Foi num dia como o de hoje, só que do longínquo maio de 30, cheio de emboscadas, mortes, revoluções etc. e tal, que o paraibano de Itabaiana Sivuca acordou o mundo com um berro, talvez de sanfona.
Tudo nele era diferente: o olhar, os cabelos, o andar, os gestos, o falar e a forma de encarar o próprio mundo.
Idéias não lhe faltavam.
Criatividade também não, tampouco sensibilidade e perseverança.
Era um dínamo que o mundo aprendeu a aplaudir desde Recife, passando pelos Estados Unidos e Japão.
Como o baiano Ruy Barbosa, que diz a lenda ter ensinado inglês aos ingleses, o sanfoneiro Sivuca ensinou a meio mundo a tocar bem violão.
Era craque também nesse instrumento.
De natureza, era um ser inquieto.
Milhões de idéias o levavam para onde houvesse uma nota musical perdida ou pronta para ser achada.
Fazia arranjos, compunha, tocava, cantava, dirigia espetáculos, dançava, pulava.
Era contagiante.
Sem dúvida, um mágico era o que era o meu conterrâneo e amigo que Deus levou; de batismo Severino, igual ao do homem que me pôs no mundo junto com dona Maria Anunciada, minha santa mãe.
Dito isso, digo também da alegria que tive ao encontrar outro dia num sebo do Boulevard Saint-Germain, na Saint-German-des-Prés, Paris, proximidades do famoso Café de Flore, um disco de dez polegadas intitulado Sivuca et les Rythmes Brésiliens de Silvio Silveira: Samba Nouvelle-Vague, lançado pelo selo Barclay, cuja capa ilustra este texto.
O Café de Flore, inaugurado em 1887, é famoso por ter contabilizado entre seus freqüentadores intelectuais, pintores e libertários.
Passaram por lá Hemingway, Léger, Camus, Picasso, Delon, Bardot, Belmondo e tantos de tantas áreas do cotidiano invulgar, incluindo Paulo Benites e Peter Alouche. Sartre teria dito: "O Café de Flore pra mim foi o caminho da liberdade".
Sartre ficava lá horas e horas com Simone, trabalhando.
Era uma espécie de escritório dos dois o lugar, também para o poeta Apollinaire.
Ah! Sim, nesse disco Sivuca não faz muito uso da sanfona e dá é gosto ouví-lo cantar, numa entonação que vocês precisam ouvir: bossa nova, mas com dois sambas assinados por ele mesmo: Fala Amor, pendendo pruma batucada; e Rosinia. Afinadíssimo, o Sivuca.
No disco tem Jobim, João Gilberto, esses caras.
Lembro do nosso último encontro, em São Paulo.
Corria a segunda parte de 2006.
Foi num hotel da região da Avenida Paulista, cá em Sampa.
Eu, ele e Glorinha Gadelha, sua fiel escudeira por muitos anos desde Nova Iorque, onde se conheceram. Ele trabalhando, ela estudando.
O cidadão Severino nasceu num maio.
O artista que o mundo acolheu, também.
O primeiro disco de Sivuca foi à praça em maio de 1951, um mês e pouco depois de ser gravado nos estúdios da Continental, no Rio de Janeiro. Trazia duas músicas, dois choros: Carioquinha no Flamengo, de Waldyr Azevedo e Bonfiglio de Oliveira; e Tico Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, que o criador do bebop Charles Parker gravara dois meses antes em New York City e lançara num disco de dez polegadas.
Enfim, viva Sivuca!
Viva Glorinha!
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Encontrar um disco de Sivuca em Paris é algo que nos enche de orgulho. O comentário faz jus ao excelente musicista, bem como me remete ao Boulevard Saint Germain e Saint Michel, por onde também já vaguei algumas noites, como todo latino que se preza.
ResponderExcluirAo lembrarmos Sivuca quero citar a observação que tenho feito. Vejo na atualidade um número cada vez maior de jovens tocando acordeon, não por causa do "sertanejo universitário", mas pela versatilidade que o instrumento vem trazendo aos conceitos musicais de hoje onde o teclado se mostra cada vez mais necessário. É o resgate de instrumento queparecia esquecido.
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