃO
E OUÇA TINHORÃO PALESTRANDO: O SAMBA - DAS ORIGENS AO PELO TELEFONE
QUER SABER MAIS? Então leia o livro Tinhorão - O Legendário, de Elizabeth Lorenzotti (Imprensa Oficial de São Paulo, págs 280).

Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora
Charge: Fausto

HOJE É DIA DE VASSOURINHA

Meu amigo, minha amiga, você sabe quem foi Vassourinha?
Vassourinha foi um negro paulistano, de voz poderosa, que começou a trabalhar na vida como um "faz-tudo" (contínuo) na rádio Record de São Paulo. Brincalhão, foi descoberto pelo jornalista e radialista Raul Duarte (1912-2002), como cantor.
Vassourinha, de batismo Mário Ramos de Oliveira, nasceu no dia 16 de maio de 1923 e morreu no dia 3 de agosto de 1942. Hoje 3, portanto, faz 80 anos do encantamento de Vassourinha.
Não custa lembrar que o ano de 1923 marcou a fundação da primeira emissora de rádio de São Paulo: Rádio Educadora Paulista. Essa rádio teve como primeiro cantor e compositor contratado o paulistano Roque Ricciardi, mais conhecido como Paraguaçu (1894-1976).
A carreira e a vida de Vassourinha foram curtas.
Vassourinha deixou, exatamente, seis discos gravados entre 1941 e 1942. O primeiro com as músicas Juracy, de Antônio Almeida e Ciro de Souza e Seu Libório, de João de Barro e Alberto Ribeiro. E o último com as músicas Amanhã tem Baile, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e Volta pra casa Emília, de Antônio Almeida e J.Batista. Gravadora: Columbia.
Mário Ramos de Oliveira morreu vítima de tuberculose, doença que pega muita gente boa até hoje.
Os seis discos, de 78 RPM, de Vassourinha viraram um LP que foi lançado em 1969.

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