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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELLO: O HISTORIADOR DO BRASIL


José Octávio de Arruda Mello, o 4º dentre 7 filhos do casal Arnaldo e Otília, nasceu no dia 18 de março de 1940 e tornou-se um dos mais dinâmicos e expressivos historiadores do Brasil. É paraibano, de João Pessoa. Publicou cerca de 50 títulos, incluindo textos avulsos. É também jornalista. É doutor e pós-doutor pela Universidade de São Paulo, USP. Num dos seus livros, li:
Historiador de ofício, com doutorado em História pela USP e pós-doutorado pelo IEB/USP, integrante dos IHGB, IHGP, APL, API, Centro Internacional Celso Furtado e Conselho Consultivo da Revista do IHGB. Anistiado político do Movimento de 64, pelo Ministério da Justiça, professor aposentado dos UNIPÊ, UFPB, UEPB. Autor de, entre outros, Nova História da Paraíba – Das origens aos tempos atuais (2019) e autor e organizador de O Movimento de 1964 na Paraíba – Origens, Assalto ao Poder e Repressão (2021).
Eu comecei minha carreira de jornalista no jornal O Norte, PB.
A sede desse jornal era na Duque de Caxias, que depois migrou para a Av. Pedro II. Acho que foi por ali que conheci José Octávio, mesma época que conheci José Leal (1891-1976).
Zé Leal foi uma figura incrível. Era quieto, tranquilo. Passos lentos, mas seguros. Fumava muito. De poucas palavras.
Nesta entrevista, que começa hoje e termina semana que vem, O amigo leitor e amiga leitora terão uma pequena amostra da grandeza intelectual desse paraibano, cuja amizade me honra. Aqui ele fala sobre ditadura e democracia. Ressalta o governo de FHC e lembra que Dutra não foi bolinho, não. Para ele, “Ditadura nunca mais!”.
Lá pras tantas José Octávio diz que nestes tempos de pós-tudo, de modernagem e coisa e tal, “Nada substitui a leitura, com base na documentação e a respectiva interpretação”.
Curiosidade: José Octávio de Arruda Mello deve ser o único historiador brasileiro que ainda escreve à mão.
A entrevista:

JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELLO: O HISTORIADOR DO BRASIL

Assis Ângelo — O ano de 2023 está começando. Você como historiador acompanhou e analisou muitas situações políticas no Brasil. O que espera do ano que se inicia sob a batuta do pernambucano Luís Inácio Lula da Silva? O Brasil tem futuro?
José Octávio de Arruda Mello — Considero a situação do Brasil delicada. Porque a direita que se movimenta não é a modernizadora, comprometida com a democracia, mas a de Jair Bolsonaro, golpista e voltada para os quartéis. Como ela se dispõe a criar problemas para a presidência Luís Inácio, caberá a este, assegurando a governabilidade, pacificar o país mediante o primado da democracia, pluralismo e direitos humanos.
Dentro desse quadro, o futuro do Brasil dependerá da hegemonia do seu povo que, como sustentava o saudoso San Thiago Dantas (1911-1964), é sempre maior que suas elites dirigentes.

Assis — Qual foi o momento que o Brasil teve a maior desgovernança, politicamente falando?
José Octávio — Politicamente, há governos brasileiros que não me agradam. Um deles, a presidência Eurico Dutra (1946/51) que acentuou a repressão e liquidou os créditos acumulados durante a guerra. Outro, o General Médici (1969/74), o mais duro dos militares de 1964, responsável por crescimento econômico montado sobre a supressão dos direitos individuais. Em compensação, tivemos administrações federais como as de Getúlio Vargas (1930/45 e 51/54), Juscelino Kubitschek (1946/51) e Fernando Henrique Cardoso (1994/2002), sem dúvida os melhores de todos.

Assis — Dentre os presidentes nordestinos, qual deles foi o pior e o melhor?
José Octávio — A república principiou com dois presidentes nordestinos, os marechais alagoanos Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, sendo este, apesar da virulência, bem melhor que o primeiro, graças às inspirações do ministro paraense Serzedelo Correia (1858-1932). O paraibano Epitácio Pessoa (1919/22) teve altos e baixos e o ministro José Linhares (1856-1957) que como presidente do STF e cearense, exerceu o mandato entre a derrubada de Getúlio e a ascensão de Dutra, nomeou tanto que se motejou: “e os Linhares? – são milhares...” Café Filho (1954/55) era do Rio Grande do Norte e se deixou envolver pelo golpismo da ESG e UDN, enquanto o cearense Castelo Branco (1964/67)


desmontou a democracia populista de 1946. Já o maranhense José Sarney, retomando a democracia, viu-se melhor no plano politico que no econômico-social, ao tempo em que o pernambucano Lula da Silva registrou mais sucesso no primeiro que no segundo mandato.

Assis — Você foi professor de história e de outras matérias. Quais?
José Octávio — Ensinei quase todas as disciplinas da área social, além de História Geral e do Brasil – Geografia, Teoria Política, Sociologia, Literatura Portuguesa e Organização Social e Política do Brasil (O.S.P.B). Na área jurídica lecionei Teoria Geral do Estado, Economia Política, Direito Constitucional e Direito Romano.

Assis — Qual a importância do estudo na formação de um país?
José Octávio — A educação tornou-se fundamental no deslanche de nações como Estados Unidos, Inglaterra, Costa Rica, Austrália, Japão, Alemanha e Coreia do Sul. O Brasil demorou a compreender a questão.

Assis — A partir de quando você passou a se interessar pelo estudo da História? Quais os personagens nordestinos que mais lhe despertaram interesse?
José Octávio — Creio que aos 6 anos, quando agrônomo e colega do meu pai, na Estação de Alagoinha, me passava estampas das principais cidades do mundo. Depois disso, tive professor de História que me ensinou oito anos, desde o Admissão. Eles me induziram a apreciar, no Nordeste, mais fenômenos sociais, como Urbanização, Cangaço e Partidos Políticos, que os personagens.

Assis — Quais os grandes historiadores brasileiros e, dentre eles, qual o que você mais se identifica pelo rigor dos estudos?
José Octávio — Desde pequeno que apreciei os cearenses Capistrano de Abreu (1853-1927) e Barão de Studart (Guilherme Chambly Studart; 1856-1938). Eles lideram sequência continuada por João Ribeiro (1860-1934), Rodolfo Garcia (1873-1949) e principalmente José Honório Rodrigues (1913-1987), em homenagem a quem organizamos grupo de estudos integrados pela esposa, Leda Boechat. Para honra minha, Rodrigues proclamava que eu e o mineiro Francisco Iglésias (1923-1999) pertencíamos a essa constelação.

Assis — Dentre todos os seus livros, qual ou quais você gosta mais?
José Octávio — Meu melhor livro é A Revolução Estatizada – Um Estudo Sobre a Formação do Centralismo em 30 (3 a ed., 2014) em cujas 620 páginas busquei novo entendimento da Revolução de 30. O que, porém, mais aprecio é Da Resistência ao Poder – O (P)MDB na Paraíba (1965/1999), de 2010.

Assis —
Quem são os novos talentos da matéria História?
José Octávio — Três mulheres – Mary del Priore, Maria Beatriz Nizza e Miridán Knox Falci. Afinadas com a Nova História, desenvolvem a chamada História do Cotidiano, de raiz antropológica.

Assis — Que contribuição tem o jornalismo na história de um país, democrático ou não?
José Octávio — Como o conhecimento principia pela informação, o Jornalismo revela importante papel na sociedade. Sua função na construção da democracia é indiscutível. Em consonância com isso, alguns dos principais historiadores brasileiros da atualidade são periodistas como Elio Gaspari, que estudou o ciclo militar 1964/78.

Assis — Aparentemente, hoje é mais fácil destrinchar os enigmas e mistérios da história. A Internet tem participação nisso? Qual a importância da Internet na nossa vida cotidiana?
José Octávio — Modernas tecnologias como a internet são fundamentais para o armazenamento da História. Mas é preciso não exagerar. Nada substitui a leitura, com base na documentação e a respectiva interpretação.

Assis — Você é um dos poucos brasileiros que não têm e-mail e não usa a internet para nada. Por que? É melhor escrever à mão do que num teclado de computador?
José Octávio — Não utilizo as modernas tecnologias - e disso não me orgulho – porque sou um pouco desajeitado, já que, quando pequeno, sequer aprendi a andar de bicicleta. Fora daí, considero que a escrita manual me assegura melhor ordenação do pensamento.

Assis — O jornalista Mino Carta, fundador da revista Veja, não escreve à mão. Ele prefere, como poucos, escrever numa máquina de datilografia. Você só escreve à mão e deixa de lado até mesmo a Olivetti?
José Octávio — De uns vinte anos para cá, quando passei a escrever à mão, transferia rigorosamente meus textos para a máquina de datilografia. Quando esta quebrou, dei para recorrer a uma senhora que mimeografa meus trabalhos mediante pagamento.

Assis — Fale um pouco a respeito da sua genealogia?
José Octávio — Como disse Afonso Arinos (1905-1990), genealogia no Brasil termina sempre na senzala ou na sacristia. Eis porque nunca lhe dei bolas. Mas não esqueço meu pai que me recomendou a leitura de Alberto Torres e a mãe que, viúva, formou todos sete filhos.

Assis — Como cidadão e historiador, qual o sonho que ainda alimenta para si e para o Brasil?
José Octávio — Ver a democracia consolidada no Brasil – “ditadura nunca mais” – ajudar na formação do filho Victor Raul e contribuir para redução das gritantes desigualdades sociais de nossos dias.


JORNALISTAS E CIA

Originalmente entrevista com o José Octávio foi publicada em duas partes. A primeira no dia 11 (à pág. 14) e a segunda no dia 18 de janeiro (à pág. 13). Caso tenha curiosidade, clique: PARTE I e PARTE II

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