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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

DAS SECAS ÀS ENCHENTES, MORTES EM SÃO PAULO


Estiagens prolongadas sempre foram um problema no Brasil, antes mesmo de os invasores estrangeiros por aqui chegar.
Os problemas decorrentes dessas estiagens estão, de algum modo, registrados em livros escritos por vítimas e observadores, como a cearense Rachel de Queiroz e o alagoano Graciliano Ramos.
No seu livro de estreia O Quinze, Rachel de Queiroz põe em movimento personagens diversos. Entre esses personagens o fazendeiro Vicente e as fazendeiras Maroca e Dona Inácia. Fora esses o vaqueiro Chico Bento, sua mulher, sua cunhada e três filhos, um dos quais acaba envenenados, ganhando uma cruz à beira da estrada.
Nesse livro a autora insere ainda uma jovem de 22 anos, de nome Conceição, louca por leitura e interessada em mudar o modo de vida das mulheres do seu tempo, submissas às ordens e ao poder dos homens. A própria Dona Inácia, sua avó, a recrimina por isso. Ora, onde já se viu uma mulher ir contra os princípios dos homens?
Conceição torna-se professora e uma das mais dedicadas voluntárias do campo de concentração instalado em Fortaleza no tempo da seca de 15, no Ceará.
O tempo passa e chico Bento morre. Morrem também sua mulher e cunhada. Dois dos seus três filhos, vivem a tempo de alcançar a brutalidade da estiagem que vitimaria novas levas de nordestinos perambulantes no sertão. Isso já em 32. A essa época os dois filhos sobreviventes de Chico Bento casaram-se e têm filhos. Cinco ou seis, que seguiram rumos, igualmente sofridos. Perderam-se na Paraíba e Pernambuco. Houve até quem fosse tentar a sorte no Rio Grande do Norte.
Em Recife, fugitivos da seca cearense topam com Mestre Carpina e o Severino de João Cabral de Melo Neto. É só dor e muita reza. E mortos carregados em redes embalados por incelenças.
Sebastião, José e Raimundo, netos de Chico Bento, andaram pelas Alagoas onde conheceram Fabiano, sua mulher Siá Vitória e os seus dois filhos sem nome, o mais Novo e o mais Velho.
Fabiano e Siá Vitória já estavam velhinhos, magros, caquéticos, cheios das marcas deixadas pela tragédia vivida quando em fuga das terras do Sertão, como registraria Graciliano no seu clássico Vidas Secas.
Os meninos mais Novo e o mais Velho também já haviam se casado e tido prole.
A história seguiu.
Em 1953 dois dos netos de Sinhá Vitória e Fabiano, Chiquinho e Tonheta, escutaram no rádio o Rei do Baião entoar a cantiga Vozes da Seca:

Seu dotô o nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas dotô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...
Essa toada tocou profundamente os jovens.
De uma hora pra outra Chiquinho e Tonheta tomaram coragem e seguiram no ônibus até São Paulo, cidade há muito tida por muitos como o "Eldourado brasileiro" ou a Canaã dos tempos modernos. Sofreram, casaram, tiveram filhos, a história de sempre.
Resumo: os descendentes das famílias de Chico Bento e Fabiano findaram afogados nas águas sujas do rio Tietê, na capital paulistana. A notícia chegou hoje cedo através do matutino da TV Globo.
Ia-me esquecendo: a tragédia vivida pelos personagens de O Quinze e Vidas Secas seria registrada pelo pintor paulista de Brodowski Cândido Portinari, em 1944. O resultado desse registro pode ser apreciado no quadro a óleo que mede 180 x 190, exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

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