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quinta-feira, 27 de junho de 2024

AINDA FESTA NO METRÔ

Interessante e oportuno o evento joanino que está se realizando na Estação República do Metrô paulistano. Interessante por ter alguém do Metrô lembrado do mês em que se comemora São João, de tabela Antônio e Pedro. De lambuja, São Paulo, no dia 29. E oportuno por tudo isso, ora ora.
Com sensibilidade e delicadeza o pessoal do Metrô instalou barraquinhas com comes e bebes, próprios do período, uma exposição sobre dois concursos de literatura de cordel que promovi nos tempos em que passei por lá e até um palco para apresentações musicais. Gostei.
Nas barraquinhas havia também folhetos de cordel à venda por seus autores.



ADÉLIA PRADO

A poeta e romancista mineira Adélia Prado acaba de ganhar mais dois prêmios. Um da Academia Brasileira de Letras, ABL, e o outro Camões. O da ABL leva o nome de Machado de Assis, fundador.
A primeira mulher a ganhar o prêmio Machado de Assis foi a Tetrazzini de Almeida Nobre de Teffé, mais conhecida como Tetrá de Teffé. O romance que deu-lhe o prêmio foi Bati à Porta da Vida, publicado em 1940.


quarta-feira, 26 de junho de 2024

METRÔ COM FESTA É MELHOR

Assis com a filha Clarissa passeando no Metrô de São Paulo

O Brasil está em festa. De São João.
O São João brasileiro está espalhado de Norte a Sul. É coisa antiga. 
No início não havia festa nenhuma de São João ou a São João. Tampouco aos santos Antônio e Pedro.
Nos tempos de colheita lá pras bandas da Europa, do velho mundo, agricultores colhiam o que plantavam meses antes. Havia fartura e pra comemorar a fartura colhida dos campos os agricultores comiam, comiam e enchiam a cara. Eram pagãos. Portanto, eram pagãs as festas improvisadas pelo povo.
De olho no que sucedia nos tempos de colheita, a Igreja logo cuidou de por carimbo naquilo em seu benefício. E assim foi. E assim é.
E assim, trazida pelos portugueses, comemos e bebemos em louvor aos santos juninos ou joaninos.
Logo mais às 15h tem festa junina na estação República do Metrô de São Paulo.
Andei falando a respeito. Veja:



OUÇA TAMBÉM: RAÍZES DO BRASIL COM ASSIS ANGELO

terça-feira, 25 de junho de 2024

QUE TAL UM DIA DA RABECA?

Na foto, sentados: Serrador, Cego Sinfrônio, Cego Aderaldo e Jacob Passarinho. Em pé, Leonardo Mota

A rabeca é um belo instrumento, não é mesmo?
Esse instrumento tem origem muito antiga. Surgiu ali nas lonjuras do Oriente Médio, África do Norte e Europa toda. Chegou ao Brasil através dos portugueses e espanhóis.
No começo de tudo, a rabeca tinha uma ou duas cordas.
No Nordeste brasileiro ganhou fama através de hábeis rabequeiros como Cego Sinfrônio, Jacob Passarinho, Serrador e Aderaldo; Cego Aderaldo.
A rabeca fazia parte praticamente do corpo de Aderaldo.
Batizado de Aderaldo Ferreira de Araújo, o grande rabequeiro cearense perdeu a visão ao chegar à idade de 18 anos.
Órfão de pai e mãe, Aderaldo aprendeu a tocar rabeca para se sustentar. Encontrou na escritora Raquel de Queiroz (1910-2003) e no historiador Leonardo Mota (1891-1948) o apoio que precisava.
O Cego Aderaldo nasceu num dia de São João e morreu num dia de São Pedro, com 89 anos de idade.
Há um livro muito interessante que fala a respeito da vida e trajetória profissional de Aderaldo. Título: Eu Sou Cego Aderaldo.



segunda-feira, 24 de junho de 2024

SÃO JOÃO PRA TODO MUNDO!



O Brasil e o Nordeste, principalmente, está em festa. Motivo?
O Brasil está em festa porque hoje é Dia de São João, o santo que batizou Jesus nas águas do rio Jordão.
Aliás, o Brasil está em festa no correr de todo este mês, notadamente em Caruaru-PE e Campina Grande-PB.
Falar de São João, Antônio, Pedro e Paulo é uma beleza, sejamos cristãos ou ateus.
Festa é festa, sejamos gregos ou troianos.
O São João como festa é uma herança de Portugal.
A história desses santos eu já andei contando de trás pra frente, de frente pra trás. No rádio, inclusive. Ouça:



domingo, 23 de junho de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (108)

Pois é, não são poucas as histórias em que personagens femininas se dão mal.
Isso ocorre também num dos mais polêmicos livros de Aluísio Azevedo: O Homem, publicado em 1887. Nele, uma jovem de nome Magda se apaixona por Fernando. Os dois prometem se casar. É quando entra em cena o pai de Magda, também pai de Fernando. Detalhe: esses jovens não são filhos de uma mesma mãe. Fernando morre e Magda fica lelé. Fim trágico. Tem veneno na parada e mais não digo.
A ideia de pôr veneno em copos e pratos alheios sempre foi corrente nos contos e romances escritos mundo afora.
No livro Lágrima de Mulher, do mesmo Aluísio, tem disso. O caso envolve uma certa Rosalina e seu amado Miguel, moço pobre e apaixonado. Órfão e sem vintém, Miguel herda uma rabeca e o talento do pai. E por aí vai. O livro é de 1880.
Veneno há também na história que envolve Romeu e Julieta, não é mesmo?
E no enredo de Tristão e Isolda?
E com Peri de Ceci no famoso romance de Alencar?
Até nas histórias infantis o veneno se faz presente como na história A Branca de Neve e os Sete Anões. A personagem come uma maçã envenenada, morre e é ressuscitada com um beijo de língua bem dado por um príncipe que vivia sem fazer nada.
Nuns 10 ou 15 livros da escritora inglesa Agatha Christie (1890-1976) o veneno faz o efeito esperado, matando quem a autora quis. Num desses livros, Brinde de Cianureto, a autora põe na roda um casal e amigos para comemorar um aniversário. A aniversariante morre na hora ao ingerir um copo de bebida. Suicídio ou assassinato? A leitura é palpitante.
Na vida real, pessoas encontram no veneno o meio de desaparecer do mundo. São muitos e muitos casos. Incontáveis. Desde sempre.

O pai do socialismo científico, Karl Marx (1818-1883), em vida comeu o pão que o diabo amassou. Se não fosse o amigo Friedrich Engels (1820-1895), Marx não teria sido Marx. Engels o alimentava financeiramente, até mesmo após casar-se com Jenny von Westphalen.
Marx era um cidadão conservador, duro com os filhos. Foi pai sete vezes. Dessa ninhada sobreviveram até a fase adulta Jenny, Laura e Eleanor.
A caçula Eleanor teve fim trágico, suicidando-se ao tomar uma dose de ácido prússico.
Laura, das três irmãs a do meio, suicidou-se junto com o marido Paul, ambos também tomando uma dose de veneno, cianeto. Isso foi na França e, mais precisamente, no dia 25 de novembro de 1911.
Jenny foi dessas a única que não optou matar-se. Morreu vítima de câncer.
Marx, não custa dizer, seguiu exemplo de muitos machos do seu tempo e dos tempos atuais. Casado, traiu a mulher com a governanta. Dessa relação nasceu um varão: Freddy, que morreu em janeiro de 1929 com 78 anos de idade.
Causa-mortis de Marx: bronquite.
O veneno se apresenta nas formas mais variadas. 
Tem vários casos de pessoas que envenenam relações de outras pessoas, inventando mentiras.
Mais coisa brava, brava mesmo, ocorreu no período da caça a judeus e minorias diversas por Hitler.
Em Auschwitz, pelo menos 6.000 pessoas foram sufocadas e mortas pelo gás Zyklon B. Muitos livros contam essa história. O livro A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak, por exemplo. Embora volumoso, com umas 500 páginas, o livro é de fácil leitura. Emociona. Tem palavrões aqui e acolá.
A Chave do Tamanho não tem palavrão nem veneno, embora faça referência ao nazismo é de Monteiro Lobato, publicado em 1942.
O nazismo é uma praga que jamais será esquecida. E que nunca se repita.
Bom, veneno por veneno…
No final do século 19 rolou um papo que dava conta de que Machado de Assis fora pai de um filho gerado pela mulher de José de Alencar. Hummm… Veneno puro cuspido pela língua ferina de Humberto de Campos (1886-1934). Mário, morreu em 1925. Era advogado e poeta.

Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 22 de junho de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (107)

José de Alencar era cearense e Machado de Assis, fluminense.

Machado tem coisas maravilhosas no campo do adultério. Contos como A Carteira e A Missa do Galo prendem o leitor do começo ao fim. 

Não sei se todos os cornos são idiotas, mas Honório é no mínimo de uma ingenuidade franciscana. Imperdoável. Dá pra rir. Aparece no conto A Carteira. 

E Capitu, a protagonista do romance Dom Casmurro (1899), traiu ou não traiu Bentinho com Escobar?

Acho que não, mesmo contrariando a máxima de Flaubert. Ele dizia que toda mulher deveria trair o homem. 

A história de Machado passa-se no século 19 no Rio de Janeiro.

No século 19 também foi escrito um romance baseado num fato real. Caso de uma fazendeira casada que passa a ter um trelelê com um parente do maridão. Não há rock nas páginas do livro, até porque isso ainda não existia. Porém, diga-se depressa: o que há é muito sexo e poetas repentistas tirando baião à viola. O marido descobre a safadeza da mulher e por isso é por ela assassinado.

Anos depois, a assassina é vista mendigando nas ruas da cidade onde vivia. 

De que romance estou falando?

Dona Guidinha do Poço, do cearense Manuel de Oliveira Paiva, que foi publicado nos primeiros anos da década de 50 quando o autor já havia falecido há pelo menos 60 anos.

Manuel de Oliveira Paiva foi seminarista, jornalista e militar. Tinha 31 anos de idade quando morreu.

Algo parecido com o enredo de Oliveira Paiva ocorre nas páginas do romance Estudos de Mulher, de Honoré de Balzac, escrito em 1837. No enredo uma mulher trai o seu par.

A personagem de Balzac é astuta, mas isso não impede que o traído trame e execute um plano de vingança.

Quem já leu o conto O Gato Preto, escrito em 1843 por Edgar Allan Poe (1809-1849), encontrará o final de Estudos de Mulher. 

Poe teve uma vida pessoal pra lá de atribulada. Ele fumava, bebia e enchia a cabeça de droga. Um dia foi encontrado caído na rua e levado ao hospital onde morreu. Tinha 40 anos e 20 quando casou-se com uma prima de 13. Foi um poço de infidelidade. 

A história de Edgard Allan Poe lembra um pouco o enredo do russo Vladimir Nabokov (1899-1977) desenvolvido no livro Lolita (1955).

No enredo de Nabokov há um pedófilo que mira suas garras numa garotinha de 12 anos. Mas o tal, que se diz “escravo de uma ninfeta colegial”, começa a cair em desgraça quando a mãe da menina descobre a safadeza num diário guardado a sete chaves por ele. Deu polêmica mundial.

Também parecido com a história de Nabokov é a personagem de 16 anos que aparece no livro A Fugitiva (2012). Nesse livro a autora, Anaïs Nin, fala de uma certa Nicolly que vive sendo o tempo todo abusada por um homem que ela detesta. É quando traça um plano pra fugir do algoz, deixando entender que matou-se. Enfim, a personagem vai em busca de uma nova vida.

Curiosidade por curiosidade, não custa lembrar que essa mesma temática é abordada pela escritora canadense Alice Munro (1931-2024). Ler Fugitiva, livro formado por 8 contos publicado em 2004. Alice Munro foi ganhadora do Prêmio Nobel em 2013.


sexta-feira, 21 de junho de 2024

ALMOÇO COM BOM PAPO, BOULOS E ERUNDINA...



Fazia tempo que eu não comparecia ao restaurante Amigos do Picuí, na Freguesia do Ó. Assim que me viu dona Maria, a chefa, veio correndo me abraçar e lembrar de tempos idos quando lá eu ia junto com o ator Jackson Antunes, ou o compositor e cantor Téo Azevedo e outros mais da linha de ponta da nossa cultura popular.
Ontem 20, no princípio da tarde, voltei ao Picuí levado que fui pelos cantores Dantas do Forró e Fatel.
Quando chegamos ao Picuí, lá já estavam Guilherme Boulos e amigos.
Boulos é o nosso candidato à prefeitura de São Paulo.
Logo após juntaram-se a nós o deputado estadual Paulo Fiorilo e os federais Alfredinho e Luiza Erundina (registro acima). O papo foi bom. Falamos de tudo. Dos nordestinos em São Paulo e da nossa Paraíbeabá.
Lá pras tantas foi anunciado o aniversário de Boulos.
Pra Boulos de repente apareceu um belo bolo. Todos nós comemos e brindamos.
É isso aí!


quinta-feira, 20 de junho de 2024

PUTARIA COMO ARTE?

Em parte, Lula tem razão quando diz que "artista não deve ensinar putaria".
Tal manifestação o presidente da República fez ontem 19 durante solenidade de posse da nova dirigente da Petrobrás, Magda Chambriard. Textualmente, disse ele: 

“Eu sou da turma em que artista, cinema e novela não é para ensinar putaria. É para ensinar cultura. É para contar história, é para contar narrativas e não para dizer que nós queremos as crianças coisas erradas. Não, nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se”.

Pois é, isso mesmo.
Novela, TV, cinema, teatro, são janelas ou vitrines de apresentação do que se faz em arte aqui e alhures.
Agora, especificamente, como classificar putaria?
Putaria seria palavrão, cópula, condenação à mulheres que abortam ou canalhas que estupram?
No campo político há muitas ações ou eventos que podem ser classificadas de "putaria".
No campo sexual é possível também encontrarmos detalhes que podem ser classificados como putaria. Pornografia, por exemplo. Sensualidade, não. E erotismo?
O erotismo e paixão são coisas ou sentimentos que se acham em escritos desde a antiguidade.
Amor, sexo, sedução, e adultério também são ingredientes que poetas e romancistas não deixam de usá-los nas suas obras. O mesmo fazem os artistas plásticos desde sempre. E nem precisa ir longe. O espanhol Picasso e o francês Delacroix usaram os pincéis para produzir belas obras.
Bom, quero crer que Lula se referisse ao ensino da educação sexual nas escolas. E quem pode ensinar isso não são os artistas, claro, são os professores especializados.
É isso aí!


MORRE CHRYSTIAN DA DUPLA COM RALF

Chrystian
Morreu ontem em São Paulo o cantor goiano Chrystian, de batismo José Pereira da Silva Neto. Tinha 67 anos de idade.
Chrystian, irmão de Ralf, começou a carreira artística na Capital paulista. Primeiro disco foi um compacto simples com as músicas Raio de Sol e Hoje a Praia está tão Linda, a primeira uma versão do compositor e ator Mário Lago (1911-2002) e a segunda de autoria de Teófilo Azevedo e Davi Nelson.
O Téofilo aí citado foi nada mais, nada menos o cantor, violeiro e produtor musical Téo Azevedo (1943-2024).
O primeiro disco de Chrystian foi gravado em 1970. Ele tinha 14 anos. RCA Victor. Desse disco participou o irmão Ralf, de batismo Ralf Richardson da Silva. Tinha 9 anos. Os dois foram batizados de Os Pássaros. Afinadíssimos!
Chrystian e Ralf gravaram ótimas modas de viola.
Dois anos depois do primeiro disco, a dupla passou a gravar em inglês com os nomes de Charles e Ralf.
Num ano qualquer dos 80, talvez 82 ou 83, fiz uma entrevista com os dois. Essa entrevista, de uma ou duas páginas, foi publicada na extinta revista Visão cujo o editor era o craque Oswaldo Mendes.
Vamos ouvir Os Pássaros cantando?

quarta-feira, 19 de junho de 2024

ENFIM CHICO OITENTÃO

Hoje é dia de Chico Buarque de Hollanda. 
Hoje é dia de o Brasil bater palmas para Chico Buarque de Hollanda, pois nascido foi no dia 19 de junho de 1944.
Na pia batismal o moço aí recebeu o santo nome de Francisco. Com o passar dos anos e a sua benfazeja entrada no campo da música popular passou a ser chamado de Chico.
Chico passou a ganhar notoriedade a partir do momento que dividiu o 1° lugar com Geraldo Vandré no Festival da Música Popular promovido pela TV Record. As músicas campeãs foram A Banda e Disparada.
A Banda logo recebeu dezenas de gravações no Brasil e no Exterior. 
Tinha Chico Buarque 26 anos de idade quando, em 1966, ganhou o Festival. E não parou mais. Dois anos depois, em 1968, voltou a empatar o 1° lugar com o mesmo Vandré. Dessa vez no I Festival Internacional da Canção, realizado no Maracanãzinho. As músicas empatadas foram Sabiá e Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores (Caminhando).
Mas o campo musical não foi suficiente para acolher todo o talento de Chico. 
Ao mesmo tempo em que compunha músicas, Chico enveredava pelo minado terreno do teatro. Ainda insatisfeito, lá foi ele construindo uma obra literária. O primeiro dos vários títulos foi Estorvo, em cujas páginas se movimentam personagens praticamente anônimos envolvidos em violência e erotismo. 
A obra musical de Chico Buarque trata de tudo: Natal, Carnaval, Futebol, Política, Amor... 
A música natalidade composta e cantada por Chico foi inserida num compacto (vinil) bancada por uma imobiliária de São Paulo. 
Na virada dos 70, por ali, entrevistei o Chico num restaurante localizado nas proximidades da Av. Paulista. Foi publicada numa das revistas da Editora Três. 

terça-feira, 18 de junho de 2024

SÃO JOÃO NO METRÔ DE SÃO PAULO



É sempre bom receber amigos, pessoas queridas, como Rodrigo, Marcelo e Reginaldo.
No final da tarde de ontem 17, eu tive a alegria de escancarar a porta para os cabras aí citados. Trabalhei com Rodrigo e Marcelo. Faz mais de 30 anos. Por esse tempo, concluía o curso de jornalismo o bom Reginaldo, hoje linha de ponta das rede sociais que envolvem o Metrô paulistano. Foi um encontro maravilhoso, bem posso eu dizer assim. E tenho dito!
Rodrigo, Marcelo e Reginaldo fizeram-me relembrar os bons tempos que vivi na labuta metroviária. Foram tempos que andei cuidando da assessoria de imprensa do Metrô.
Realizamos exposições e apresentações musicais no Metropolitano. Lembro que levei as queridas Inezita Barroso e Carmélia Alves, Rainha do Baião, para se apresentar na área livre da Estação São Bento. Coisa bonita e de ótimas lembranças.
À propósito, Reginaldo contou que nos próximos dias 26 e 27 a estação República estará aberta para comemorar o São João. Pois é. Merecemos a alegria que nos dá São João. É isso.
Ah! Sim: eu fiz uma música falando do Metrô. Foi gravada por Costa Senna. Ouça:



Quer saber mais? Clique: 

SÃO JOÃO DE TODOS NÓS



O São João continua espalhado Brasil afora, principalmente no Nordeste.
Tem São João bonito em Sergipe, Paraíba e Pernambuco. Vai vendo...
No último dia 8 no chamado maior São João do mundo, a grande atração foi o craque Dantas do Forró. Foi muito legal, ele disse. "Pretendo voltar a Caruaru no próximo ano", acrescentou.
No Dia dos Namorados, 12 de junho, o pernambucano Luiz Wilson e a mineira Fatel botaram pra quebrar no palco do São João de Caruaru: "Só deu coisa bonita e ficamos muito felizes", contou a cantora Fatel.
Luiz Wilson, radialista de primeira nas ondas do rádio paulistano, entusiasmou-se todo ao sentir ser mais do que bem vindo a Caruaru. "Senti-me alegre que nem uma criança chupando pirulito", disse.
Bom, eu gosto muito da chamada Capital do Agreste. Morei lá e até editei um jornal chamado Diário do Agreste.  Começo dos anos 70.
Eu conheci bem de perto a famosa Feira de Caruaru, que o rei do baião Luiz Gonzaga cantou. É isso, e mais não digo.



segunda-feira, 17 de junho de 2024

BELCHIOR: SANTO OU SEITA?

Último encontro de Belchior com Jorge Mello, em 2006


Belchior na casa do Assis
Igrejinhas, altares e pequenos oratórios estão se erguendo e se multiplicando em ambientes familiares Brasil afora em memória de Belchior.
Até aí tudo bem, caso o Belchior citado não fosse o nosso Belchior cantor, compositor e ex-seminarista nascido no Ceará no ano de 46.
Isso mesmo, o brasileiro Belchior pode até virar santo! 
A vida pessoal  de Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes foi uma vida pra lá de atribulada. Foi um intelectual. Falava bem o francês, o inglês e arranhava outros idiomas como o espanhol e o italiano. O latim ele o tirava de letra, com a naturalidade de quem bebe água, cheira uma flor e respira.
Eu o conheci bem.
Belchior era um cara pacato, reservado, incapaz de ferir uma mosca.
A sua música, versos e canto eram incomparáveis, com personalidade própria. 
Cidadão afável, Belchior atendia a todos que o procuravam. Gostava de bom vinho, bacalhau e charutos cubanos. Aparentemente normal, não era machão do tipo clássico, mas adorava pular cerca. 
"Meu último encontro pessoal com Bel foi em dezembro de 2006", lembra o parceiro e sócio Jorge Mello. "Esse encontro ocorreu no hall do Cesar Park Hotel, em Fortaleza, onde realizávamos uma exposição de artes plásticas", acrescenta Jorge. 
Dessa exposição participaram também Jô Soares, Chico Anísio e outros pintores bissextos. 
Belchior foi um ótimo pintor.
Jorge Mello compôs 29 músicas com Belchior, duas ou três ainda inéditas. No início da carreira, moraram juntos no Rio de Janeiro. 
O surgimento de altares feitos em memória de Belchior foi natural e natural continuam se multiplicando. Essa multiplicação já se acha na casa dos 50. São iniciativas de pessoas que admiravam muito o artista e nele acreditavam ser alguém fora do comum. Coisa de fã exagerado.
O sumiço de Belchior, injustificado até agora, começou em 2007. Era visto aqui e ali. Até no Uruguai, onde foi localizado por uma equipe da TV Globo. A entrevista foi um tanto atabalhoada. 
Fisicamente, o artista morreu no Rio Grande do Sul em 2017.
Guardo ótimas lembranças dele comendo, bebendo e cantarolando lá em casa. Numa ocasião presenteei-lhe com um pequeno aparelho de tocar discos em 78RPM, que ele adorou. 
Além de vários filhos, Belchior deixou carros (importados) que se acham até hoje em estacionamentos de São Paulo e dívidas que se acumulam. Curiosidade: no ECAD se acham mais de 200 milhões de reais procedentes de direitos autorais em nome de Belchior. Essse dinheiro, porém, não pode ser sacado por estar "sub judice".
Até onde essa coisa vai só Deus sabe. 
Bom, só falta o querido Belchior virar santo ou seita.

domingo, 16 de junho de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (106)

O primeiro navegador português a chegar ao Brasil foi Duarte Pacheco (1460-1533).

Depois de Pacheco e Cabral, aportou na costa baiana o lisboeta Diogo Álvares Correia (1475-1557). Isso em 1510. Esse Diogo logo foi apelidado de Caramuru. E é aí que começa a bagunça.

Caramuru juntou-se com várias indígenas da etnia Tupinambá e com elas teve muitos filhos.

Essa era uma prática comum entre os indígenas.

Entre os indígenas, eu disse.

Isso porém não quer dizer que todos os povos indígenas tivessem o mesmo comportamento. Nem todos eram canibais, por exemplo. Tinham regras a cumprir. No campo sexual, inclusive.

A poeta e psicóloga Geni Núñez, da etnia Guarani, aborda a questão no livro Descolonizando Afetos: Experimentações Sobre Outras Formas de Amar (Paidós). Começa dizendo da intromissão dos jesuítas na cultura nativa: “O esforço missionário direcionou-se ao processo de incutir, violentamente, a percepção de que determinados costumes e práticas deveriam ser alvo de remorso, culpa, vergonha e arrependimento. A listagem de condutas imorais era extensa”. 

Caramuru

Para reforçar o que diz, Núñez cita Ana Lúcia Sales de Lima e Sezinando Luiz Menezes: “Dos pecados mais condenáveis pelos padres, destacam-se a nudez, as relações de poligamia entre os membros das aldeias e a condução de suas vidas através dos ensinamentos do pajé (responsável tanto pelo conforto espiritual como por curas aos enfermos)”.

Giacomo Puccini

Lima e Menezes são autores de Que Proveja Isto com Temor, Pois Nós Outros Não Podemos por Amor: A Ação Catequética do Padre Manuel da Nóbrega nos Trópicos Entre 1549-1559.

No seu livro, Núñez define a monogamia e outras práticas sexuais com suas devidas diferenças:


Os prefixos de monogamia (mono-) e de poligamia (poli-) podem aludir, em um primeiro momento, a uma questão de quantidade, como se monogamia fosse pertinente a quem quer se relacionar com apenas uma pessoa e poligamia se referisse àquelas pessoas que desejam se relacionar com várias. Esse é um dos equívocos mais comuns, justamente porque nem “monogamia” é sobre um/único nem “não monogamia” corresponde necessariamente a vários. Na não monogamia, alguém que queira se relacionar com apenas uma pessoa tem o direito de fazê-lo, mas isso diz respeito apenas a si mesmo. Se a outra pessoa quiser também se relacionar com apenas um, sem problemas, mas, se sentir de outra forma, cabe apenas a ela essa escolha. Só quem pode dar consentimento nesse sentido é a própria pessoa, sobre si mesma.


Grosso modo, a história registra que a presença dos jesuítas nas novas terras fez mais mal do que bem.


Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 15 de junho de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (105)

Outro romance também muito legal de José de Alencar é Senhora.
A história de Senhora gira em torno de uma órfã de pai e mãe. O pai morre, a mãe morre e um irmão que tinha, também morre. Mas de uma hora pra outra, por iniciativa do destino, a protagonista Aurélia ganha uma fortuna de muitos contos de réis. A herança é de um avô. Com tanta grana no caixa, Aurélia traça plano pra se vingar de um antigo namorado que não lhe dava bola por ser pobre. Esse personagem tem por nome Fernando Seixas. É um livro arretado!
Outro seguindo essa mesma linha, romântica, é Diva.
A protagonista de Diva, Emília, é uma garotinha feia de 14 anos que ao crescer fica linda e apaixonante. Ainda na adolescência passa mal e é curada por um amigo da família, o médico Augusto.
José de Alencar
A personagem e família são riquíssimas e Augusto, coitado… Esse romance é uma crítica velada à sociedade brasileira do século 19.
Alencar escreveu também três livros identificados com a narrativa indigenista, incluindo O Guarani, Iracema (1865) e Ubirajara (1874).
O romance Iracema conta a história da personagem-título engravidada por um invasor português de nome Martim que a abandona sem nenhuma explicação.
Ubirajara é um herói respeitado na sua tribo, Araguaia. Tem duas mulheres “fixas” e várias amantes. É um relacionamento natural.
Curioso nessa história é o patriarcalismo exercido com todo seu vigor.
Outra curiosidade é a prática de poligamia. Não em todas as tribos, claro.
Não podemos, porém, esquecer que o autor de Ubirajara é um homem branco.
A Iracema de Alencar faz-me lembrar a história contida na ópera Madame Butterfly, de Giacomo Puccini (1858-1924), levada à cena no alla Scala de Milão em 1904.
Nessa ópera, um oficial da Marinha norte-americana engravida uma jovem japonesa e desaparece para depois voltar acompanhado de uma mulher.
Antes de Cabral, outros portugueses apearam por cá. No real e na ficção.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

NÊUMANNE AGORA É DO PEN CLUBE DO BRASIL

O jornalista José Nêumanne Pinto continua fazendo-se presente em ambientes literários Brasil afora. É membro da Academia Paraibana de Letras desde 2008, onde ocupa a cadeira Nº 1 de Augusto dos Anjos (1884-1914). 
No último dia 7, Nêumanne foi integrado como membro do PEN Clube do Brasil.
O PEN Clube, Poesia, Ensaio e Novela, existe originalmente desde 1921, na Inglaterra. O órgão tem como objetivo valorizar as letras e autores. 
Abaixo a íntegra discurso de posse do Nêumanne:


Aos mestres, com carinho

Discurso de posse no Pen Clube do Brasil
Rio de Janeiro 7 de junho de 2024

Permitam-me as testemunhas do momento mais glorioso de minha trajetória intelectual dedicá-lo aos meus mestres, com carinho, como era o título do filme de maior sucesso em 1969, quando, ainda aos 18 anos de idade, portanto antes da plena maturidade, desembarquei neste burgo praiano de São Sebastião do Rio de Janeiro, egresso do sertão e após cruzar o cocuruto do Planalto da Borborema em Campina Grande, minha eterna musa.
Destemidos parceiros desta minha aventura social, venho das mais extremas entranhas das brenhas dos sertões que intitularam dois mestres máximos da língua portuguesa no Brasil: o fluminense Euclides da Cunha e o paraibano do Brejo José Américo de Almeida, nascido em Areia.
Saúdo, antes de todos, o presidente deste Pen Clube do Brasil, Ricardo Cravo Albin, que conheci na década de 1970, quando eu me iniciava no jornalismo. À época em que dirigi a redação do Jornal do Brasil, conheci sua maior obra, o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, com cerca de sete mil verbetes e referência na área musical . E passei a acompanhar muitos de seus 2.500 programas radiofônicos na Rádio Ministério da Educação (MEC). Meu amigo Boni registrou em suas memórias o papel fundamental do nosso presidente na ajuda à liberação de programas da Rede Globo proibidos nos anos pesados da ditadura. Ô, Boni, você não acha que nosso presidente faz falta na Academia Brasileira de Letras? Por isso e muito mais, orgulha-me muito vir aqui ser seu aprendiz.
Vim de muito longe. Nasci no vale do Rio do Peixe, nome apropriado por um riacho sem peixe até porque raramente se deixava emprenhar por águas do chamado inverno da fertilidade quando a seca se esquecia de passar por lá. O riacho pertencia a um verdadeiro Rio do Peixe, afluente do Piranhas vindo do Piancó em direção a Mossoró, ao norte nas proximidades da linha do Equador. Quem não tem muita ideia dessa paisagem insólita poderá vê-la no excepcional documentário O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho, paraibano de Itabaiana, terra de outro gênio, o maestro Sivuca. Desse filme participaram ainda Paulo Pontes, mestre do teatro, e o poeta maior Jomar Morais Souto com versos ilustrados pelas imagens da Fazenda Acuã, que pertenceu a João Suassuna, pai do celebrado teatrólogo Ariano. Aproveito a citação do filme para declinar o nome do jornalista carioca José Vieira Madeira, que, como chefe da Censura na Polícia Federal em São Paulo, concorreu decisivamente para a liberação do documentário citado e também de peças de Plínio Marcos, em cuja mesa no Paribar, atrás da Biblioteca Mário de Andrade, na Praça Dom José Gaspar, almocei diariamente com com Madeira, J. B. Lemos, do Jornal do Brasil, Gilberto Alves da Cunha, cardeal da Polícia Civil de São Paulo e este escriba que lhes fala às vezes com autora Leilah Assunção e a produtora Ruth Escobar.
Nasci de um casal de primos: meu avô paterno, João Evangelista Moreira Pinto, era meio irmão de minha avó materna, Joaquina Ferreira Pinto. Meu pai, José de Anchieta, era filho único de minha avó paterna, Ana Germano Pinto, terceira esposa de meu avô, que teve outros filhos com outras mulheres, inclusive um fora do casamento. Anchieta Pinto morava na casa do tio e sogro Chico Ferreira, onde nasci de um improvável parto a fórceps num ermo sem pronto socorro nem médico, resultado de uma fortuita passagem do doutor Oswaldo Bezerra Cascudo para tomar café com um compadre quando foi obrigado a usar o aparelho que levava na garupa do cavalo para acudir a outra parturiente na vila de Uiraúna, então ainda distrito do município de Antenor Navarro, antes e depois, como até hoje, São João do Rio do Peixe. Sou primogênito. Minha mãe, Raimunda Ferreira Pinto, Dona Mundica, teria mais cinco filhos, um dos quais perdeu ainda com vida, mas sem tino por culpa do Mal de Alzeimer, com o qual convivemos por dez anos até sua morte, aos 92 anos de idade. Seu primo e amor da vida inteira morreria mais cedo, aos 59, vítima de infarto do miocárdio irrigado por açúcar. Do casal aprendi as lições básicas, que me nortearam a vida inteira. O herdeiro do nome do jesuíta (por sinal, celebrado dois dias após a posse na nossa boda de estanho) só cursara o primário, mas não me lembro de ter flagrado na sua vida inteira um erro de grafia e gramática numa letra desenhada com capricho. Era, então, proprietário de uma bodega nas terras dos sogros. Depois, aventurou-se pelas estradas e pela política. Era caminhoneiro, tinha um Chevrolet jandaia, do qual se orgulhava, para transportar cargas de e para São Paulo, Rio e Codó, no Maranhão. Foi vice-prefeito de Uiraúna, que tinha virado município. Saiu do cargo pobre de Jó, a família passando necessidade, quando foi nomeado agente fiscal das porteiras de acesso da Paraíba ao Rio Grande do Norte pela serra de Luís Gomes, e ao Ceará de Icó, perto do açude de Orós, terra de meu amigo Raimundo Fagner. Orós arrastou o vale do Jaguaribe até o Atlântico desenterrando cadáveres em cemitérios de terra revolvida. Anchieta fundou o Uiraúna Tênis Clube, que não tinha quadra e sediava bailes, antes por ele promovidos no armazém vazio do vizinho Antônio Jacinto. E a banda de música de Jesus, Maria, José. Além do português e da caligrafia caprichada, me transmitiu o respeito ao erário e a ambição da obra bem feita.
Mundica foi fundamental na transmissão do amor pela língua portuguesa, que aprendera com as irmãs dorotéias, francesas, quando estudava na Escola Normal em Cajazeiras, terra do padre Rolim, tido e havido como o sertanejo que ensinou a Paraíba a ler. No dia 18 de maio de 1951, data de seu complexo e doloroso primeiro parto, não registrou a dor, mas o encantamento da maternidade. Perenizou-o no texto manuscrito em Meu Bebê, o Livro das Mamães, de Bastos Tigre, com ilustrações de Acquarone, primeiro prêmio da Academia Brasileira de Letras e publicado pela Editora Minerva, em 1945. Abro com ele a edição de Antes de Atravessar, mais recente coletânea de meus poemas, publicada por Thereza Christina Rocque da Veiga em sua Íbis Editora há dois anos. Por favor, ouçam a lavra de mamãe:
“Chegou o almejado dia 18 de maio, o sol brilhava com maior fulgor e intensidade, à medida que ele declinava no horizonte aproximava-se o grande, o maravilhoso, o magnífico e desejado momento. Foi um verdadeiro contraste: enquanto o sol em alegria derramava sobre a terra os seus últimos raios doirando a cocuruta dos montes, os meus ouvidos ouviam a mais suave e encantadora música, os primeiros vagidos do meu filhinho. Nunca havia experimentado tamanha felicidade, e, possuída da indescritível emoção, estreitava em meus braços um bebê cor de rosa. Que era a sublime concretização dos meus sonhos. Não era feliz somente eu naquela noite, adivinho o que se passava no íntimo de Anchieta, meus pais e irmãos, meus pais, que viram pela primeira vez um filho de sua filha.”
Mudamos para a casa de seus tios e sogros João e Nanita, na “rua”, como se dizia. Dizem que herdei muito de meu avô materno, Chico Ferreira, que tinha o hábito de me sentar em sua perna para acompanhar as nuvens da chuva vinda de Souza, Cajazeiras ou Luís Gomes, cuja chegada em poucos dias ele prenunciava sem errar. Era míope profundo, como o sou desde a descoberta, antes dos dez anos de idade. Lembro-me bem de nossa cúmplice espera da chuva salvadora, mas nunca ele ou eu fomos capazes de prever que água possa cair do céu com prenúncios de desgraça e não de bênçãos da fertilidade vegetal, como resta comprovado no Rio Grande do Sul.
Seu Chico morreu aos 72 anos. Em 1986 publiquei em Solos do Silêncio, editado por Luis Fernando Emediato na Geração Editorial, um dos poucos poemas de minha lavra que guardo na lembrança no meio de minhas falhas de memória. Ei-lo:

“Na casa avoenga”

A nuca cansada apoiada
na palma aberta da mão,
os olhos míopes
do velho Chico Ferreira
escutavam o choro do sertão
no céu sem estrelas
da mais escura vastidão.

um sapo
um grilo
um rês
uma rã

Assim era o serão
na Fazenda Rio do Peixe,
de onde fui vindo.

Todo som que me vier
do bojo da rabeca de Bié,
como chuva na telha
e sabor de leite coalhado
com rapadura rapada
– eta emoção!

Uma noite estava numa festa na casa de meu amigo Luís Sales quando os Seresteiros Urbanos tocaram e cantaram uma linda melodia de meu parceiro Gereba, do grupo Bendegó, sobre este poema, que assim virou letra.
Seu Chico casou-se aos 37 anos, com dona Quinou, de 19 anos, filha do coronel Alexandre Moreira Pinto. Era arrimo de família e alfabetizou-se autodidata.
Morreu quando eu tinha seis anos. Chorei muito em seu velório e até hoje me lembro do cheiro de alfazema, usado no sertão para disfarçar o odor cadavérico. Foi velado na casa de meus pais.
Papai era então caminhoneiro e mamãe tomava conta sozinha da prole. Nas noites de verão muito quente no sertão, Cabrinha desligava o motor às 9 da noite e ela nos reunia na calçada de uma casa maior para a qual mudamos. Sua memória fabulosa nos ditava de cor poemas de seus autores favoritos: Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos e Jansen Filho, entre outros. Minha memória avariada lembra-se até estes meus 73 anos da cadência do baiano Antônio Frederico:
Auriverde pendão de minha terra,
que a brisa do Brasil beija e balança,
estandarte que à luz do sol encerra
as promessas divinas da esperança,
antes te houvessem roto na batalha.
que servires a um povo de mortalha.
Certo dia, vi o filme Bocage, o Triunfo do Amor, de Djalma Limongi Batista, e, ao final, chorei copiosamente, pois o ritmo do genial poeta português e personagem de folhetos de cordel licenciosos era o mesmo de Castro Alves, dito por minha mãe. Durante estes anos todos, desde que os ouvi pela vez primeira na vida, considero “a brisa do Brasil beija e balança” o mais inspirado verso da poesia brasileira de todos os tempos. Concorre apenas com outro poema que minha mãe preferia. O Terceiro Naufrágio de Gonçalves Dias, que introduz a seleta de poemas do romântico maranhense, registra que o considero o maior de todos os poetas brasileiros. Refiro-me à imprecação do velho guerreiro tupi, indignado com o filho que pediu piedade aos guerreiros que o venceram e condenaram à morte para repasto por sustentar o pai idoso. Indignado, este não teve dó nem piedade do filho. Reproduzo aqui uma estrofe do poema:
Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.
Citei-o na introdução à seleta de poemas Meninos, Eu Vi, que, por encomenda do colega de Pen Clube, o doutor em letras e querido amigo Deonísio da Silva, a editora Almedina publicou por ocasião dos 200 anos de nascimento de Gonçalves Dias, nosso vate máximo.
Peço vênia para dar mais um exemplo de versos que decorei naquelas noites quentes na calçada da Rua Nova, em Uiraúna, o soneto “Vandalismo”, de Augusto dos Anjos, que empresta seu nome à cadeira número 1, que ocupo na Academia Paraibana de Letras:

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde o nume do amor em serenatas
Canta a aleluia virginal das crenças.

Da ogiva fúlgida e das colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas, os florões, as pratas.

Como os velhos templários medievais,
Entrei um dia nestas catedrais
E nestes templos claros e risonhos.

E, erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos.

Infelizmente dona Mundica nunca chegou a ouvir ou ler meu poema “Stabat Mater”, em sua homenagem. Então, ela ainda vivia, mas o Alzheimer já a tinha privado de seu mais precioso dom, a memória. Ei-lo publicado agora em Antes de Atravessar:

Stat mater dolorosa, dum pendet filius (João, 19;25)

Stabat mater dolorosa juxta crucem lacrimosa dum pendebat filius
(texto atribuído a frei Jacopone Benedetti da Todi)

Quando eu nascer,
mamãe vai sorrir
aquele sorriso beato
que só as mães sabem dar:
um pouco por se ver,
um pouco por ternura;
um tanto por me ter
e outro por tontura.

Quando eu me criar
(bezerro desmamado),
vou beber e tragar
seu leite morno
- um pouco de proteína,
um pouco de gordura;
um tanto de escassez
e outro de fartura.

Quando eu crescer,
seu coração vai pulsar
ao ritmo de bater
de versos ditos de cor,
um brilho de som
na noite escura:
palavras de candura
rompendo a pausa
da infância vaga.

Enquanto eu viver
(ser despido de lembranças),
ela vai gargalhar
de cada travessura
e vai me punir
por cada travessura.
Terei sua bênção,
sendo sua graça
ou sua tortura.
Se terei!

Quando eu morrer,
esteja ela onde estiver,
aqui no planeta
como no jardim do céu,
minha mãe vai padecer
e vai gemer,
minha mãe vai verter
seu pranto adocicado
e o leite derramado
do peito esfomeado,
sobre o leito esparramado.

E, aí, minha mãe vai renascer
nos filhos que eu tiver,
e vai crescer de novo
nos netos que eu lhe der,
e vai viver pra sempre
nos versos que eu fizer:
cantigas de amor
na terra bruta,
na grama dura,
o infinito grão.

Nesta tentativa de homenagear meus mestres com carinho, introduzo agora o padre Bernardo, que me ensinou a cultivar a lógica dos santos Agostinho, bispo de Hipona, e Tomás de Aquino. Tinha oito horas semanais de latim no Instituto Redentorista Santos Anjos em Bodocongó, Campina Grande, Paraíba. E padre Carlos, que não conseguiu me ensinar a tocar violino, por culpa do pescoço curto, me introduziu nas declinações do latim por um escritor maravilhoso, meu ídolo Caio Júlio César, de quem traduzi De Bello Gallico e para cuja língua verti prosa de minha própria autonomia, como diria Isabel de Castro Pinto.
Saído do seminário, fui aluno do Colégio Estadual da Prata, em Campina. Ali aprendi a amar a língua de Camões, Eça, do José de Alencar de As Minas de Prata e de Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, com quem trabalhei na Gazeta de Pinheiros, com a mestra Maria Argentina Brasileiro no primeiro ano científico e com quem tive a suprema alegria de prosear recentemente. Devo-lhe a prática sofisticada da língua em que aprendi a falar e escrever seguindo o exemplo de dona Mundica.
No segundo ano segui o aprendizado da excelência da língua com a professora Francisca Neuma Fechine Borges, que, além disso, deu dignidade acadêmica à discussão sobre a literatura de cordel. Levando-a inclusive para o exterior. Graças ao trabalho desta minha mestra travei conhecimento com a dupla Otacílio Batista e Diniz Vitorino, que, de passagem para participar de seminários universitários em Paris e outras cidades francesas estiveram em minha casa e executaram uma função de poesia popular sertaneja. Nesta época, começo dos anos 1970, travei conhecimento com um dos maiores sucessos desse gênero, Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, de meu colega na redação do Diário da Borborema em Campina Grande, Orlando Tejo, então morando em Brasília e depois em Recife. Graças ao livro de Tejo, na verdade um romance, o rabequista de Tauá, na serra de Teixeira, atravessou o Brasil de cima abaixo e de lado a lado. Embora haja várias dúvidas a respeito da autoria de muitos desses versos, alguns reclamados por Otacílio Batista, outros pelo próprio Tejo, não há dúvida que o repentista surrealista é uma marca da cultura da viola e da rabeca.
Cito uma estrofe autobiográfica extraída do livro de Tejo, primo de William Tejo, que me chefiou na redação do Diário da Borborema.
“Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada”.
Meu querido amigo Antônio Carlos Belchior Fontenelle Fernandes chegou a incluir uma limeirada numa canção de sucesso – “Sujeito de sorte” um mote atribuído por Tejo a Limeira:
“Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” No rastro, Emicida também fez sucesso com o verso.
Mas para não me perder em divagações retomo o rumo dos mestres muito amados para destacar o mais original deles, um “prodígio” na definição do poeta e acadêmico Geraldinho Carneiro, cujo pai, Geraldo Carneiro, foi figura exponencial em minha estréia como jornalista.
Geraldo pai era uma espécie de fac-totum do governador de Minas e candidato à Presidência da República Juscelino Kubitschek de Oliveira, além de parceiro em carraspanas homéricas com o personagem que vou introduzir: Eurícledes Formiga. Geraldo pôs o companheiro de noitadas à mesa com JK, candidato do PSD à Presidência, num comício em Goiânia. No jantar, ao lado do orador, o paraibano de São João do Rio do Peixe elogiou o discurso do pessedista e em seguida contestou: “mas não é seu”. E logo deu a “prova”. dizendo a peça inteira de cor sem omitir uma vírgula. JK só acreditou que Formiga de fato tinha decorado seu discurso quando o boêmio paraibano o disse do fim ao começo. Sim, o homem era um fenômeno de absurda memória fotográfica. Como sobrevivente entre seus muitos amigos acabo de dar testemunho de seus prodígios no nosso sertão do Rio do Peixe, de onde viemos e que agora celebrará o centenário de seu nascimento em 19 de junho de 2024.
Eleito presidente, JK o nomeou chefe do cartório da Justiça Federal, onde lhe fui apresentado pelo poeta negro campinense Arnaldo Xavier, meu amigo de adolescência. Formiga me apresentou ao diretor de redação da Folha de S.Paulo, Cláudio Abramo, no auge de sua fama de maior jornalista brasileiro do século vinte. No dia seguinte estreei como repórter da Local e de lá saí para Jornal do Brasil, Estadão e Jornal da Tarde. E também segui a vocação de radialista, inaugurada na Rádio Caturité da Diocese de Campina Grande e continuada nas rãdios Jovem Pan, Estadão e Eldorado e nas TVs Manchete, SBT e Gazeta. Mas Formiga, discípulo e amigo de Chico Xavier, me seguiria pela vida afora, mesmo após ter desencarnado. Seu filho Quito, quando vereador, me concedeu o título de cidadão paulistano 40 anos depois de eu ter conhecido seu pai e sua mãe, Anabel, que mo indicou então já viúva de Eurícledes. Não exagero ao afirmar que Formiga me fez jornalista em São Paulo quando eu ainda era um teenager do sertão dos rios sem água.
Já não era sem tempo de lembrar Formiga, também foi poeta do mar, embora nascido a 500 quilômetros do pélago profundo.
Aqui lhes trago versos de sal e areia do poeta da lua:
Para falar de amor à minha amada,
ponho tua harmonia nos meus versos;
eles recordam pequeninos búzios,
com tua alma cantando em seus recessos!
Não me é dado saber em quantos portos
ancorei minha nave... em suas quilhas
fulgem as tatuagens de saudades
com as transparências do teu ser ignoto!
Sei apenas que a música da vida
nasce contigo e cresce e envolve o mundo
e o coração-aquário do poeta!
A musa é Anabel, xará de Anabel Lee, que inspirou Egar Allen Poe.
Voltemos, contudo, agora para o amigo de Formiga que me deu o primeiro emprego de repórter num grande jornal, Cláudio Abramo. Este me pôs à sombra de meu eterno chefe, o capixaba J. B. Lemos, outro de meus amadíssimos mestres. Na redação tratou-me sempre como o filho homem que sempre quis ter, mas nunca havia tido algum. Uma vez no escuro abismo dos Andes bolivianos sem saber de onde vinha nem para onde ia, lhe telefonei para me indicar o que fazer. Ele, calmamente, certamente cofiando o bigode, ordenou: “Vire-se!” E me virei. Foi a instrução mais exata que recebi na vida.
Depois, encontrei outro guia numa redação. Ruy Mesquita me chamava a sua sala. Lia um trecho qualquer de um editorial que eu havia escrito. E perguntava: “o que quis dizer com isso?” A contragosto respondia. E ele completava: “e por que não escreveu assim?” Eis aí o mais aconselhável método de orientar um redator desorientado, confuso e complexo. Quando se foram Lemos e Ruy, fiquei mestre de mim mesmo. E errei mais. Muito mais.
Em 1969, ano em que vi Ao mestre com carinho, conheci mestres da vida inteira: o editor Pedro Paulo de Sena Madureira, fundamental na confecção do romance O Silêncio do Delator, que em 2005 ganhou o Prêmio Senador José Ermírio de Moraes da Academia Brasileira de Letras, de 2004, das mãos do filósofo Miguel Reale. Fui saudado por Marcus Vinicius Vilaça, que pontificou: “O passado nos autoriza a recusar anemias no fazimento do presente e na formatação do futuro. O novo nos interessa. A tradição desta Casa não é feita de ancoragem de horas, mas da libertação da palavra. Sem pressa e sem descanso”.
O presidente da Academia Brasileira de Letras era meu amigo Ivan Junqueira, que também conheci na Bruguera da Rua Filomena Nunes. O tradutor magistral de T. S. Eliot traduziu um poema que ocorreu a Jorge Luís Borges quando Maria Kodama estava no Japão e, por acaso, fui a Buenos Aires cobrir para o Jornal do Brasil o julgamento dos ditadores militares e ali conheci Flávio Tavares, autor da obra-prima Memórias do Esquecimento. Lá entrevistei Jorge Luís Borges, autor da magnífica História Universal da Infâmia. Mas nenhum poema novo lhe ocorreu à ocasião. Certa feita, muito depois disso, Ivan revelou, ao apresentar palestra na ABL, que foi parceiro deste pau de arara numa capa do jornal da Condessa em pleno carnaval. Na Bruguera. conheci ainda o poeta e publicitário Nei Leandro de Castro, entre tantos outros ilustres companheiros de trabalho. O chefe da turma era Leonardo Fróes, que depois seria colunista de plantas e jardins e redator da minha equipe no JB. Dia destes localizei-o com a eterna Regina em São Pedro do Rio por um motivo interessante. Sou professo admirador de João Câmara, maior pintor do Brasil e também contista para lá de acima da curva. Depois de ler A Caminho de Querétaro, publicado por dois de meus mestres, com carinho, Christine Ajuz e José Mário Pereira, da Topbooks, comentei isso com Leonardo, de quem Pedro Paulo e eu, na Girafa Editora, publicamos uma tradução dele de Under the Volcano, de Malcolm Lowry, que se passa em Querétaro. Boa ocasião para citar Câmara e Fróes num parágrafo.
Assim como para lembrar como Carlos Leal entrou na minha vida de escritor. Nos anos 1970, no Jornal do Brasil, o inolvidável Mário Pontes me encomendou a crítica do livro de pequenas memórias, como cunhou José Saramago, Antes que me Esqueça, de José Américo de Almeida. Na infância, a miopia profunda e a cabeçorra me valeram dois apelidos: um nem precisa dizer qual é. O outro Zé Américo. Caprichei no escrito. O próprio autor me escreveu um amável bilhete e me entronizou no lugar de seu último amigo de infância no casarão de Cabo Branco, cenário de sua frase “longevidade se consegue com pé na areia”.
Recentemente o professor Marcos Formiga, de São João do Rio do Peixe, me honrou com a encomenda de um texto sobre o livro que considero à altura de ser posto ao lado de Os Sertões, de Euclides da Cunha: A Paraíba e Seus Problemas. Este foi o momento mais honroso de minhas atividades intelectuais. Tudo começou com uma bela edição da Francisco Alves, hoje sob a batuta de Carlinhos. Viva ele, pois.
Em 1974, fui convidado a participar do Encontro Mundial da Comunicação e, por conta disso, almocei uma semana diariamente com Pelé em Acapulco, recentemente destruída pela natureza implacável antes da tragédia do Rio Grande do Sul. Com o Rei, a cuja festa dos 50 anos compareci, a convite de seu geriatra, Eduardo Gomes da Silva, ainda a tempo de aprender em rápido convívio que a máxima simplicidade pode conviver com a glória suprema. Essa lição também foi dada por gênios como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Luiz Gonzaga, Neil Ferreira, Antunes Filho, Tom Cavalcante, Ciro Fernandes, Jacó Pinheiro Goldberg, Ruy Castro, a historiadora Mary del Priore e o crítico mineiro Silviano Santiago, laureado com o Prêmio Camões em 2022, além do artista plástico Raul Córdula Filho. e de Zé Ramalho, meu parceiro em canções como Lua Semente e Do Norte do Norte.
Em 1973, iniciei outra obra da qual me orgulho muito, minha prole. Tenho quatro filhos, os adultos Vladimir, Clarice e Cecília. Deles são meus netos Pedro, Stella, Anna, Giulio e Nolan. O filho caçula é Artur, de meu casamento com Isabel.
Aprendi a escrever com Graciliano Ramos, inigualável na arte da simplicidade profunda. À distância. Não o alcancei em vida quando fui morar no Rio de Janeiro em 1969. Convivi muito pouco com Rachel de Queiroz, que li, primeiro em pílulas na última página da revista O Cruzeiro, que meu pai levava do Rio, além de notícias do Flamengo. No Rio ainda alcancei Rachel de Queiroz. Tratou-me como se fosse o mais aplicado dos discípulos. Na última vez em que a vi, ela estava com a irmã passeando no Jardim Botânico, colhi uma flor para lhe dar e aumentei o fervor por seus textos quando sua simpatia não estava mais a meu alcance. Da infância minhas melhores lembranças mais do que as de Carlinhos de Menino de Engenho eram as do seleiro amargo Zé Amaro, de Fogo Morto, clássico dos clássicos. Nele me divertia sozinho no quarto dos fundos da casa de meus pais na rua Rui Barbosa com Vitorino Papa-Rabo. Teria muito a conversar com Zé Lins do Rego sobre o Flamengo e ele nem chegou a ver Zico jogar. como eu não me deparei com Domingos e Leônidas com a camisa rubro-negra. Nunca vi Garrincha driblar Jordan e até meu ídolo Gerson para rir de minha própria desgraceira.
Faltam aqui dois mestres. Vamos a eles antes que a paciência de vocês se esgote de vez. Meu primogênito, Vladimir, 50 anos, paquerava uma lisboeta e, de volta do Reino Unido para o Brasil parou em Lisboa. Chegou com um presente daqueles que viriam a ser avós maternos de meu neto Pedro, de 21 anos, Vitor e Georgina. Era um volume de O Ano da Morte de Ricardo Reis. Genial. A melhor obra do Prêmio Nobel José Saramago. Em agosto de 1986, o xará nem tinha recebido o laurel e veio lançar o tal dito cujo livro no Brasil. Encontrei-o no hotel em frente à igreja de Santa Ifigênia, no centro velho da Paulicéia Dilacerada, título maravilhoso de outro amado mestre, o poeta Mário Chamie, de Cajubi, mas com sangue de Damasco de Saulo. Li o seguinte poema no hall do hotel e tudo:


“A Seara de Saramago”

Esta língua é minha semente,
machado de mulato do morro,
pátria de poeta lisboeta.

Esta língua é minha visão,
o sol do soldado caolho,
a mão do soldado maneta.

Esta língua é minha música,
na palavra do padre pregador,
no pássaro do padre voador.

Esta língua é minha mulher
tem cuidados de mãe
no leito da amante.

Esta língua é minha rosa,
tem perfume dos sertões gerais,
tem sabor de vinhos do Porto.

Esta língua é meu cavalo
para subir cidades e serras,
que a brisa do Brasil beija e balança.

Esta língua é fel com mel,
cantigas a palo seco
de ninar o futuro.

Esta língua é meu coração,
na tortura, na paixão
e no sal amargo da purificação.

Esta língua é jóia africana,
ela caça a onça caetana,
ela cruza a légua tirana.

Esta língua é fruto de meu ventre,
mata sede de amizade,
me arma nos bons combates.

Esta língua não é de viver,
língua de navegar e de lamber
e de dançar o tango argentino.

Esta língua é meu berço,
esta língua me conhece,
esta língua é meu caixão.

Ao fim da leitura, Saramago chorou. José Paulinho Cavalcanti, que me fora apresentado por Tancredo Neves, me deu a honra de citar a última estrofe em sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Depois da morte de Saramago confidenciei a minha querida amiga Nélida Piñon, que representou a ABL em minha posse na Paraibana, que eu deveria ter sido o primeiro brasileiro a entrevistar Saramago no Brasil. Ela negou: “Foi Millor no Pasquim”. Ela não desconfiava que Lauro Jardim passava certo dia na calçada da Casa dos Bicos em Lisboa, entrou numa sala de fortunas críticas e nelas a de um único brasileiro:. Quanto a Millor, mito que venero, lhe fui apresentado por Fernando Pedreira, que me fez articulista do Jornal do Brasil, quando dirigia a redação, no Antiquário do Leblon. E Boni, aqui presente, testemunhará que o Vão Gogo de minha infância me agradeceu dizendo ser eu a única voz no rádio a falar a língua que sua mãe lhe ensinou.
Ficaram faltando alguns mestres. Como Astier Basílio, que está fazendo doutorado em literatura russa em Moscou seguindo uma indicação deste seu aluno, o único muito mais velho. Astier está lançando livro novo, ora pois. Falo de Eu, como diriam Augusto dos Anjos e Vladimir Maiakóvski, traduzido por ele para uma edição da Arribação do cajazeirense Linaldo Guedes. Como também Jorge Semprún que entrevistei no cofee shop do Hotel Maksoud para falar de minhas adorações por Netacheiev Está vivo e A Segunda Morte de Ramon Mercader. E ainda de Octávio Paz, de cuja entrevista coletiva no Estadão participei, quando trabalhava no Jornal do Brasil.
E, sobretudo, a mestra profissional, a PhD em História pela USP e musa de Antes de Atravessar. Lerei o poema para vocês saberem o quem de fato inspirou esta oração autobiográfica que foi presente do Dia dos Namorados, o qual ora lhes imponho.


“Magister dixit”

Cada passada tua era um caminho aberto! (“O caçador de esmeraldas”, Olavo Bilac)

Com minha mãe, mal saído do berço,
aprendi a ler de carreirinha, como Zeca Diabo,
distinguir algarismos arábicos e fazer contas.
Fui seu primeiro aluno, ela, minha primeira mestra.
De Mundica herdei vida, cara, o amor pela palavra
e a paixão pela poesia e pela leitura.
Com Isabel, assim que partilhei seu tálamo,
aperfeiçoei o que a vida me ensinara de mais útil
para lidar com artimanhas alheias e imperfeições próprias.
A mania que todo surdo tem de falar alto,
o indicador em riste para impor o argumento,
perdigotos inevitáveis na cara do interlocutor,
hábito de interromper em papos íntimos ou formais.
Isabel, a definitiva mestra-escola, me apresenta ao diálogo.
Com ela me aperfeiçoei na arte difícil da conversa,
na qual quase sempre o triunfo leva ao recuo,
permanente aprendizado do legado de Pirro.
Minha mulher é musa bela e inteligente,
não necessariamente nessa ordem, é claro.
Para seduzi-la dei-lhe a obra-prima de Marcel Proust
e ela nem precisou passar do primeiro volume da tradução
para me ensinar rudimentos do texto, que não tinha percebido.
Depois, lhe disse que lera Ulysses, de Joyce, via Houaiss,
mas discordava de quem o julgava o romance dos novecentos.
De minhas leituras no quarto dos fundos de uma casa
nos fundos do Colégio das Damas em Campina Grande, onde ela nasceu,
me deixei fascinar por Eichman em Jerusalém, de Hannah Arendt,
e também por Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger.
No primeiro caso, a encontrei pronta para me explicar
a banalidade do mal e as imprudências do desejo.
Ela havia dedicado anos de um curso universitário
lendo, anotando, rabiscando as obras do ídolo de Lafer.
Trouxe preciosidades indispensáveis para discuti-las.
O então namorado, bom aluno perspicaz, mas relapso,
degustava frases, mas fazia pouco da utilidade do registro,
tratando o lido com reverência, mas se deixando levar
por armadilhas da beleza, da música e do ritmo delas.
Quando a conheci, eu tinha abandonado o vício que ela mantém de marcar,
atenção concentrada no escritor, com exagerada confiança na lembrança.
que tornava traiçoeiro e fugidio o que poderia ser necessário lembrar.
No leito conjugal, antes do sono, ela relembra fatos do dia
com lições do cotidiano, que dona Clio a lembra de me lembrar.
Em tais ocasiões, me diz da relevância de alisar as coisas ásperas
para nunca perder a noção dos objetos que tornam o tato prazeroso.
A sabedoria de minha amada aduz que preto, cinza e branco são cores
e que azedo é sabor que não deve ser preterido pelo prestígio do doce,
principalmente para um parceiro diabético, proibido de acumular glicose.
Ela não deixa seu amado perder a noção do peso dos objetos leves
nem fazer de conta que o feio não deve ser sempre preterido ao belo.
Minha mestra, também doutora, com tese defendida e aprovada,
é capaz de me levar a momentos inesperados em locais antes visitados,
como ao me conduzir à livraria Shakespeare and Company. no Sena,
para confirmar a descrição feita por Hemingway; em Paris é uma Festa,
levando-me a comprar Ulysses. saído do prelo da secular primeira edição.
Da mesma forma me conduziu aos jardins de Giverny
para eu contemplar cores de Monet longe do Museu d’Orsay.
Foi como se as tonalidades de plantas e telas tivessem outra natureza
depois de por elas terem passeado as pupilas verdes da filha de Betânia.
Isabel me ensinou a conversar, tudo aprendo desde que a conheci,
o que ouço tenho logo de lhe contar e tudo o que sei faço eco.
Li Grande Sertão: Veredas num quarto dos fundos nos sessenta,
o reli aos pedaços ao longo de minha vida afora,
e. aos 67 anos, o li inteiro na cama para minha mulher.
Era como se tivesse sido a primeira vez, como sempre com ela.
Manuelzão e Miguelim ocuparam nossa relação sem pedir vênia.
Ler para Isabel me apresentou à saga de Riobaldo e Diadorim.
Lições dessa leitura ao leito foram levadas à Academia
em palestra sobre Rosa e Machado, nossos papas.
Minha mulher tem um trato secreto com Cronos,
que indica didática especial com idosos de sua predileção.
Inclusive me, myself and I, eu entre eles.
Nem sempre cumprimos nossos acordos,
como o que inspirou meu poema “Medeia aqui e agora”:
a promessa de nunca procriar,
abandonada quando ela me disse que queria um filho meu.
O nome dele é Artur e herdou da mãe a capacidade de me educar:
ele me instrui mais do que sou capaz de orientá-lo.
Maria Isabel venera a sempre bela e sempre lúcida Clio em sua fé
na história, cujas datas sabe todas de cor, ao contrário de mim,
que nada sei, datas em particular.
Isabel esfria os estrondos de meu temperamento, que me aflige,
e ilumina as sombras de minha resistência, mostrando meu talento
reluzindo como moedas da Bíblia de todos os tempos.
Li Vingança, Não sobre cangaço na infância e na maturidade,
Releio-o aos 71, debruçado num volume que guarda cheiro e calor da dona.
Ela é sacerdotisa da verdade factual e fugidia,
cujo templo repousa em meu coração.
Ajoelho-me a seus pés, contrito com a devoção que merece;
seu posto de onça feroz a vigiar o sono do filhote,
fazendo a sesta no quarto ao lado,
fruto de nosso amor e presente-mor
em qualquer Dia dos Namorados,
quando acende a lâmpada para alumiar
este preito prestado à beleza e à sabedoria,
cujo brilho Fernão Dias contemplará ao ler Bilac
nas trilhas palmilhadas pelos bandeirantes
e desvendadas pelo mar manso dos globos oculares
da mestra-escola que amo neste momento
muito especial de minha juventude tardia.
Isabel me devolve a infância com gosto de quero mais,
resgatada num verso maneiro de um poema de seu Olavo:
“E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...”

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