Eu
convido vocês para uma conversa sobre cultura popular em que a viola é o
destaque. Estarei lá, logo mais às 20 horas, no auditório da Livraria da Vila,
para o lançamento do livro Conversa de
Violeiro, do violeiro Chico Lobo e do escritor Fábio Sombra, e do CD Cantigas de Violeiro, de Chico Lobo.
Segue
o prefácio do livro Conversa de Violeiro
Livraria da Vila Rua Fradique Coutinho, 915 Pinheiros, São Paulo. |
UM PASSEIO PELO MUNDO DA VIOLA
Assis Ângelo
Como o forró, a moda de viola pode ser
definida como um bisaco de cego, no qual se acham os mais diferentes
badulaques. No caso, ritmos e gêneros musicais.
Em 1949, o rei do baião Luiz Gonzaga
encontrou no seu conterrâneo José Dantas o parceiro que o ajudaria a dar forma
musical ao forró.
Num ano que se perde na história, algo
parecido aconteceu com a moda de viola.
O ritmo/gênero moda de viola passou a
ser conhecido pelo público fora do campo, da roça, no começo do século passado,
quando o brincante tieteense Cornélio Pires, com a ajuda de seu sobrinho
Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado, procurou o representante do extinto selo
musical Columbia, no Brasil, Alberto Byington Jr..
A conversa entre Cornélio e o velho
Byington foi, digamos, nada estimulante no primeiro momento para Cornélio.
A todo custo Cornélio tentava
convencer o empresário a lançar discos com modas de viola. Num certo momento
Cornélio perguntou quanto custava fazer um disco e levá-lo ao mercado. Era
muito caro etc.. Para encurtar a história: Cornélio arrumou uma montanha de
dinheiro e com ela convenceu Byington a lhe abrir as portas da gravadora.
E foi assim que, entre 1929 e
comecinho de 1931, Cornélio Pires levou à praça a série de 52 discos de 78
voltas com seu próprio nome.
Pois bem, além de se transformar no
primeiro produtor musical do Brasil, Cornélio Pires abriu veredas para os violeiros
anônimos que com seus sons originais encantavam os ouvidos do povo nas tardes
compridas dos fins de semana. Assim, desbravado o caminho, a moda de viola,
incluindo toadas, cateretês etc., passou a ser apreciada por um público novo e
ilustrado até então acostumado a ouvir Bahiano, Cadete, Eduardo das Neves e
outros nomes cujas vozes que rodavam nos pesados gramofones, uma grande
novidade da época.
Estamos falando dos primeiros anos do
Século XX.
Em novembro de 1944, o Capitão Furtado
entrava no estúdio da recém-criada Gravadora Continental – hoje extinta- para
produzir o primeiro de uma longa série de discos da dupla Tonico e Tinoco, que
ele acabara de descobrir e que se tornaria lendária entre nós.
Claro que anos antes muitos discos com
modas de viola já haviam sido lançados ao comércio com grande sucesso e muitos
autores e intérpretes viveram financeiramente bem com o que faziam.
Não dá para esquecer de Raul Torres,
Florêncio, Serrinha, Rielinho, Carreirinho e tantos mais que em 1994 ganharam
uma série própria: Som da Terra (Warner/Continental).
Muitas histórias permeiam o mundo da
viola e dos violeiros.
No exterior, até hoje, todo
instrumento que se parece com violão é comumente chamado de violão ou guitarra.
Das matas do Ceará, um dia, saíram os
irmãos Mussaperê e Herundy.
Num ano qualquer os irmãos, ainda
meninos, acharam um violão ou viola e com ela passaram a se entender
musicalmente, e com este instrumento gravaram bem depois, em setembro de 1953,
na velha Continental, o primeiro de muitos discos com o baião Tambor Índio e o
galope Acara Cary, de autoria deles.
Mussaperê e Herundy, dois dos trinta
filhos de um cacique, ficariam mundialmente famosos pelo nome de Índios
Tabajaras.
Neste livro, o mineiro Chico Lobo e o
carioca Fábio Sombra deixaram por instante as violas no canto da parede e
mergulharam no universo caipira e de lá nos trazem informações valiosas de todo
tipo sobre a viola e violeiros. Já no primeiro capítulo, Viola Caipira - Duas pequenas
histórias, Lobo e Sombra falam de folclore e origens do instrumento. No último
capítulo, Retirada, os autores se despedem do leitor com muita graça e alguma
fantasia.
E tome história!
Constituído por 11 partes, o livro Conversa
de Violeiro – Viola Caipira: tradição, mistérios e crenças de um instrumento
com alma brasileira, escrito de forma bem natural conquista o leitor muito
rapidamente, desde os primeiros parágrafos. É como se estivéssemos ouvindo a
prosa e o ponteio dos autores. Saborosos são os causos e o modo como Sombra e
Lobo nos apresentam as crenças, as simpatias, as curiosidades e tudo o mais que
consta do rico, belo e agradável universo da cantoria dos violeiros do Brasil
que ainda, e felizmente, se espalham por aí a fora.
No Rio Grande do Sul temos o trovador,
equivalente ao cantador nordestino, que por sua vez tem também muito a ver com
o cururueiro de São Paulo e o calangueiro de Minas Gerais.
O mundo do caipira ou do matuto, como
se diz no nordeste é, sem dúvida, de grande riqueza. Nesse mundo cabe tudo, até
o que não deveria caber: a mistura das cantigas de viola feitas de modo natural
com a contaminação provocada por instrumentos eletrônicos, iniciada nos fins
dos anos de 1960 por duplas como Léo Canhoto e Robertinho. Exemplos? Basta
ligar o rádio.
A boa viola e o bom violeiro existem
desde os tempos de antanho.
Ali pela virada do século XIX para o
XX, em Canudos, BA, soldados matavam de dia os seguidores de Conselheiro e à
noite, sob as insuspeitas estrelas do céu se transvestiam de violeiros, e
pungentemente cantavam e tocavam em roda para afogar as mágoas, antes de
virarem bicho com a cara cheia de cana.
A música, seja ela de que tipo for,
existe em qualquer lugar; a partir, mesmo, do vento, do mar e até do coração
humano, que bate em compasso binário.
A palavra “caipira” vem do tupi ka'apir ou kaa - pira, língua que o português
Marquês de Pombal decidiu acabar, mas o que não acaba é a moda de viola
representada por muitos ritmos e gêneros vindos da viola, que com sua magia
inspira o tocador a expor suas alegrias e saudades.
Depois de Cornélio Pires e do
musicólogo paulistano Mário de Andrade autor da obra-prima Viola Quebrada, a
moda de viola como tal concebida nos primeiros registros fonográficos continua
sendo apreciada cada vez mais por um público que se multiplica. Isso, não custa
dizer, que se deve a iniciativas de artistas que marcaram presença entre nós:
Tião Carreiro & Pardinho, Bambico (o Dourado da dupla Dourado &
Douradinho), Zé do Rancho, Renato Andrade, Cacique & Pajé, Almir Sater,
Ivan Vilela, Roberto Corrêa, Fernando Deghi, Tião do Carro, Téo Azevedo,
Rodrigo Mattos, Helena Meirelles, Juliana Andrade e Inezita Barroso, por
exemplo.
Inezita, que não tinha na viola o seu
principal instrumento e sim o violão, deixou um legado
muito importante.
Através do seu programa Viola Minha
Viola (TV Cultura), que ficou no ar durante 35 anos ininterruptos, ela
descobriu e incentivou nomes que o tempo confirmaria de real importância, como
a dupla de mineiros Pena Branca & Xavantinho - e Bruna da Viola, sua última
descoberta.
Antes de Inezita Barroso, não havia
orquestras de violeiros como a de Mauá, Osasco, Campinas, etc.
O livro Conversa de Violeiro - Viola
Caipira: tradição, mistérios e crenças de um instrumento com a alma do Brasil,
é para ser lido num fôlego só, de preferência com um disco de Chico Lobo e
Fábio Sombra tocando na sala.
E tenho dito!
Ah! Dizem as más línguas que violeiro
é que aquele sujeito que passa metade do tempo cuidadosamente afinando sua
viola e a outra metade tocando desafinado.
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