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sábado, 6 de novembro de 2021

ROSTO NEGRO DO BRASIL

O escrito Oswaldo de Camargo
Paulista de Bragança, Oswaldo de Camargo é um dos mais ativos militantes dos movimentos negros do Brasil.
Jornalista, poeta e historiador, Camargo é um bom papo. Fala simples, natural. São muitos os livros que já publicou, entre os quais Um homem tenta ser anjo (1959), 15 poemas negros (1961), O carro do êxito (1972), A Descoberta do frio (1979).
Ciente da sua importância e da importância do negro na sociedade, Oswaldo de Camargo aos 85 anos deu-me uma verdadeira aula sobre o que chama com naturalidade da contribuição do negro entre nós.
É indiscutível a herança africana no Brasil. Pedi-lhe que escrevesse algo a respeito. E sem delongas, mandou-me o que podemos classificar de crônica. Leiam:

ROSTO NEGRO DO BRASIL
por Oswaldo de Camargo

Nesta altura de minha vida, 85 anos, arranhados por ímpetos de juventude e avisos bem audíveis de decrepitude, ponho me a inventariar qual a importância do negro, ou melhor, dos negros na história do nosso país.
Falo, diante do fato concreto e verificável de que sou um negro brasileiro.
Afirmam que nossa história aqui vem desde 1530, como escravizados. E nesse caminho que os compêndios de história registram apareceu um número razoável de nomes que provam como a aventura humana, mesmo de negros — diria o branco Ocidente — pode ser magnífica.
Henrique Dias, Padre José Maurício, Chiquinha Gonzaga, Luiz Gama, Cruz e Sousa... (Recorra-se aos compêndios, frios e burocráticos, geralmente; lá se aprende).
Fato é que, no meu ver, um dos dramas do País, desde muito, é a humanidade negada ou mal percebida do negro brasileiro. Não se notou, ou se fez o máximo para impedir o fulgor da alma do negro sobre o seu corpo, como se lê em verso de um poeta nosso.
As marcas que o africano deixou, visíveis na dança, na culinária, na religiosidade, nos gestos, na fala, no afago, estão aí.
Em nosso livro O Negro Escrito — Apontamentos sobre a Presença do Negro na Literatura Brasileira, acentuamos, sobre o passado:
“Negros para mourejar em canaviais, no eito, em conventos, em engenhos, ‘escravos de ganho’, moleques em seus misteres de utilidade prática e já rendosa, treinando para ‘bons escravos’, isso foi o povão negro que se ia espalhando pelo mapa do incipiente Brasil.”
Certo é que o País, a par de sua feição herdada sobretudo do Ocidente, marcou-se e continua se marcando com a existência cada vez mais crescendo de negros, na concretude do corpo.
Cinquenta e cinco por cento da população...
Mas, quando se vai reconhecer, em todos os negros, a sua plena humanidade?
Repete-se a história: em séculos passados, sobretudo no XIX, negros , poucos, despontaram e são testemunhados em compêndios e livros de História.
Hoje, negros ainda continuam despontando, em número incrivelmente irrisório.
Quando se poderá ver em todos os negros, pardos e mulatos a sua plena humanidade, dando aval à nossa verdadeira democracia?
No entanto o negro continua marcando o rosto do País...
Que rosto?

Obras de Oswaldo de Camargo

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