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sábado, 30 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (151)

Rubem Fonseca
No campo do jornalismo não é incomum identificar profissionais que escreveram bons textos, bons livros, tratando do erotismo e tal.

João do Rio, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Rubem Braga e tantos.

A Força Humana, de Fonseca, conta a história do dono de uma academia de ginástica que tem um amigo. Esse amigo conhece um rapaz forte e tal que o leva para treinar.  Os três se dão bem. É quando surge uma jovem de nome Lena. Essa jovem é prostituta. Vibrante. E mais não digo.

Braga (1913-1990), como todo mundo sabe, foi também contista de grande categoria. Entre suas histórias, Um Braço de Mulher. É simples: num avião da ponte aérea Rio-São Paulo, uma passageira, morrendo de medo, agarra-se ao braço de um desconhecido, enquanto o avião treme nas nuvens. Tudo termina bem, ninguém morre. 

Dizem que João, embora assumidamente homossexual, apaixonou-se pela dançarina norte-americana Isadora Duncan (1877-1927) que conheceu numa de suas idas à Paris. A FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, de 2024 foi dedicada a ele.

Nelson, como quase todo mundo sabe, provocou uma revolução no teatro brasileiro com seus textos descomprometidos com a mentira e a hipocrisia. Pôs a nu a sociedade do faz de conta que põe os pecados debaixo do tapete. Todos os seus livros tratam disso. 

Vestido de Noiva pôs os conservadores em pé de guerra. É peça que não perde nem a atualidade e nem o vigor. Estreou em 28 de dezembro de 1943, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a direção do polonês Ziembinski (1908-1978).

A peça conta a história de um casal que se muda com as filhas para um casarão onde outrora fora um bordel. No decorrer da trama uma personagem “rouba” o namorado da outra. Tem acidente de carro, hospital e morte.

Uma das atrizes que interpretaram a noiva da peça, Viviane Pasmanter não teve acanhamento nenhum de afirmar que “ser prostituta é um desejo que toda mulher tem".

Pois, pois.

Não são brinquedos as tramas arquitetadas por Nelson Rodrigues, autor de umas 20 peças. Numa delas, o autor insere um jornalista e um delegado corruptos e tal. O jornalista é do diário Última Hora, criado por Samuel Wainer. 

O jornalista interpretado por Ribeiro Amado existiu.

Samuel Wainer é citado na peça.

EU E MEUS BOTÕES (74)

"Olha, olha, olha...! Ó quem tá chegando!"

Todos ali ligados, de olhos fixos, na telinha da câmara de segurança que registrava a chegada de quem estava chegando. No caso, a pessoa mais esperada no momento. 

"É ela! É ela! É ela!...", dizia assanhado o grupo de botões quando,  de repente, alguém saiu da cozinha com um copo na mão dizendo: "Vocês enlouqueceram? Endoidaram? Que barulho do caralho é esse?".

Era o poetinha Zilidoro surpreso com o comportamento dos coleguinhas botões. 

Surpreendentemente, Barrica esticou os olhos em direção a Zilidoro, ao mesmo tempo que dizia uma locução de baixo calão. Inaudível. 

Enquanto isso, na telinha da câmara de segurança subia a escada passo a passo a esperadíssima Flor Maria. 

A cada segundo, aumentava a expectativa dos "voyeurs" na casa do Zilidoro.

Só que, de repente, aparece na telinha também outra pessoa...

O pa, pa, pa dos sapatos chamou a atenção de quem estava à frente: Flor Maria. 

Maria parou  ao ouvir quem estava chegando atrás dela. 

E aí ele e ela entraram na casa do botão Zilidoro. Palmas efusivas rolaram durante minutos que pareceram horas.

Puxa vida, pessoal, vocês estão impossíveis, disse eu.

A meu lado, Flor Maria não se conteve e disse com toda espontaneidade possível: "Vocês são incríveis!".

Lampa, sempre esquisito cutucando as unhas com o seu punhalzinho inseparável, de cabeça pra baixo olhava pra cima desconfiado...

Lá do fundo da casa, Zoião levanta a mão perguntando se pode falar. Dona Flor diz que sim.

"Eu queria saber o que a senhora acha dessa vida de porra que a gente vive. A gente trabalha, trabalha e ao fim só se fode. Desculpe-me pela expressão. Entra governo, sai governo...".

Antes de mais nada, pessoal, começou Flor Maria: "Somos mais de oito bilhões de pessoas habitando esse nosso mundinho explosivo. Pouco menos de uma centena de privilegiados ditam vida e morte sobre nós. Pobres materialmente que somos, sofremos".

Biu e Barrica, irmãos completos olham-se surpresos. Biu pergunta: "Dona Flor, a senhora está se apresentando a nós como uma pessoa muito especial. A senhora é política?".

"Todos nós somos políticos, políticas. De formação eu sou historiadora. E como tal, o passado é tão importante quanto o presente".

Muito bem, amiga Flor Maria, é isso mesmo. Pra um historiador o passado é importante, porque sem presente não há passado.

Zilidoro, Zilidoro lá do seu cantinho bateu palmas e disse: "A pensar, a pensar...".



sexta-feira, 29 de novembro de 2024

EU E MEUS BOTÕES (73)

O que é que vocês estão fazendo aí assim de pé?

Fiz essa pergunta e logo ouvi alguém discretamente tossir como se fosse pego com a mão na botija. Era Zilidoro um tanto acanhado e cheio de pernas. 

Os olhares de todos se voltaram ao poetinha Zilidoro, que nervoso voltou a tossir. Quis dizer algo, mas da boca palavra nenhuma saiu.

Não sei porque cargas d'água notei, de relance, a mão direita de Lampa alisando o punhalzinho que sempre carrega na cintura. 

O que é isso, voltei a perguntar. Que diabos vocês estão fazendo aqui, assim todos de pé?

Biu cutucou o mano Barrica, como se quisesse adivinhar seu pensamento sobre o que eu perguntara. 

Zoião levantou o braço e foi  desembuchando: "Seu Assis, estamos aqui esperando Dona Flor Maria".

Hummm... Sei, sei....

Zé e Mané olharam-se rapidamente, mas nenhum dos dois disse coisa nenhuma. 

Jão, que estava de braços cruzados, deu uma risada e disse: "Pois é seu Assis, a gente já está gostando e muito da dona Flor".

Ao dizer o que disse, Jão voltou seu olhar irônico a Lampa e insinuando acrescentou: "E sabe seu Assis tem uma certa pessoa aqui que parece estar gostando mais dela do que todos nós".

Numa fração de segundos, Lampa deu um pulo de gato e com o punhal na mão fez menção de atacar seu colega Jão. E teria corrido sangue se a turma do "deixa disso" não entrasse em ação. 

Nisso foi chegando a pivô da história que, sem nada desconfiar, cumprimentou a todos com um largo sorriso: "Boa taaarde pessoal, desculpem-me pelo atraso. E,  infelizmente, não vou poder ficar aqui por muito tempo, pois tenho uma reunião importante".

Rapidamente todos entraram na casa de Zilidoro e a paz voltou a seu lugar. 

Olá, olá, Flor Maria, você está linda!

Ao ouvir o que ouviu, Maria enrubesceu. E feitos crianças ou adolescentes de primeiro momento, todos riram e bateram palmas, entusiasmados. 

Sem provocar vexame e muito à vontade, Zilidoro com graça disse: "Realmente, a senhora está muito bonita e elegante".

Lá no canto, no fundo da casa, ouviu-se Zé cochichar no ouvido de Mané: "Ela está muito chique, de vestido novo, de sapatos novos... E olha os brincos!".

Zé, o que é que você está dizendo aí no ouvido do Mané, perguntei.

Os dois se entreolharam surpresos: "Nada não, chefe", disseram ao mesmo tempo. 

Zoião que estava de olho, caiu na risada e delatou: "Um estava dizendo ao outro que a dona Flor estava de vestido novo, sapatos novos e tal".

Foi a vez de Flor Maria soltar seu bonito sorriso e dizer: "Vocês são muito simpáticos".

Pessoal, vamos dar uma saidinha e almoçar ali no restaurante da esquina? 

Zilidoro e todos gostaram da ideia. E acrescentei: "Pode ser no Virgulino, que tem a melhor comida nordestina do mundo. E uma caninha legal".


quarta-feira, 27 de novembro de 2024

EU E OS MEUS BOTÕES (72)

Oi, pes...

Eu nem acabei de cumprimentar vocês e de repente chega aqui correndo...

Seu Assis! Seu Assis...!

Tá bom. Fala, Zilidoro...

É o seguinte, é o seguinte "Seu Assis tá tudo uma doidera demais, o mundo tá pegando fogo, ninguém se compreende mais. E as histórias vão rolando. Essa história de golpe, de tentativa de golpe pra derrubar o Estado democrático é um horror. Que loucura! Puta que pariu!

Lampa com seus olhos sempre esquisitos, de cabeça baixa, aparentemente demonstra estar alheio a tudo, mas a tudo observa.

Ei, ei, ei pessoal, olha quem está chegando...!

Opa, boa tarde pessoal!

"Dra, Dra, que bom que a senhora está de volta à nossa casinha", é Jam saudando a volta da Dra dona Flor que o bem encantou.

"Ei, ei, ei! Dra a gente falou da senhora o tempo todo, desde ontem. E pra nós o ontem é sempre". 

Olhe, olhe, gostei, estou gostando demais de estar com vocês. Seu Assis é uma pessoa de quem gosto muito. 

Quanto exagero, quanto exagero, dona Flor e vocês são incrivelmente exagerados nas palavras que dizem. 

Lá do seu canto, quase invisível, Barrica levanta a mão pra perguntar: "Seu Assis, o que é a vida?".

Antes de eu abrir a boca pra dizer qualquer coisa, lá da casa do Zé há quem questione: "Eu sempre quis saber o que é a vida, de onde viemos e pra onde vamos".

Bom, essa história é incrível e as respostas nunca foram rigorosamente respondidas por ninguém.

"Seu Assis, seu Assis, que coisa complicada...", é o eternamente discreto Zoião falando. 

É, o tema realmente é complicado. A gente nasce, a gente vive, a gente morre.

Derrepentemente, o Zilidoro diz assim: "Esse papo está muito doido".

Bom pessoal, vocês gostaram de falar com a doutora Flor Maria?

Todo mundo se levantou batendo palmas e perguntando...

Zilidoro, poeta, perguntou representando a turma: "A senhora volta amanhã?".

Lampa, quieto o tempo todo, levantou-se pedindo um abraço. 




terça-feira, 26 de novembro de 2024

EU E MEUS BOTÕES (71)

Boa tarde, pessoal!

Bom, como vocês estão vendo, estou trazendo pra conversar com a gente a doutora cearense Flor Maria. É pessoa especial, sabe de tudo e bem mais. 

Os amigos botões queridos de quem lhe falei, dona Flor, são esses aqui: Zé, Mané, Zoião, Biu, Barrica, Lampa e Zilidoro.

Olá, pessoal! O seu Assis tem dessas coisas, de falar de pessoas de quem gosta...

"E está certo! Está certo! Está certíssimo!"

Quem diz isso aí não é outro senão o tanto acabrunhado Mané. Zé, seu amigo, emenda: "Doutora, seu Assis é assim desse jeito. Ele fala e fala tantas coisas bonitas que a gente gosta. E a gente gosta de saber também que ele gosta da gente".

Doutora, digo eu, a casa é sua...

Bom, o Assis fala muito de vocês e eu sempre quis conhecer vocês e aqui estou.

Quieto, no seu canto, Lampa de cabeça baixa estava a cutucar as unhas com seu infalível punhalzinho.

A minha especialidade é conhecer e entender gente. Fiz um monte de curso tentando desenvolver a ideia de que se não fizermos por nós ninguém o fará...

Nesse momento, Biu e seu mano Barrica levantam a mão pra dizer: "Doutora, sempre achamos que essa conversa é complicada e que é mais fácil viver sem essa complicação de palavras todas".

Eu: hummm...Vocês estão se saindo melhor do que o previsível. Bom, dona Flor, eu vou dar um pulinho ali na cozinha e a casa agora é toda sua. Diga o que quiser, responda o que lhe perguntarem.

E aí, pessoal, o que vocês querem saber sobre o dia a dia de nossa vida, das coisas que vivemos e que poderemos até viver?.

"Doutora, essa coisa é muito complicada. Não dá simplesmente pra gente dizer eu fiz, eu faço, eu posso fazer?", foi dizendo do seu jeito próprio o cabra Jão quieto até então. 

A casa foi sacudida com urros, palmas e gritos. E destabocamente todos concordaram com a fala de Jão. 

No seu canto tranquilo até tal momento, Zilidoro pediu desculpa pela ousadia de seus.pares. Aproveitou pra perguntar que futuro tem a humanidade.

Nesse momento... Opa, opa e aí como foi a dona doutora falando aí com esses meninos? Ela falou coisas, coisas legais?

Antes de Flor Maria responder, todos se levantaram patendo palmas dizendo: "Legal, muito legal!".

Zilidoro, que tudo ouviae observava, perguntou se encontros desse tipo voltariam a acontecer na casa dos botões Zé, Mané, Jão...

Bom, disse eu, por mim Dona Flor estará sempre aqui com a gente. 

Que alegria pessoal, estar aqui com vocês. 

De pé ainda ainda estavam, de pé continuaram os botões a bater palmas.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

EU E MEUS BOTÕES (70)

Bom dia, bom dia, bom dia pessoal!
Chego eu assim dizendo, depois de longa invernada.
Ao saudar meus botões como eu saudei, o entusiasmo tomou conta da casa de Zilidoro. E ele, Zili: "Seu Assis, seu Assis! Por onde andou durante esse tempo todo?".
A mesma pergunta repetiram os demais botões, como se houvesse eles ensaiado.
Todos ali estavam de pé, menos Lampa.
Como sempre, Lampa estava a cutucar as unhas com o seu inseparável punhalzinho. Perguntei-lhe: E aí, Lampa? Você está bem?
Lampa olhou pra mim assim de baixo pra cima, ainda sentado, e nada disse.
Seus olhos pareciam mais enigmáticos do que antes. Insisti: Tudo bem, Lampa? Como você tem andado?
A casa de Zilidoro silenciara. Devagar, bem devagarzinho, Lampa enfiou o punhal nos quartos e levantando-se disse: "Tô bem, tô bem. Mas devo dizer que andei procurando o sinhô e não achei. Onde esteve?".
De repente Zé, Mané, Biu, Zoião, Jão e o irmão do Biu, Barrica, caíram numa risada só. Lampa ficou sério. 
Jão brincou: "Ora pois, o papo se inverteu. Invés de Lampa responder ao seu Assis, foi Lampa que inverteu a pergunta. Ora!".
Lá do seu canto, Zoião a tudo observava e ouvia. Arriscou: "Eu acho que Lampa está envolvido naquela tramóia que por pouco não resultou no assassinato do seu Lula, do seu Alckmin e do seu Xandão. A tal da operação deles não se chamava Punhal Verde Amarelo?".
Calma, calma, não vamos entrar nessa, disse eu. O Lampa é dos nossos, é um pouco esquisito...
Eu nem havia findado de falar, e o Mané destabocado como sempre foi logo dizendo, me cortando: "Lampa é tudo de bom, não fosse a sua esquisitice incompreensível até hoje".
Bom, voltei a falar, andei viajando por aí. Estive na Rússia e também na Ucrânia. Falei com os dois de lá, Putin e Zelensky. Ali tem coisa complicada que pode sobrar pra nós. Também estive em Israel, Faixa de Gaza, Irã e tal. Daquele lado do mundo, a coisa é mais complicada do que se possa pensar, até porque os EUA apoiam com tudo quanto é tipo de arma a Ucrânia e Israel. E por aí vai...
Zé, calado até então, levanta a mão pra dizer que "Não consigo entender porque esse povo de lá vive de se matar um e outro o tempo todo".
Poxa... O Zé tem toda razão quando diz não compreender essa loucura de apoio dos EUA às nações em guerra...
Seu Assis, seu Assis "não podemos esquecer que o velho Nostradamus previu ser no Oriente Médio o palco do fim de tudo", disse lembrando previsões o poeta Zilidoro.
Os manos Biu e Barrica, depois de se entreolharem, um falou: "Os EUA foram sempre um país a  cuidar dos seus próprios interesses e não da paz mundial", disse Biu. Barrica emendou: "É a tal coisa, cada qual por si".
Isso mesmo, isso mesmo Barrica. Você também está certo, Biu. Neste nosso mundinho há quase 200 países, a maioria sofrendo muito, passando fome. Uma loucura! Fui eu dizendo e dizendo mais: o que mostra, de certo modo, uma luz no fim do túnel, é a campanha que Lula está fazendo para acabar com a fome que mata criança, homem e mulher historicamente. O Brasil vende comida para o mundo todo, mas ainda assim e aqui mesmo, muita gente morre de barriga vazia.
Zilidoro, depois de olhar o relógio, disse que tinha reunião com estudantes da periferia de São Paulo. O assunto a ser tocado era educação, saúde e trabalho. Pediu licença pra sair, pois já estava atrasado. Aproveitei a fala de Zili e dei por encerrado o nosso encontro de hoje. 
Antes de encerrado este nosso encontro, Zoião levantou-se pra recomendar aos pares um poema que fiz falando do lunático, imbecil Bolsonaro. Pra minha surpresa, Lampa levantou-se pedindo licença e já declamando:

...

Presidente também morre
De morte matada ou não
Lugar de quem não presta
É lá no fundo da prisão!

A cadeia te espera 
Presidente predador
Hoje quem foge é caça
Amanhã é caçador

Baixa o pano.

domingo, 24 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (150)

Mário de Andrade, pintura de Tarsila do Amaral
Nascida em 1893, Gilka Machado foi uma mulher pobre e negra. Depois de perder o marido e ficar encubida de manter dois filhos, passou a manter-se como diarista na Central do Brasil. Morreu em 1980. É dela o poema Ânsia Múltipla:

Beija-me Amor,

beija-me sempre e mais e muito mais,

– em minha boca esperam outras bocas

os beijos deliciosos que me dás!


Beija-me ainda,

ainda mais!

Em mim sempre acharás

à tua vinda

ternuras virginais.


Beija-me mais, põe o mais cálido calor

nos beijos que me deres,

pois viva em mim a alma de todas as mulheres

que morreram sem amor!…


Curiosidade: Mário de Andrade nasceu no mesmo ano que nasceu Gilka e morreu em 1945. Na sua obra o erotismo é algo muito presente. Macunaíma, por exemplo, tem no personagem-título um diletante do sexo incurável, insaciável, chegando a possuir até a mulher de um irmão. Era explícito ao contrário do seu criador. 

No decorrer de toda a sua vida, Mário ocultou com toda a discrição possível sua homossexualidade. Porém, em 2015, decisão da Controladoria Geral da União (CGU) quebrou o segredo autorizando a divulgação de uma carta em que o autor confirma o que já se suspeitava:


Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria pra nós ambos, pra você, ou pra mim, comentarmos e eu elucidar você sobre a minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Em nada. Valia de alguma coisa eu mostrar o muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais? Não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais. Pra você me defender dos outros? Não adiantava nada pra mim porquê em toda vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só me interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão absolutamente desprezível duma verdade inicial. Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo pra minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu, ha-de estar bem inteirado do assunto, ha-de te-lo bem catalogado e especificado, ha-de ter tudo 'normalisado' em si, si é que posso me servir de 'normalisar' neste caso. Tanto mais, Manú, que o ridículo dos socializadores da minha vida particular é enorme. Note as incongruências e contradições em que caem.: O caso da 'Maria' não é típico? Me dão todos os vícios que, por ignorância ou por interesse de intriga, são por eles considerados ridículos e no entanto assim que fiz duma realidade penosa a 'Maria', não teve nenhum que não [palavra não estava riscada no original] caçoasse falando que aquilo era idealização pra desencaminhar os que me acreditavam nem sei o quê, mas todos falaram que era fulana de tal.


Mas si agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui, a sair sozinho comigo na rua (veja como eu tenho a minha vida mais regulada que máquina de previsão) e si saio com alguém é porquê se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas. Ah, Manú, disso só eu mesmo posso falar, e me deixe que ao menos pra você, com quem apesar das delicadezas da nossa amizade, sou duma sinceridade absoluta, me deixe afirmar que não tenho nenhum sequestro não. Os sequestros num caso como este onde o físico  que é burro e nunca se esconde entra em linha de conta como argumento decisivo, os sequestros são impossíveis.


Eis aí uns pensamentos jogados no papel sem conclusão nem sequência. Faça deles o que quiser


Mário de Andrade foi um dos artífices da Semana de 22, junto com o pintor Di Cavalcanti (1897-1976) e Oswald de Andrade (1890-1954).

Não custa aqui retirar da gaveta a história de um conto intitulado Frederico Paciência, que Mário escreveu e reescreveu no decorrer de 18 anos. Trata da história de dois jovens amigos. Amizade ambígua. Pra Juca, Frederico é o seu homem. 

Di Cavalcanti entrou na história das artes plásticas como “o pintor das mulatas”.

Sobre o erotismo na obra de Mário, foi publicado em 2022 o livro Seleta Erótica de Mário de Andrade, organizado por Eliane Robert Moraes. Tem 8 partes.

Oswald foi casado com a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), que a traiu e dela se separou para juntar-se a Patrícia Rehder Galvão, a Pagu. Mulher politicamente antenada e bem relacionada com artistas da sua época. Polêmica.

Oswald de Andrade era filho de uma irmã de Inglês de Sousa: Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade.


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora


sábado, 23 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (149)


Mulheres brasileiras na literatura foram poucas, no início.
A primeira delas nem o próprio nome assinou, no seu primeiro livro.
A nossa primeira romancista, já falei lá atrás, foi Maria Firmina dos Reis. O livro que essa pioneira publicou, sob o pseudônimo de “Uma Maranhense”, teve como título Úrsula.
Bom, o tempo passou e continua passando.
Continuamos aqui mergulhados na história da literatura brasileira, mais especialmente na chamada literatura erótica feita por escritores e escritoras.
O livro de Firmina dos Reis já aborda a questão amorosa dividida entre homens e mulheres. Tem até um triângulo amoroso nessa história.
No dia a dia brasileiro do século passado, retrasado, tivemos no Brasil mulheres como Nísia Floresta. E por aí vai…
A luta da mulher pela equidade de gênero data de muito tempo. Mas é agora que essa luta tem apresentado vitórias.
Amor, sexo, adultério, sensualidade, palavrões…
O palavrão é expressão que carregamos desde quando nos conhecemos por gente. É pra lá da antiguidade. Homens e mulheres, crianças e adultos.
Há dicionários de palavrões publicados mundo afora. Não são muitos, mas expressivos e necessários.
Na metade dos anos de 1970, o estudioso da cultura popular Mário Souto Maior publicou Dicionário do Palavrão e Termos Afins. Foi censurado, proibido. O Brasil, à época, vivia momentos terríveis de uma ditadura militar que durou 21 anos.
Esse livro, disse-me um dia o autor, existiu por sugestão do escritor e coisa e tal Gilberto Freyre. Seu amigo.
Palavrão faz parte do dia a dia, na rua e/ou em casa. É da língua.
No dia 16 de novembro de 2024 Rosângela Lula da Silva mandou um sonoro “fuck you” ao cara que mais dinheiro tem no mundo: Elon Musk, pra mim um cabra safado e sem escrúpulos.
Rosângela, 1ª dama do País por todo mundo chamada de Janja, disse o que disse numa palestra sobre fake news.
O “vá se foder!” de Janja repercutiu enormemente. Ora positivamente, ora negativamente.
Eu, por mim, acho que a Janja está coberta de razão.
Em 1979, abril ou maio, eu, o amigo Kotscho e Lula varamos uma madrugada na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Fumávamos igual caipora. E dá-lhe café. Pernas arribadas na mesa, espontaneamente.
Ali pelo comecinho da manhã um assessor de Lula, então presidente do Sindicato, entrou dizendo que o interventor acabara de chegar.
Foi então que eu disse, cantarolando mal e desafinadamente a canção do Roberto, que diz: “O show já terminou…”. Fui eu dizendo isso e o Lula berrando: “FELA DA PUTA! VÁ SE FODER!”.
Surpreso, eu nem sabia bem o que dizer, mas disse: “Vá você!”.
O Lula repreendeu Janja pela fala que falou ao mandar o todo poderoso Elon Musk se foder.
Eu acho Lula do caralho.
Nenhum presidente do Brasil fez o que faz Lula, ainda hoje.
Luiza Alzira Teixeira Soriano
Ao lado da poetisa Gilka Machado, Leolinda Figueiredo Daltro (1859-1935) fundou o Partido Republicano Feminino (PRF).
Pouco antes da Revolução de 30 o voto feminino foi legalizado no Rio Grande do Norte. Desse Estado saiu a primeira prefeita do Brasil e da América do Sul: Luiza Alzira Teixeira Soriano (1896-1963), eleita no dia 2 de setembro de 1928 com 60% dos votos válidos do município de Lajes.
Meses antes da eleição, mais precisamente no dia 12 de maio 1928, o jornal Folha da Manhã publicou o seguinte: 
O feminismo continua a sua propaganda.
Hoje, a cidade assistiu a um interessante e inedito acontecimento. Distinctas senhoras, que fazem parte proeminente da diretoria da "Federação Brasileira pelo Progresso Feminino", voaram sobre a cidade em aeroplano, distribuindo cartões postaes e manifestos de propaganda do voto feminino.
Foram as sras. Bertha Lutz, sua brilhante presidente, d.Maria Amalia Bastos, primeira secretaria e dra. Carmen Velloso Portinho, thesoureira.
Um dos postaes tinha os seguintes dizeres:
"As mulheres já podem votar em trinta paizes e um Estado brasileiro porque não hão de votar em todo o Brasil?
Paizes nos quaes as mulheres exercem direitos eleitoraes: Allemanha, Argentina (S.Juan), Australia, Austria. Belgica, Birmania, Canadá…”

A bióloga Bertha Lutz (1894-1976) foi uma espécie de Leolinda Daltro. Filha da enfermeira Amy Lower e do cientista Adolfo Lutz. Chegou a ocupar o cargo de deputada constituinte em 1936, como vice na chapa de Cândido Pessoa, que morrera nesse mesmo ano.
A primeira deputada federal eleita pelo voto popular foi Carlota Pereira de Queirós (1892-1982), em 1934.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

BANDEIRA QUE TEM HISTÓRIA



Pois é, pessoal. Hoje 19 é o dia da nossa bandeira, que foi criada quatro dias após o golpe militar que levou o marechal Deodoro ao cargo de presidente da República. Isso ocorreu no dia 15 de novembro de 1889.
A bandeira é um dos quatro símbolos nacionais. Os outros são: o hino nacional, as armas e o selo.
A nossa querida Inezita Barroso, cantora que tão bem nos fez, chegou a gravar um LP inteirinho com hinos brasileiros. Nesse disco, lançado em 1967, se acha o Hino à Bandeira.
O amigo querido Paulo Garfunkel, conhecido mundo afora pelo apelido carinhoso de Magrão, fez a sua versão do hino num solo de flauta. Confira aí, clicando:


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

JANJA: O PALAVRÃO DA DISCÓRDIA




Eu sempre gostei do Lula, de verdade.

Não direi aqui que conheço o Lula desde sempre. Não, claro que não. Porém recordo que como repórter das Folhas cobri as greves dos metalúrgicos.

Ele não presta, mas é bom.

Em 1979, Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. 

Varamos uma madrugada inteira, eu, Kotscho e ele. Ali pelas 7 horas da manhã, de um dia que não me lembro, chegou anunciado por um assessor de Lula o interventor da entidade.

O interventor era um representante da ditadura que vivíamos, que morríamos. 

O assessor do Lula disse: "o home chegou...".

Pois é, tantas coisas que o passado nos traz de volta ao presente...

E aí, neste presentíssimo que vivemos, ouço no rádio e na TV notícia dando conta de que Lula puxou a orelha da Janja pelo simples fato de mandar, corretamente,  Elon Musk se foder.

Lula, precisamos conversar...

Tomara que Elon Musk vá tomar no janjá!

domingo, 17 de novembro de 2024

VIVA RACHEL DE QUEIROZ!

Hoje é domingo... Mas não foi num dia como hoje, tampouco num sábado ou numa sexta-feira que nasceu no já distante 1910 Rachel de Queiroz. 

Rachel nasceu no dia 17 de novembro, uma quinta-feira. Cedo, muito cedo, ela passou a interessar-se pela vida brasileira a partir do seu Ceará.

Tinha ela 17 anos de idade quando começou a publicar poemas no jornal do Estado onde nasceu. 

Foi no jornal O Ceará que Rachel passou a publicar seus primeiros textos na forma de versos, utilizando o pseudônimo de Rita de Queluz. Não demorou muito, essa Rita passou a integrar a redação daquele jornal. 

Enquanto atuava no jornal, Rachel punha no papel a história da grande seca de 15 que testemunhou. Nessa história ela conta o sofrimento de uma família retirante, constituída por um pai, uma mãe e dois filhos. A fome toma conta desses personagens. Um menino come uma raiz pensando ser macaxeira. Engana-se e morre envenenado, pois o que comera foi mandioca.

No decorrer da história, o casal e o outro filho chegam esfarrapados e se desmilinguindo de fome na capital cearense. Lá são jogados num campo de concentração. Isso, antes da tragédia mundial provocada pelo nazismo.

O menino que tivera o irmão morto na estrada é adotado por uma jovem de nome Conceição, de família proeminente na região. 

Pois bem, é  a partir de Conceição que Rachel de Queiroz constroe grandes personagens femininas enriquecendo sua ampla bibliografia.

Em 1930, Rachel publicava seu primeiro romance com personagens fortes, fortíssimas e cheias de esperança, como essas que acabamos de lembrar. 

O Quinze foi lançado à praça de modo independente. A tiragem não passou de mil exemplares. 

Depois desse romance, que chamou a atenção de críticos do eixo Rio-São Paulo, Rachel continuou publicando livros como Caminho das Pedras; As Três Marias; A Beata Maria do Egito; Dora, Doralina... 

As personagens dessas histórias são incríveis. 

Em Caminho dss Pedras, Rachel mostra a força da mulher como política. O mesmo acontece nos seus outros livros. 

No começo dos anos 30, Rachel chegou a ser presa sob a acusação de ser comunista.

Com a advento do Estado Novo (1937-1945), livros seus e de Jorge Amado, Zé Lins e Graciliano foram queimados em praça pública, em Salvador, BA.

Isto também ocorreria com Pagu, que pela primeira vez foi presa na França também sob a acusação de ser comunista.

Pagu foi presa outras 22 vezes por agentes do Estado Novo. A última prisão lhe rendeu cinco anos de cárcere. O PC a abandonou, como abandonou Graciliano e outros e outros e outros grandes nomes da intelectualidade brasileira. Pagu morreu de câncer. Mas essa é outra história. 

Antes de se tornar a grande escritora que foi, Rachel traduziu uns 40 ou 50 livros do inglês e do francês para o português. Entre os autores que traduziu encontram-se Jack London, Dostoiévski, Jane Austen, Jules Verne, Emily Brönte.

Rachel de Queiroz casou-se duas vezes, teve uma filha que morreu com um ano e pouco de idade. E ela própria no dia 4 de novembro de 2003. Dormindo...

Foi a primeira mulher a conquistar uma cadeira na masculina Academia Brasileira de Letras, ABL, em 1977.

Rachel foi também a primeira escritora brasileira a ganhar o prêmio Camões, em 1993.

É de 1992 o último romance de Rachel: Memorial de Maria Moura.

Maria Moura é uma cangaceira arretada, como a sua autora!

Curiosidade: em 1961, o presidente eleito Jânio Quadros convidou Raquel a ser ministra da Educação do seu governo. Ao declinar o convite, a escritora disse ser apenas uma jornalista, mas que ele poderia contar com ela...

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (148)

Sobre Lima Barreto já falamos um pouco. Mas não custa lembrar que na sua obra ele põe a mulher como em alto patamar. Heroína, quase deusa. Na visão dele, o homem beira o comportamento de uma besta. Não era brinquedo esse Barreto. Ele próprio sentiu na pele os horrores de uma sociedade racista, machista, hipócrita.
No romance Cemitério dos Vivos, que não teve tempo de concluir, Barreto cita curiosamente uma mulher que viveu em tempos da Idade Média. Seu nome: Heloísa de Argenteuil (1092-1164). Essa mulher comeu o pão amassado por todos os diabos, depois de ser seduzida e desvirginada por um cara chamado Pierre Abélard (1079-1142). Era religiosíssimo, vejam vocês!
Heloísa conheceu Bernardo quando tinha uns 17 anos de idade e ele uns 30.
Heloísa e Pierre trocavam cartas entre si de modo muito discreto. Em uma dessas cartas, ela diz a seu amado: “Eu preciso resistir àquele fogo que o amor instiga nos corações jovens. Nosso sexo (o feminino) não é nada além de fraqueza e tenho grande dificuldade em me defender pois me agrada esse inimigo que me ataca”. Em outra carta, Heloisa desabafa:

Enquanto gozávamos dos prazeres de um amor inquieto e, para usar um termo mais vergonhoso, mas mais expressivo, nos entregávamos à fornicação, a severidade divina perdoou-nos. Mas logo que legitimámos esses amores ilegítimos e cobrimos com a dignidade conjugal a ignomínia da fornicação, a ira do Senhor abateu pesadamente a sua mão sobre nós e o nosso leito imaculado não encontrou favor diante daquele que outrora tinha tolerado um leito manchado. Para um homem apanhado em flagrante adultério, a pena que sofreste seria suficiente como castigo. Mas o que outros merecem por adultério, caiu sobre ti pelo casamento, relativamente ao qual estavas convencido de já ter reparado todas as injustiças. O que as mulheres adúlteras fizeram aos seus fornicadores, a tua própria esposa fê-lo a ti…

Leolinda Figueiredo Daltro (1859-1935) foi uma das primeiras brasileiras a lutar a favor da cidadania feminina em todos os sentidos. Era baiana e de profissão enfermeira. Fundou jornais e pelo menos uma revista, Tribuna Feminina, no Rio, para onde se mudou em fins dos anos 80 do século 19. Promoveu discussão e até passeata que tinha a mulher como figura central.

Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 16 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (147)

Grandes brasileiras marcaram presença no campo minado da poesia erótica como a paulista Hilda Hilst, a paulistana Adelaide Colombina e a carioca Gilka Machado. Todas fizeram o que bem quiseram, inventando ou narrando momentos por elas vividos entre lençóis.
Hilst respirava tesão que transformava em amor e cuspia palavrões com a graça de uma pavoa. Exemplo é Filó a Fadinha Lésbica. Um fragmento: 

Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe “Filó, a lésbica fadinha”.
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.

O conteúdo aqui tem um quê do perfil do personagem de Memórias do Abade de Choisy Vestido de Mulher (1868), não? O título já diz tudo: o personagem se vestia como tal e como tal dava prazer à mulherada.
Colombina, que nasceu em 1882 e morreu em 1963, era de classe social abastada. Não deixou uma obra monumental, mas ainda assim bons poemas que ficaram na memória de quem aprecia o gênero. Um desses poemas, Intimidade:

Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem do gozo satisfeito,
descansam do prazer, felizes, irmanados. 

Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,
e, acariciando os meus cabelos desmanchados,
és tão meu… Sou tão tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez dos momentos passados. 

Porém, na tua carne insaciável, ardente,
o desejo reacende, estua…E, de repente,
dos meus seios em flor beijas a rósea ponta… 

E se unem outra vez a lúbrica bacante
do meu ser e o teu sexo impávido, possante,
na comunhão sensual das delícias sem conta…

Gilka Machado, por sua vez, fez barulho e tanto. 
Nem o paulistano Mário de Andrade ficou indiferente ao ler o que Gilka escrevia. Ora falava mal, ora falava bem. 
Ao contrário de Mário, o mineiro Carlos Drummond de Andrade foi direto ao referir-se à autora de Cristais Partidos, lançado em 1915: “Gilka foi a primeira mulher nua da poesia brasileira”. 
Nessa mesma linha de enaltecimento à poesia de Gilka, se sobressaem os escritores Henrique Pongetti, Agripino Grieco e Medeiros e Albuquerque.
Sobre a destemida e invulgar poetisa disse Albuquerque: “É impróprio o elogio do corpo masculino pela mulher, pois parece coisa brutal, luxuriosa, cínica”.
Mas não foram poucos os intelectuais que aplaudiram Gilka já nos seus primeiros poemas e livros. Entre seus admiradores mais entusiastas se achavam Lima Barreto, Afrânio Peixoto, Osório Duque Estrada e o cri-cri poeta e prosador Humberto de Campos, fundador da revista ilustrada A Maçã. Essa publicação durou nove anos, de 1920 a 1929. A sua característica óbvia era o erotismo. Carioca.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

ESCRITORES POLÍTICOS DO BRASIL (7)




Em 1898, Epitácio Pessoa conheceu Machado de Assis. Epitácio foi logo dizendo: "não vamos aqui falar de peste, de pandemia, doença...!".

O encontro foi rápido. 

Epitácio era ministro da Justiça e logo depois acumulou o cargo de ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas no governo de Campos Salles (1898-1902). E por um desses acasos da vida, Machado era o secretário desse ministério. 

O tempo passou como tudo passa, como uva...

Epitácio Pessoa (1865-1942) foi uma figura e tanto da política brasileira. Nasceu no município paraibano de Umbuzeiro.

De família remediada, Epitácio estudou em colégios públicos. Inteligentemente cresceu rápido, tornando-se uma cachoeira ou um tsunami de ideias originais e irrefreáveis. Mais ou menos isso. Ou mais e mais, mais. 

Foi jornalista, diplomata; antes, deputado e depois de presidir o Brasil entre 1919 e 1922, senador pela Paraíba. E foi por aí, Epitácio. 

Como não bastasse, Epitácio foi o cara que abriu todos os caminhos para Rui Barbosa brilhar em Haia.

Foi, Epitácio, o primeiro e único paraibano ministro do Supremo Tribunal Federal, STF.

Foi Epitácio também o primeiro e único paraibano a ir à França para participar de um congresso e de lá voltar como presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. 

Esse foi o nome de batismo da primeira República brasileira. E não custa lembrar: Epitácio foi, junto com Rui Barbosa, um dos mais importantes autores da segunda Constituição, promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891.

A história é longa...

O 15 de novembro marca o dia da proclamação da República, em 1889. 

Deodoro, o marechal, encampou o golpe político-militar que derrubou o Império. O proclamador desse histórico evento traz a assinatura do vereador José do Patrocínio. É muito longa essa história...

O fim do governo de Epitácio Pessoa ocorre no dia 15 de novembro de 1922. O tempo foi junto com ele passando e, o assassinato do sobrinho João Pessoa no dia 28 de julho de 1930, o levou a abandonar a política partidária. 

Deixou vários livros de grande importância para a formação do Brasil. 

Não a toa, esse paraibano foi o presidente que até então se preocupava com a educação formal dos brasileiros. Mais: foi o primeiro presidente a se preocupar com a preservação da história da cultura do nosso país. Nesse sentido fez projetos que, infelizmente, não foram aprovados pelo Congresso. Isso porém, não impediu a admiração que os modernistas tinham por ele.

Epitácio Pessoa foi o cara que inaugurou o rádio no Brasil. 

E  vejam vocês: um dia Adoniran Barbosa me disse que fora garçom do ministro da Guerra João Pandiá Calógeras.

Calógeras, civil, virou ministro da Guerra.

Raul Soares de Moura, também civil, virou ministro da Marinha. 

Pandiá e Moura foram os primeiros ministros civis a ocupar essas pastas.

A decisão, escolha, de Epitácio não agradou aos militares. E aí veio o Tenentismo...

Uma vez, Epitácio disse que Machado de Assis era um péssimo secretário. 

Péssimo porque era minucioso, detalhista, cônscio de seus deveres como funcionário público. E político. 

Isso é história. 

Não custa lembrar que Machado tinha por Epitácio alta consideração. Dizia: "quando estimo alguém, perdoo; quando não estimo, esqueço". 

Leiam sempre Machado. 






quarta-feira, 13 de novembro de 2024

CARLOS ARANHA NÃO MORREU

 Puta que pariu...!

Meu amigo querido José Nêumanne, paraibano lá de Uirauna, acaba de dizer no meu ouvido que o nosso Carlos Aranha morreu. 

Doeu-me à alma a notícia. 

Aranha, paraibano de João Pessoa que nem eu, foi um cara absolutamente fantástico. 

Carlos Aranha e eu fizemos e participamos de muitas histórias. 

Lembro que o colega jornalista João Bosco, que deve estar nas redondezas do Céu e do Inferno, era editor chefe do Jornal Correio da Paraíba. Eu era subchefe. E o Aranha era um dos meus repórteres, quer dizer,  estava sob as minhas ordens. 

Um dia, e outros dias mais, Aranha me pedia aumento de grana no holerite que, na sua opinião, estava completamente defasado. Concordei. 

Levei a questão ao chefão Bosco. Riu da minha cara. E rolou o seguinte: Aranha pediu demissão do jornal e com ele eu também fui. 

Doidura?

Bom, Carlos Antonio Aranha foi um cara do caralho!

Aranha, além de jornalista, foi poeta e produtor musical. 

A história de vida de Carlos Aranha foi uma história fantástica. 

Tem até um momento na vida de Aranha que entra o conterrâneo Zé Ramalho. 

Aranha escreveu no jornal coisa de que Zé não gostou. No começo da carreira. Zé partiu pra cima de Aranha e no Aranha jogou um monte de bofete. 

Aranha chegou a ser presidente da Associação Paraibana de Imprensa, API.

Eu fui um dos primeiros integrantes dessa associação. Cheguei até a proferir palestra lá, junto com o compadre José Nêumanne.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A ONDA AGORA É PODCAST

O rádio anda bambo das pernas, como a televisão.
Os jornais diários, semanais, mensais estão gemendo. Muitos na UTI e outros mais já devidamente mortos e sepultos. 
Isso tudo deve-se à chegada abrupta da Internet, que espalhou e continua espalhando novidades mil em todas ou quase todas as línguas conhecidas. Para o bem ou para o mal.
A Internet oferece muitas opções: jornais eletrônicos, emails, que substituiu os telegramas antes postados nos Correios e Telégrafos. E tem uma coisa boa, muito boa já correndo com pernas firmes e fortes: os Podcasts.
Há pouco, Poliana Helena e o camarada Julian Cuccarese fizeram comigo um papo que gostei muito. Interessantíssimo. Confiram:



CONFIRA O INSTAGRAM DO BLOG: https://instagram.com/assis_angelo/ 

domingo, 10 de novembro de 2024

DE QUEDA EM QUEDA PODE SE CHEGAR AO CÉU


A vida, apesar de tudo, é boa demais.
É frágil a vida, frágeis somos todos nós. Mesmo assim, a vida é uma dádiva. Por cá, por essa terrinha de ninguém, pagamos apenas impostos para civilizadamente em tese, vivermos.
Pois é meu amigo, minha amiga. Eu gosto de viver. Pois adoro desafio...
Outro dia, tomei conhecimento de um acidente sofrido por Lula. Ele entrou no banheiro e tá-tá-tá, caiu. O resultado disso é que além de uma boa lição, levou não sei quantos pontos na nuca.
Isso me fez lembrar que há uns 10 anos, talvez um pouquinho mais, eu cá em casa me balançava na rede quando facilitei e caí. Tasquei a cabeça ali quase na nuca na quina de um banco que tinha bem atrás da bendita rede. O resultado disso foi que, no PS daqui de perto, recebi como prêmio dessa desastrada balançada, 13 pontos.
Pois é, 13 é o número do PT...
Hoje, acho que é hoje, faz uma semana que o cantor abaritonado Agnaldo Rayol levantou-se no meio da madruga e foi pipizar no banheiro. Resultado: escorregou e dançou.
Há 30 anos completados há pouco, foi a vez do músico sertanejo de verdade Tonico, da dupla Tonico e Tinoco, falsear e cair em casa. Na casa lá dele. Morreu, pois.
Sem falar do apresentador Gugu Liberato, que inventou de subir em uma escada, pra fazer sabe-se lá o quê, e dançou!
Não morreram na hora vítimas de queda a cantora Inezita Barroso e o cantador repentista Sebastião Marinho. A queda que sofreram, no entanto, o levaram à cama e na cama ficaram até o dia que Deus os chamou.
Há uns 20 dias foi a vez de, mais uma vez, eu sentir na pele as consequências de uma maldita queda. Fraturei pé esquerdo e desse pé tirei o gesso há pouco. Mas ficou o drama, né?
O pior disso tudo, especialmente na última queda por mim sofrida, é que eu estava completamente sóbrio. Quer dizer, sem água no gogó que passarim não bebe. Ai, ai...
Estou sem correr na bicicleta e na esteira desde os últimos 20 dias. Na medida do possível, vou exercitando os músculos do corpo cá no chão. As fotos estão aí em cima, que não me deixam mentir.
Bom, de queda em queda é possível chegar até o céu.
Ei, vocês viram/ouviram a entrevista que o queridíssimo amigo e baita profissional da fotografia Jorge Araújo deu ontem 9 sábado no programa Paiaiá?
E mais não digo, apenas sugiro. Clique aí para acompanhar a belíssima entrevista que o amigo Jorge deu ao radialista Carlos Silvio:


TINÉ

Enquanto dito as palavras aí à querida Anninha, colaboradora aqui há tanto tempo, recebo com alegria a visita do meu queridíssimo amigo pernambucano Flávio Tiné.
Flávio Tiné meus amigos e amigas, é o cara!
Flávio Tiné é pernambucano de Caruaru. Ele falou das coisas loucas que estão acontecendo no nosso Nordeste, no Brasil e no mundo todo. 
Tiné lembra que sua avó costumava dizer que "pobre não gosta de pobre, pobre não vota em pobre".
Disse isso pelo fato de o prefeito aqui de Sampa ter sido "reeleito". 
Tiné tem 87 anos de idade, mas continua insistindo em ser um grão positivo da democracia brasileira. 
E se você não sabe, fique sabendo que Tiné é pai de Paulo professor de música da Unicamp. E que a nora Paola é a violonista do grupo musical As Choronas. Esse grupo existe há uns 30 anos.
Viva Tiné, As Choronas e a vida!
Quer saber mais?
Clique: Blog do Tiné

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (146)

Pessoa morreu de morte natural, ao contrário de Quental e Carneiro, que suicidaram-se.
José Régio, negro de grande inspiração poética, marcou época em sua terra e em boa parte da Europa. Dele é o poema Monólogo a Dois:

Sábia talvez inconsciente,

Doseando com volúpia, uma ancestral sofreguidão,

Ali onde o desejo mais me dói, mais exigente,

Me acaricia a tua mão.

De olhos fechados me abandono, ouvindo

Meu coração pulsar, meu sangue discorrer,

E sob a tua mão, na asa do sonho, eis-me subindo

Àquele auge em que todo, em alma e corpo, vou morrer…


Régio, além de poemas, escreveu contos situados no campo do sagrado e do profano. Exemplos são os livros Sorriso Triste e O Vestido Cor de Fogo.

Em 2020, Samara Mariana Cândida da Silva desenvolveu dissertação de mestrado sobre a sua obra apresentada à Universidade Federal de Goiás. Lá pras tantas, destaca:


A sutileza erótica presente nos contos de José Régio permite refletir acerca do paradoxo que engloba corpo, carne, amor e reprodução. Um matrimônio segurado somente pelos filhos e pela convenção social de que devemos construir uma família, não é capaz de completar a existência do ser humano, assim como também não lhe permite preencher tal vazio que o 

acompanha. 

A plenitude divina não se dá somente pelas orações e templos religiosos, mas acontece no encontrar-se, no compreender-se, no desvendar do significado do corpo que está para além do físico, que se configura no metafísico, que permite ser morada do sagrado e que contemple o desejo erótico sem necessariamente estar cometendo um pecado que lhe acarrete em uma condenação eterna.


E Florbela Espanca, hein?

Ela era altamente depressiva. Sua boca parece que não fora feita pra sorrir. Estava sempre fechada. Mesmo triste escorregando pelos cantos da parede, Florbela escrevia sobre o amor o tempo todo sem, porém, se cansar. Um dos seus poemas, Fanatismo, foi musicado pelo cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, em 1981. Fez sucesso.

Dessa autora, que findou-se por iniciativa própria em 1930, é o poema Nervos d'Oiro:


Meus nervos, guizos de oiro a tilintar

Cantam-me n'alma a estranha sinfonia

Da volúpia, da mágoa e da alegria,

Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente, sem cessar,

Agito os guizos de oiro da folia!

A Quimera, a Loucura, a Fantasia,

Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração, numa imperial oferta,

Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,

É uma rosa de púrpura, entreaberta!

E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,

Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são

Toda a Arte suprema dos meus versos!


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

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