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quinta-feira, 4 de março de 2021

PATATIVA, A VOZ DO POVO



A pandemia fechou as livrarias, no Brasil e no mundo.
Já não se ouve falar em lançamento de livros ou de quem está com livro pra lançar. De poesia inclusive.
O Brasil é uma terra de poetas. De grandes poetas, como Gregório de Matos, Casimiro de Abreu, Alphonsus de Guimaraens, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Mário Quintana, Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e tantos e tantos. Esses, eruditos, digamos assim. E populares, como Leandro Gomes Barros, Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista, João Melchíades Ferreira, Pedro Bandeira, José Camelo de Melo Resende, José Pacheco, Zé Praxédi, Zé da Luz, Manoel Camilo dos Santos e Patativa do Assaré. 
Patativa, de batismo Antônio Gonçalves da Silva, nasceu no município cearense de Assaré em 5 de março de 1909. Teve uma penca de irmãos, mas somente ele deu pra poesia. Começou a carreira como cantador repentista, profissão que largou ali pelos fins de 1930. Perguntei-lhe por qual razão fizera isso. Resposta: “Já tinha muito cantador e eu seria só mais um no meio”. 
A história desse Antônio que virou Patativa é longa e cheia de altos e baixos. Logo cedo perdeu a visão de um olho e cego completamente ficou na fase adulta, mas isso não o impediu de trabalhar e se “divertir” compondo suas “coisas”, mentalmente. “Guardo tudo na cachola”, disse-me um dia na sua casa em Assaré. 
Conheci Patativa do Assaré em dezembro de 1979, em São Paulo. Nessa ocasião ele estava lançando o primeiro de dois LPs que seu conterrâneo Raimundo Fagner produzira. Títulos: Poemas e Canções e A Terra É Naturá (1980). 
Antes e depois de publicar o primeiro livro, Inspiração Nordestina (1956), Patativa publicou vários folhetos de cordel. A rigor, era um cordelista.
A obra de Patativa é desenvolvida em quadras, sextilhas, décimas e aqui e acolá, sonetos. 
Baixinho, franzino, o poeta tirava da alma belíssimos poemas que faziam chorar, como chorar fazia e faz o Assum Preto, de Luiz Gonzaga. Quando não líricos, os poemas eram de protesto contra o poder vigente. É dele, por exemplo, Eu Quero. Dele também é A Triste Partida, gravada pelo Rei do Baião em 1964. Não poupava políticos. Meteu a ripa em FHC quando foi lançado o Real. 
Os políticos o procuravam o tempo todo, notadamente nos períodos de pré-eleição. Dentre todos, o que mais dele se aproximou foi o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati. 
Em 1989, Tasso telefonou a Patativa perguntando o que ele queria de presente de aniversário. Um carro, por exemplo. Estava completando 88 anos. Resposta do poeta: “Pra que diabo eu quero um carro se sou cego e não sei dirigir, obrigado”, e desligou. O governador insistiu e Patativa: “Não precisa nada, muito obrigado. Estou bem”. 
Uma semana depois desse diálogo, Patativa ganhou uma cadeira de balanço com os números 88. 
Há muitas histórias engraçadas, curiosas em torno do poeta cearense. 
No livro O Poeta do Povo eu conto a história desse cidadão que nos deixou uma obra à altura do seu talento e cidadania. 
Sobre ele, Gereba, Klévisson Viana e eu compusemos a canção A Flor de Cacto no Sertão da Vida:
 
 
Era, como diziam: a voz do povo é sacrificada, judiada pelos poderosos de plantão. 
Antônio Gonçalves da Silva morreu no dia 8 de julho de 2002.

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