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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

AINDA 20 DIAS QUE SACUDIRAM O BRASIL

De certo modo sinto não ter publicado, no tempo aquele, o livro 20 Dias que Sacudiram o Brasil. Esse é um livro que retrata uma parte periclitante que o Brasil viveu, naqueles distantes anos de 1990. Collor, eleito com 40 anos de idade, mostrou-se no seu comportamento playboy uma figura altamente desrepresentativa do povo brasileiro. Como presidente, Collor foi lamentável do começo até o impeachment. O período foi, de certa forma, salvo pelo baiano Itamar Franco. Itamar revelou-se um político necessário ao Brasil daquele tempo. Audálio Dantas, colega e amigo jornalista das Alagoas, sacou tudo isso. Tudo aquilo. E, disse-me, que faria o prefácio de 20 Dias que Sacudiram o Brasil com muita alegria. Essa, segundo ele, era uma maneira de pôr seu bedelho nessa história. E é o que segue. Leiam:
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Neste relato das aflições que marcaram a cena brasileira, num curto período de vinte dias, Assis Ângelo exercita, de maneira simples e direta, a arte de fazer notícia. O que, aliás, é obrigação de todo jornalista que se preze.
Eis aqui uma notícia breve, curta, incisiva sobre um pedaço da tragédia brasileira. Um ato de extraordinária movimentação, que se inicia com as cenas iluminadas da esperança a explodir nas ruas, nos rostos pintados dos meninos, no grito do povo geral reunido nos comícios e termina frêmito de medo que percorre as praias cariocas assoladas pelos arrastões.
O Brasil mudou nesses vinte dias? De um modo ou de outro, mudou.
Collor escorraçado do Palácio do Planalto, onde permanecera por mais de dois anos a esbanjar a vaidade e a arrogância de pequeno ditador de província, não significou apenas a mudança que todos esperamos seja definitiva para a Casa da Dinda. Na esteira de seus passos, na retirada humilhante, cresceu o clamor popular contra a impostura, a safadeza, o furto descarado de um grupo que, ao invés de um projeto político, tinha montado uma quadrilha para assaltar o poder.
Naquele instante o povo se apropriava do direito secularmente usurpado da cidadania. Como nunca acontecera antes, em nossa História, o povo falou pela boca de juizes e parlamentares. As instituições se dignificaram ao interpretar o clamor das ruas. Então, houve uma importante, importantíssima mudança.
Mas a tragédia brasileira não se encerra nesse ato de afirmação popular. O rastro de miséria deixado por Collor em sua passagem apenas marcou mais fundo a miséria secular que atinge a imensa maioria do nosso povo.
Mal Itamar Franco sobe ao poder, caem as bolsas de valores e sobe a cotação do dólar no câmbio negro, numa imediata demonstração de que os donos da riqueza não estão dispostos a perder nada. Com Collor ou sem Collor, a chamada elite quer continuar no seu bem-bom, mesmo que pairando sobre o abismo da miséria mais abjeta. Por isso, um ministério formado em sua maioria por "desconhecidos", alguns até nordestinos, a assusta. E faz com que ela se previna do jeito que sempre fez; remarcando os preços. Porque - a velha história pode vir por aí algum pacote.
Tudo isso acontece enquanto o país navega da esperança à frustração, da alegria dos cara-pintadas ao ranger de dentes do inferno superlotado da Casa de Detenção de São Paulo e do ódio que apagou o sorriso das crianças da Febem.
Assis Ângelo, jornalista, nos dá a notícia que já é história, no livro curto que é um registro, um lembrete, um corte que sintetiza em vinte dias uma tragédia de cinco séculos.
Em flashes, ele nos dá conta das coisas acontecidas nesses vertiginosos dias: o povo nas ruas, à espera do momento de libertar o grito de vitória pela queda de Collor; três dias depois, a descida ao inferno de fogo e sangue da Casa de Detenção; a posse desajeitada do novo presidente e a escolha de seus ministros; a constatação, pelo ministro do Trabalho, de que o salário mínimo é seis vezes menor do que deveria ser o justo e necessário, mas que não há jeito a dar nessa miséria, porque o país não tem com que pagar; o vôo que levou Ulysses Guimarães e com ele muitas das esperanças por um país mais digno.
Finalmente, no vigésimo dia, o arrastão nas praias da zona sul carioca, que são pedaços, ilhas felizes cercadas de miséria por todos os lados, menos um, o do azul das águas. Como num samba dos anos de resistência à ditadura, o morro está descendo. Depois daqueles vinte dias é possível que lhe dêem vez.
 
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Leia o texto original:
 


 

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