O que é que vocês estão fazendo aqui reunidos?, pergunto aos meus botões. "É que hoje é um dia especial e a gente resolveu lhe fazer algumas perguntas", começou Lampa, lambendo o punhal. Antes de mais nada, quero saber o seguinte: por que o Lampa não para de lamber o diabo desse punhal?
Após estridente gargalhada, Lampa respondeu: "É que tô doidin pra pegar o cabra que matou Getúlio".
Aaaah! Então é isso, vocês querem que eu fale sobre Getúlio Vargas? "Sim! Sim!", disse rápido o paraibano Mané. E começou: "É verdade que João Pessoa foi candidato a vice presidente na chapa de Getúlio?". Sim, sim. Pessoa foi candidato à vice presidente na chapa de Getúlio.
O assunto vai despertando curiosidade, mais e mais.
O alagoano Zé quer saber por que João Pessoa não virou vice presidente, já que Getúlio virou presidente. E respondo: João Pessoa foi assassinado e Getúlio, embora perdendo nas urnas, virou presidente da República depois de botar pra correr o paulista Júlio Prestes. Isso, em 1930.
"E aquela história de que a Revolução de 30 começou na Paraíba, é verdade?", adiantou-se Barrica. Sim, sim, a Revolução de 30 começou na cidade paraibana de Princesa. Foi lá onde primeiro o pau cantou. O chefe da revolta foi o rico fazendeiro Pereira Lima. "Esse Lima é o mesmo Lima de quem fala Luiz Gonzaga no baião Paraíba?", quis saber Biu. Sim, respondi. E em uníssono, todos fizeram "Óóóóóóh!".
Até então calado, só escutando, o misto de poeta e filósofo popular Zilidoro perguntou: "Getúlio Vargas matou-se ou foi matado?". A história é longa e conhecida. Getúlio matou-se e o seu corpo foi localizado na manhã do dia 24 de agosto de 1954, uma terça-feira. Mais de um milhão de brasileiros foram às ruas chorar por ele. "Como ele morreu?", quis saber Zoião. Com um tiro no peito. E Jão: "O cara era corajoso". Que corajoso nada, Jão! Foi o momento que o fez suicida.
Zilidoro cosca o pescoço e diz: "Nos meus tempos de estudante, descobri que grandes personagens da história mundial se suicidaram, inclusive Cleópatra". É verdade, eu digo.
Curioso, Lampa confessa: "Eu pensei que esse tal de Getúlio havia sido assassinado". Houve instantes em que muita gente pensou isso. E a respeito saiu notícias nos jornais, na imprensa, dando conta de que ele fora morto por um pistoleiro. Mas isso não é verdade. Definitivamente, não é verdade. Ele matou-se por não resistir às denúncias do seu arqui-inimigo Carlos Lacerda. Querem saber mais? Leiam:
O Brasil caiu em prantos e se vestiu de luto na manhã do dia 24 de
agosto de 1954, ao tomar conhecimento do suicídio do gaúcho Getúlio
Dorneles Vargas, baixinho que formara chapa à Presidência no ano de 30
com o paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, morto a tiros
numa confeitaria da capital pernambucana, Recife.
Na hora como a de
agora, naquele agosto de 54, muita gente desmaiava no Rio de Janeiro,
sofrendo tipos diversos de dores e sentimentos no velório do político
que ficou conhecido de norte a sul do País como o “pai dos pobres”.
O Catete, em Copacabana, virou muro de lamentações.
Primeiro, foi a Rádio Nacional que divulgou a tragédia na voz do ministro Oswaldo Aranha, da Fazenda.
Depois,
todas as emissoras de rádios do País emitiam seguidamente a íntegra e
partes mais fortes da carta-testamento do presidente morto.
Essa
carta logo teria interpretação registrada num disco (selo Monumento) de
dez polegadas na voz do paulista Silvino Netto, cantor, compositor,
radialista:
“Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me
derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me
liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais
será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e
meu sangue será o preço do seu resgate”.
A carta dramática, com imagens shakespearianas, findava assim:
“Eu
vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida
para entrar na história”.
Getúlio começou a morrer na Rua Tonelero
pelos tiros de uma Smith & Wesson 45 disparados pelo pistoleiro de
aluguel Alcino João que atingiram o major Vaz, e no Catete quando
acionou o gatilho de um Colt 38 com cabo de madrepérola no próprio
peito. Mas seu fim fora anunciado bem antes, pela boca de seu arqui-inimigo Carlos Lacerda que o chamava nas páginas do seu jornal,
Tribuna da Imprensa, de “protetor de ladrões”.
A história polêmica é conhecida por muita gente.
Um dia antes do suicídio, o jornal Última Hora estampou em manchete uma frase histórica: “Só morto sairei do Catete”.
Nunca, nenhum presidente do Brasil foi tão espontaneamente cantado em verso e prosa como Getúlio Vargas.
Dezenas
e dezenas de músicas foram compostas e gravadas em sua memória. E até
clássicos perduram no nosso cancioneiro, como o rojão Ele Disse, de
Edgar Ferreira, gravado, entre outros, por Jackson do Pandeiro e Zé
Ramalho. Diz o refrão:
“Ele disse muito bem
O povo de quem fui escravo
Não será escravo de ninguém...”
Nunca também nenhum presidente do Brasil fez o que Getúlio fez. E não por falta de bala ou revólver...
Nenhum comentário:
Postar um comentário