Olhares sobre São Paulo
Assis Ângelo pediu a alguns de seus “considerados” que enviassem
depoimentos sobre São Paulo.
Eles estão reproduzidos a seguir:
São Paulo em notas e versos
A presença e a contribuição de Assis Ângelo na cultura nacional estão
consagradas na sua vasta obra de pesquisador e de artista. O seu esforço em
reunir cerca de três mil músicas e composições de alguma forma relacionadas
com a cidade de São Paulo constitui um reconhecimento à altura da metrópole
fundada pelos jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta e que se tornou
símbolo e síntese da grandeza do Brasil. A alma nordestina e a brasilidade de
Assis Ângelo ganharam asas e inspiração em São Paulo, e o apreço pela cidade
mobilizou o pesquisador na busca das demonstrações de carinho e amor de tantos
quantos músicos e compositores tomados pela mesma paixão. Assis Ângelo deve a
São Paulo o acolhimento generoso que recebeu, e São Paulo deverá para sempre
ao ilustre paraibano de João Pessoa o acervo musical de merecidas homenagens.
Aldo Rebelo − Jornalista e escritor
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Encantos de São Paulo
Uma cidade tão grande e diversa e produtiva quanto São Paulo haveria de ser
inspiração para farta produção de música diversa e, muitas vezes, grande. A
Pauliceia e muitos de seus bairros e logradouros − a Praça da Sé, a Avenida
Paulista, o aeroporto de Congonhas, o estádio do Pacaembu, a Mooca, a Pompeia
− têm inspirado tantas obras musicais quanto as atrações cariocas, excelentes
cartões de visita para passeio e lazer, ao passo − passo bem paulistanamente
ligeiro − que os encantos de Sampa refletem esforço, trabalho, luta pela vida,
até o prazer é conquistado. Este que vos escreve precisou aprender a entender
a cidade onde nasceu para vir a gostar dela. Vivi dos 12 aos 22 anos no
interior paulista, sempre reclamando da poluição, agitação e neurose da
“capitár”. Mas, uma vez de volta, em dois anos me assumi de vez como
paulistano. E, como compositor, já escrevi algumas dezenas de canções, quase
sempre bem-humoradas, sobre a terra onde a garoa é mais garoa.
Aqui vai uma de bom humor lírico:
Ayrton Mugnaini Jr. – compositor
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I Love that Dirty Water
Em 1991, como correspondente de The Financial Times, fui convidado para fazer parte de um grupo minúsculo de jornalistas, quase todos brasileiros, que se encontraria com o governador Luiz Antonio Fleury Filho. O governador anunciou um empréstimo então recorde do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a despoluição do Rio Tietê. Fiz uma matéria relativamente extensa para aquele grande jornal inglês. Tanto dinheiro para um projeto ambiental era inédito. Depois, Fleury prometeu beber água do rio no ano 2005. Nada disso. Em 2007, em parceria com a TV PUC São Paulo, recorri quase todo o rio, desde a fonte (onde, sim, eu bebi um copo de água) até lá longe, no interior, onde o rio finalmente voltava a desfrutar a vida. Acompanhei uma peça de teatro flutuante dento da cidade de São Paulo, uma iniciativa que simbolizava a importância cultural do rio para a metrópole. Ao pousar em Guarulhos no final do ano, vindo de Paris, para minha primeira visita desde o começo da pandemia, vi a triste realidade: milhões de dólares e duas décadas depois, o rio continuava morto.
O título acima vem da música de mesmo nome pelo conjunto The Standells, gravada em 1966:
Os roqueiros cantavam o Rio Charles, de Boston. Naquela época, quem caía no rio da cidade de Boston era encaminhado para o hospital. Hoje você pode nadar no Rio Charles. Até quando esperar para a volta do Tietê?
Bill Hinchberger – jornalista norte-americano
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Um pulo em São Paulo
O sonho de quase todo garoto do interior do Brasil é ir para cidade grande.
Para um garoto do sertão baiano, o destino, no sonho desse garoto, é São
Paulo. Comigo não foi diferente. No Paiaiá, povoado do município de Nova Soure
(BA), vivi até os meus 21 anos de idade. Mas desde a infância São Paulo já
passeava na minha imaginação. Um dia dou um pulo em São Paulo, pensava, ao ver
muita gente chegar de férias e com um novo visual. No dia 10 de janeiro de
1999 desembarquei no Terminal Rodoviário do Tietê. Do espanto inicial, por
contemplar o vaivém dos carros, o pra lá e pra cá de um monte de gente
apressada que parece não encontrar seu destino, há uma relação de amor e muito
afeto. São Paulo é minha segunda casa. Depois do meu Paiaiá, é a cidade que
mais amo. A cidade onde aprendi o pouco que sei; cidade que continua a me
ensinar. Obrigado, São Paulo!
Carlos Sílvio Ramos – radialista (Paiaiá na Conectados)
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Vim-me embora pra São Paulo
Vim-me embora pra São Paulo. Aqui não sou amigo do rei. Aqui não tenho a
mulher que eu quero nem a cama que escolherei. Vim-me embora pra São Paulo.
Lá, no sertão baiano de Nova Soure, eu não era infeliz. Aqui a inexistência é
uma desventura de tal modo pertinente que Getulio Vargas, do Sul, rei e falso
dirigente, vem a ser contraindicado até para a sogra que já tive. E como não
farei academia, não andarei de motobói, não montarei em viatura braba da Rota,
não subirei em arranha-céus, não tomarei banhos de enchente? E, quando não
estiver cansado, levanto na beira do rio Tietê, mando chamar os bueiros de
esgoto pra me desmentirem as histórias que, no tempo de eu adulto, a Turma da
Mônica jamais iria me contar. Vim-me embora pra São Paulo. Em São Paulo, não
tem tudo. É outra esculhambação. Não tem um processo seguro de impedir o
assalto e qualquer violação. Não tem mais bondinho elétrico, não tem mais
madrugadas à vontade. Não tem mais acompanhantes vestidas para a gente azarar.
E quando eu estiver alegre, mas alegre de ter um infarto na poluição, quando
na garoa da manhã me der vontade de viver, aqui não sou amigo do rei, não
terei a mulher que eu quero nem a cama que escolherei. Assim mesmo e apesar de
tudo, vimme embora pra São Paulo.
Darlan Zurc − historiador
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Por que estou em São Paulo
Só podia ser uma cidade com nome de um santo – São Paulo – a que me acolheu, depois de longos anos de batalha nesta minha vida. São Paulo, você vem me dando tanta alegria e profissionalismo que não me vejo saindo daqui pra morar em outro lugar! Aqui, eu consolidei minha carreira de músico, cantor e compositor; conheci pessoas; conquistei espaços para criar e implantar muitos projetos educacionais e culturais! Aqui, eu criei meus filhos, minha família e fiz grandes amigos... e me criei como cidadão! Eu até fiz músicas pra São Paulo!... Uma, São Paulo, Esquina do Mundo, com o jornalista e escritor Assis Ângelo, e a outra, Cruzando a Pauliceia, com o músico Fubá! Além, claro, de tocar e cantar, em shows com Tom Zé, duas grandes músicas feitas para a cidade, que são: Augusta, Angélica e Consolação e São São Paulo. Agora, SÃO PAULO, continue me acolhendo e me ensinando a ser uma pessoa cada vez melhor! Obrigado, São Paulo!!!
Jarbas Mariz – músico, cantor e compositor
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Valsa Paulistana
No ano de 2005 foi criado na cidade de Salzburg, na Áustria, o Instituto
Karajan, na casa onde nasceu o maestro. Nesse Instituto estão armazenados
todos os dados e documentos da vida e carreira do maior maestro da segunda
metade do século XX em todo o mundo. O Instituto é um centro cultural que
promove hoje os mais diversos eventos e atividades culturais. Quando ele foi
inaugurado, em 2005, um grupo de instrumentistas da Filarmônica de Berlim −
orquestra que ele regeu por mais de três décadas − foi convidado para
participar da festa de inauguração, já que a orquestra inteira não caberia na
casa. Esse grupo de instrumentos de sopro pediu-me que escrevesse uma peça bem
brasileira para animar a festa de inauguração. Pois bem. Enviei a eles a mais
brasileira das músicas, uma valsa. Uma Valsa Paulistana. Os alemães morreram
de rir. Como uma valsa “bem brasileira” para a “terra da valsa”?
Mas, a
nossa valsa não tem nada a ver com as valsas vienenses, dançantes, festivas.
Nossa valsa, de estilo paulistano, é sentimental, lenta, chorosa... Bem. A
Valsa Paulistana foi executada, com enorme sucesso, e gravada pelo Quinteto de
Sopros da Filarmônica de Berlim, selo BIS 952. O CD chama-se Summer Music.
Essa valsa para quinteto de sopros foi acrescentada a uma suíte de nome Belle
Époque in Süd-Amerika, juntamente com um tango e um choro. A partitura
completa dessa suíte encontra-se gratuitamente no site Musica Brasilis.
Júlio Medaglia − maestro
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Cheguei em São Paulo num frio domingo de março de 1978. Eu conhecia a capital paulista dos postais que mostravam uma cidade com muitos prédios, uma linda praça, a República, e a Avenida Paulista, com seus arranha-céus futuristas. Ao descer do ônibus, em Cumbica, bairro de Guarulhos, então com ruas de terra e grandes muros, típicos de uma região industrial, me decepcionei profundamente: “Como São Paulo é feia”, pensei. Somente meses depois passaria a conhecer, de fato, a cidade, como office-boy de uma agência de turismo sediada na Praça da República. Me apaixonei perdidamente, como era de se esperar. São Paulo, a mais cosmopolita das cidades brasileiras, me ofereceu uma profissão, de jornalista e professor, uma boa condição de vida, uma filha, a querida Júlia, e o gosto pela história, adquirida no tempo em que trabalhei cuidando da estante da área em uma livraria, e na condição de repórter de dois jornais, Estadão e Diário Popular, em que escarafunchei essa cidade de alto a baixo. Enfrentei, claro, muitas dificuldades, típicas de um forasteiro tentando se estabilizar − no caso, de um pernambucano do sertão, em plena metrópole −, mas sempre deu certo. Enfim, fico contente em saber que, depois de 42 anos, conquistei a tão sonhada “cidadania” paulistana e estou, a cada dia, mais apaixonado por esta grande cidade. Abraços a todos e todas conterrâneos.
Moacir Assunção – jornalista
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São Paulo de todos nós
Realmente, São Paulo é do mundo todo. Nas pesquisas, São Paulo é a quarta maior cidade do mundo em população, mas em se tratando de espaço, cidadania, trabalho, liberdade, paz e amor, para mim ela é a maior do mundo. Porque, além do trabalho, ela tem de tudo que um ser humano precisa para viver ou sobreviver. Para isso basta que lhe seja um cidadão que respeita o direito de ir e vir, que vive e deixa os outros viverem. Sou mineiro de Alto Belo, distrito de Bocaiúva, no norte do estado. Fui para São Paulo em 1969, e por lá estou até hoje. Rodei o Brasil todo. Estive em Portugal, mas São Paulo nunca saiu do meu coração. Tudo que tem pelo mundo afora você acha em São Paulo. Pra viver em São Paulo basta saber navegar, não importa se é rico ou se é pobre. Fiz mais de 30 músicas em homenagem a essa gigante de cimento e continuarei até o fim dos meus tempos exaltando os paulistas e os paulistanos. A minha carreira artística eu devo muito a essa cidade fantástica e sua gente. A minha eterna homenagem a São Paulo.
Téo Azevedo – músico, cantor e compositor
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Bilhete paulistano para Assis Ângelo
No início da carreira, algumas dificuldades me levaram a fazer o que eu
chamava de “reportagem cantada”. Primeiro foi em Irará, com as pessoas e casos
de lá. Depois, em Salvador, com seus personagens históricos, monumentos que
são muito vivos etc. Quando cheguei em São Paulo, eu, que componho sobre meu
entorno, fiquei sem saber a que me referir nos primeiros dias. O que me salvou
foi que na rua 7 de Abril entrei para ver um filme chamado São Paulo S/A, de
Luís Sérgio Person. Mudou completamente o meu jeito de ver a cidade e seus
problemas. Comecei a escrever as canções que fizeram meu primeiro disco,
chamado Tom Zé – Grande Liquidação. Ou seja, continuei, como era e é meu
costume, a fazer canção sobre o que está à minha volta. Essa “liquidação”
tematiza a explosão da venda a crédito, que anteriormente era uma maldição
para o comércio. Circulava até um dito: “Fiado, cinco letras que choram”. Mas
o fiado passou a ser uma insistência. No dia 21 de abril de 1968, quando
acordei e cheguei à porta de casa, estava fazendo muito frio. Frio mesmo, que
hoje não faz mais.
Eu estava na Rua Conselheiro Brotero e me dirigi para
a Alameda Barros. No meio do quarteirão havia uma banca de revistas e nela,
uma grande manchete: Prostitutas invadem o centro da cidade. Em vez de tremer
frio, comecei a tremer de emoção. E naquele instante me ocorreu toda a forma
da canção São São Paulo, Meu Amor. Quando você encontrava uma pessoa ela quase
imediatamente começava a falar mal e a enumerar os defeitos de São Paulo.
Achando que assim se identificava, mostrando que estava “por dentro”. Reuni
esses “defeitos” e discuti-os no refrão. Tá bom, Assis Ângelo, pode chamar
tudo isso que falei de “paixão por São Paulo”.
Tom Zé – músico, cantor e compositor
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Bairros de São Paulo em cordel
Cacá Lopes, músico e cordelista
Brás
O migrante é povo forte
Busca o sonho, é capaz,
Foi
assim que muita gente
Deixou tudo para trás,
E veio para São
Paulo
Para trabalhar no Brás
Esse distrito que está
Bem na Região central,
À leste do
centro histórico
De São Paulo capital,
Nas terras de José Brás
Que se tornou imortal.
Santo Amaro
No universo dos versos
Cada verso eu encaro,
Laço,
teço, ouso, busco
Meço, rimo, nunca paro,
Chego, canto a Zona Sul
Começo por Santo Amaro
Aldeia de Jeribatiba
Tantas
vezes visitada,
Por José de Anchieta
Firme na sua jornada,
Sobre a criação da vila
Após ser catequizada
São Miguel Paulista
Mais um bairro de São Paulo
Acrescento em minha lista,
Ao descrevê-lo em cordel
À memória se avista.
Minha homenagem em versos
Para São Miguel Paulista
Feche os
olhos, imagine
Como tudo começou,
De’um aldeamento indígena
A vilinha se formou,
Narro poeticamente
Quem o lugar
desbravou.
Cidade Tiradentes
A Cidade Tiradentes
No fundão da capital,
Um conjunto
periférico
E monofuncional,
Tipo bairro dormitório
De proporção sem igual.
Na
América Latina
É tido como o maior
Complexo habitacional
Com
conjuntos ao redor,
Do bairro que a cada dia
Em “infra” fica
melhor.
Capão Redondo
Capão é uma porção
De mato quase isolado,
No meio de
um grande campo,
Já o bairro retratado,
Do tupi – mato redondo
Vem o seu significado.
O nome Capão Redondo
Foi dado por
moradores,
Os primeiros habitantes
Fortes colonizadores,
Também praticavam caças
E eram bons pescadores.
Itaquera
Itaquera – Zona Leste
Seu povo quero saudar!
Trago um canto
diferente
E quero lhe ofertar,
Um Cordel com sua história
À
memória do Lugar
Itaquera é pedra dura
Vem do Tupi Guarani,
Dizem que Tomé de Souza
Um dia passou aqui,
Pela estrada de
Santos
Próxima do Iguatemi.
Paraisópolis
Povo de Paraisópolis
Estou chegando pra rimar,
A história
desse bairro
Na cultura popular,
Convido você leitor!
Para
no tempo voltar.
O processo começou
Lá na década de cinquenta.
A colônia japonesa
Toma posse e logo
tenta,
Transformar as suas chácaras
De grileiro não se isenta