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domingo, 28 de novembro de 2021

ATENÇÃO! TEM ROMANCISTA POLICIAL NA ÁREA

Marco Zanfra com sua trilogia em mãos
O sol, lá fora, jogava seus últimos raios quando eu já me preparava pra deixar o escritório. Dia estafante.
Eu acabara de pôr sobre os ombros o blazer e quando já saía, barrou meus passos um cidadão de cara redonda, cabelos em desalinho e barba de dois dias, carente de corte. Exalava um forte odor de álcool. Entre os dedos da mão direita, um cigarro no fim. O desconhecido, de voz tonitruante, apresentou-se: “Eu sou Marlowe e o meu trabalho é trazer à tona histórias que assassinos e prepotentes tentam esconder da sociedade”.
Achei esquisita aquela apresentação, mas abri conversa querendo saber o que ele queria comigo. O que me trouxe aqui, foi-se explicando, “foi um pedido do Zanfra. Ele quer falar com o senhor. Diz ser urgente”.
Quando a ficha caiu, achei graça.
Foi através de Marlowe que fiquei sabendo que Zanfra, com quem há muito não falava, estava morando no Sul e que se transformara num grande escritor de enredos policiais.
Mas enfim, o que o Zanfra queria comigo?
Dias depois não só mantive contato com Marco Antonio Zanfra, como li seu livro de estreia: As Covas Gêmeas, no qual Marlowe aparecia como incansável investigador de uma trama envolvendo pessoas simples do nosso cotidiano. E logo eu quis saber o por quê do meu amigo optara a seguir carreira de romancista policial. Ele:
Há uma ruptura necessária quando o repórter de polícia passa a ser um autor de ficção policial. Necessária e óbvia, porque, se ao repórter cabe fidelidade apenas ao que é real, ao escritor cabe ser fiel ao mundo, aos personagens e à trama que ele criou. Ainda que a realidade não esteja necessariamente fora desse entrelaçamento. Se essa ruptura é traumática ou não, cabe a cada um que vivencia a experiência avaliar.
No meu caso, a ruptura assemelhou-se mais a uma transição, porque minha ideia inicial de obra tinha fundo jornalístico: propus a um editor transformar em livro uma matéria especial, de duas páginas tamanho standard, que havia feito para o extinto ANcapital, suplemento florianopolitano do jornal joinvilense A Notícia. A matéria tratava dos crimes violentos ocorridos nos últimos dez anos na Ilha de Santa Catarina e que à época continuavam sem perspectiva de solução.
Eu não trabalhava mais na área, mas ainda não havia desvestido minha capa de repórter, e precisaria aprofundar o trabalho de pesquisa e apuração para transformar as 18 laudas originais da matéria num calhamaço que garantisse pelo menos duzentas páginas num livro. Só que o editor não aceitou minha sugestão. Disse que nós estávamos carentes era de ficção policial, que livro-reportagem qualquer um era capaz de fazer e que só os bons escritores conseguiam criar uma trama daquelas que você não consegue parar de ler.
Minha transição começou naquele momento, quando ele me desafiou a ser esse escritor. Deixei minha capa de repórter na rua Esteves Júnior, onde me encontrara com o editor, rumei para a biblioteca pública da Tenente Silveira e iniciei naquela tarde meu relacionamento íntimo, que duraria quase um ano, com os mestres da literatura policial clássica, especialmente noir. Devorei Raymond Chandler, Rex Stout, Dashiell Hammett e Ross Macdonald. Numa segunda etapa, conheci Georges Simenon, Michael Connelly, Dennis Lehanne, Lawrence Block e Henning Mankell.
Isso aconteceu em 2004. Ao final de 2005, concluí meu livro de estreia, As Covas Gêmeas. O livro deveria ser publicado pela editora desse meu amigo, mas uma série de circunstâncias impediu a realização do plano. Em 2007, parti em busca de outras editoras e, setembro de 2008, Danda Prado, então diretora-presidente da Brasiliense, telefonou para me dar a boa notícia. O livro só foi lançado, porém, em dezembro de 2010.
Confesso que me surpreendi com o seu livro de estreia. E a respeito, cheguei a escrever uma resenha: UMA HISTÓRIA PRONTA PARA O CINEMA.
Depois disso, Marlowe me telefonou. Disse que gostou do texto etc e tal. Entusiasmado, teceu loas e loas sobre Zanfra. Até estranhei, mas fazer o quê?
Bom, aproveitei pra perguntar a Marlowe o que ele andava fazendo ao lado de Zanfra.
Com aquela fala mansa, de bobo aparente próprio de investigador, Marlowe puxou fumaça do cigarro e respondeu, pigarreando: “Bom, ele me põe em enrascadas. Melhor, ele me põe pra resolver enrascadas. Ele acha que sou o melhor policial do mundo, que não há investigador melhor do que eu. Essas coisas de amigo...”.
Marlowe aparece à frente de investigações nos 3 primeiros livros de Marco Zanfra. “Agora ele me deu férias. Diz que fechou, comigo, uma trilogia. Mas já estou sabendo, e não através dele, que já está engendrando mais uma tarefa a que dará o título de Bachianas nº4. Quer dizer, vai sobrar pra mim. De novo!”.
Não custa lembrar, que Marlowe é um policial altamente intelectualizado e até sensível no que diz respeito às artes. Figuraça!
Numa das suas vindas a São Paulo, o Zanfra procurou-me pra dizer que continuava a criar e a recriar histórias misteriosas, intrigantes. A tarefa, porém, não tem sido fácil. Ele:
Passei um largo tempo sem pensar em escrever. Só concluí ‘A Rosa no Aquário’ no começo de 2017 e consegui sua publicação pela Editora Unisul (da Universidade do Sul de Santa Catarina) em abril de 2018. Dali a nove meses, tocado pelo entusiasmo da experiência, terminei ‘O beijo de Perséfone’, que considero minha história mais bem elaborada. Este terceiro livro foi lançado, também pela Unisul, em abril de 2019.
Mas, ao contrário do que aconteceu com o livro anterior, ‘O beijo...’ foi um fracasso, e me desestabilizou. Demorei meses para começar a botar no papel uma nova história, embora tivesse a trama montada na cabeça, fui escrevendo aos trancos e barrancos e só terminei Agora e na Hora de Nossa Morte para inscrevê-lo no Prêmio Kindle de Literatura. Não ganhei nada, mas, entre mais de dois mil concorrentes, não esperava nada, mesmo!
Marco Antonio Zanfra escreve como poucos. É direto, raciocínio rápido. Texto enxuto, sem “linguiça”. Trabalhei com ele na Folha. Fins dos anos 70. Fazíamos reportagens policiais e entrevistas com bandidos e mocinhos.
O tempo passou e jamais pude imaginar que Zanfra pudesse se transformar num grande romancista, como se tornou.
Como fazer isso, como começar?
O ponto de partida é, naturalmente, saber escrever. Depois, saber o que quer dizer. Saber o que quer dizer e a quem dizer.
Uma reportagem mal feita, mal escrita, não prende a atenção de ninguém. Além do texto, que deve ser primoroso, tem que ter título igualmente primoroso e um bom chamariz.
Nascido no dia 12 de abril de 1956, o paulistano de Pirituba Marco Zanfra é marido de Mary Kazue e pai de Mariana e Mayara, que já lhe deram dois netos: Murilo e Eduardo, o Dudu.
Zanfra é um cara incrível e a sua urgência de querer falar comigo, no entendimento de Marlowe, era motivada pela saudade.
O amigo jornalista, agora também escritor de renome, disse que perdera a mãe Anna. O pai, Armando, fora-se antes. Mas ainda lhe restam os irmãos Rui e Ana Luíza.
O autor de As Covas Gêmeas é autor também de um Manual de Repórter de Polícia. Esse manual, que deveria ser lido por estudantes de jornalismo e jornalistas da área, tem ao todo 77 verbetes. Foi escrito em 2001, mas até agora não ganhou versão em papel.
E mais não digo, pois desnecessário é dizer o óbvio: Marco Antonio Zanfra é o cara do romance policial do Brasil, hoje.
Viva Zanfra!

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