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quarta-feira, 11 de junho de 2025

EU E MEUS BOTÕES (90)

Boa tarde, pessoal! Antes que me perguntem, dona Flor disse-me que vai atrasar um pouquinho. Ela está voltando de Los Angeles, EUA, onde uma doidura completa está se anunciando na chamada "terra da liberdade".

"Seu Assis, a minha vida começou comigo achando que os EUA eram a Terra da Liberdade", diz de modo um tanto ressabioso, Zoião. 

O dito do Zoião foi completamente compreendido por todos os seus companheiros. Balançando a cabeça positivamente, Mané levantou-se da cadeira e, dedo em riste, disse: "Terra da liberdade é o meu Brasil!".

"Seu Assis, o sinhô acompanhou o lenga-lenga ontem e anteontem lá no STF?", pergunta de modo incisivo o irmão de Barrica, Biu. Respondi que sim. 

Foi a vez de Barrica perguntar o que achei da fala daquele tal. Respondi: Canalha e canalhice foi o que msis ouvi com meus olhos cegos. 

"Por que o sinhô diz isso?", pergunta num jeito um tanto espalhafatoso o até silencioso Zé.

Zé, meu amigo, eu digo isso porque acompanhei tudo de perto. Eu estava lá, um pouquinho afastado do Xandão. Discretamente. Nada vi, porém tudo ouvi. E sabem o que acho? Acho que  todos vão pra Papuda, e se um ou outro escapar por um motivo qualquer, vai sair com a bola eletrônica pendurada nos pés. 

De repente, para minha surpresa, todos ali se levantam do assento onde se achavam e batem palmas ruidosamente. Urros encheram a casa e o que ouviu-se foi uma frase só: "Seu Assis! Seu Assis! Seu Assis!..." .

Vocês são totalmente exagerados, se a dona Flor hoje aqui estivesse, certo é que ela iria contestar vocês. 

"Seu Assis, antes de o senhor chegar nós estávamos querendo discutir liberdade e falta de liberdade. O que é isso?", pergunta de modo peremptório o poeta Zilidoro. 

Na linha interrogativa do poeta Zilidoro, os irmãos Biu e Barrica olham-se e de repente perguntam-me: "Seu Assis, liberdade é uma palavra fácil, mas difícil de vivê-la".

Hummmm... 

"Acho que a questão liberdade é tema de tempos imemoriais. Teve um cara ali pelo século 18 que andou falando desse tema longamente. Acho que um tal de Montesquieu...", interrompe Zilidoro a fala de Biu e Barrica. 

Fuinha, ali no seu canto à toa, pede licença pra chamar a atenção de Lampa. Diz: "Seu Assis, desculpe, eu me considero já bem entrosado com todos aqui. Mas o Lampa...".

Fuinha, tenho certeza de que já, já, todos nós estaremos completados numa mesma compreensão. 

Ao ouvir o que ouviu, Lampa levantou a cara e sobrancelha sem deixar de cutucar as unhas com seu infalível punhalzinho. 

"...Montê o quê? Montê...  Montêsqui..." . Lampa tentando entender o nome do intelectual francês lembrado por Zilidoro. E nem acabou de tentar dizer o que queria, todos se levantaram batendo palmas e soltando hurras para a historiadora Flor Maria, que acabava de chegar. 


segunda-feira, 9 de junho de 2025

EU E MEUS BOTÕES (89)

Olá, boa tarde pessoal!

"Boa, tarde seu Assis!", disseram todos.

O que vocês estão fazendo nessa barulheira razoável, hein?

Zilidoro é o primeiro a levantar-se pedindo palavra" "Seu Assis, a gente está aqui trocando ideias sobre os últimos acontecimentos cá na nossa terrinha tupiniquim. Pra começo de conversa, a gente tava torcendo pra que o senhor chegasse logo. E sabe por que? Porque a gente toda anda querendo saber sua opinião a respeito da presença do nosso Lula na França. E aí?".

Vocês estão incríveis acompanhando tudo o que ocorre neste mundinho doido...

Zoião interrompe, de repente, dizendo que esse interesse todo dos botões pelos fatos que andam acontecendo deve-se ao incentivo da historiadora Flor Maria. 

"E por falar nisso, ela vem ou não vem hoje?", pergunta Barrica. 

Calma, uma coisa de cada vez. Bom, acho bacana o que o mundo civilizado anda fazendo em torno do nosso presidente. Só o fato de receber o título Honoris Causa da Universidade de Paris 8 é um orgulho e tanto. E o que dizer da recepção especialíssima promovida pela respeitada Academia Francesa? Fantástico, fantástico! Isso não é pra todo mundo, diga-se de passagem. 

"Seu Assis, é verdade que o Lula é o primeiro presidente de uma República destas bandas da América do Sul a ser homenageado pela AcademiaFrancesa?", pergunta, com o semblante um tanto sério, o Biu mano de Barrica. 

Sim, eu respondo acrescentando: antes de Lula, só o Imperador Pedro II foi homenageado pela banca histórica e intelectual daquela Academia. Tal fato ocorreu em 1872. A propósito, cinco anos depois na mesma França o imperador filho de Pedro I era recebido de braços abertos pelo aplaudidíssimo escritor Victor Hugo. 

"Poooxa...", murmurou Mané impressionado com o que estava ouvindo. Zé aproveitou para perguntar se Alexandre Dumas era da família de Hugo, autor de Os Miseráveis. Cabisbaixo Lampa estava, cabisbaixo Lampa ficou. 

Barrica ansioso voltou a perguntar: "E dona Flor vem ou não vem?".

Não, não, Alexandre Dumas nada tinha a ver com Victor Hugo. Nem pai, nem filho. Aliás, Alexandre pai de Alexandre filho era um mestiço neto de uma escrava. O seu pai Tomás, foi o primeiro general negro do Exército francês. Era filho de um nobre com uma negra do Haiti. Napoleão o pôs em desgraça, deixando-o morrer pobre e lascado. 

O silêncio na casa dos botões é total. 

Em silêncio total até então, o Fuinha pede palavra pra perguntar se Alexandre a que me refiro é o autor do livro Os Três Mosqueteiros. Digo que sim. E de novo pergunta se esse Alexandre tinha filho com o mesmo nome. Digo de novo que sim. Digo também que o filho de Alexandre pai era escritor e autor de Dama das Camélias. 

De repente, Mané se levanta imitado pelos demais companheiros: "Olha aí, olha aí, dona Flor!".

"Calma, pessoal. Obrigada pela recepção. Desculpem pelo atraso", diz com sorriso aberto a sempre aguardada Flor Maria. "Vocês estão ótimos".

Fuinha: "Foi Victor Hugo ou Alexandre Dumas o preterido da Academia Francesa?".

Dona Flor, a pergunta é toda sua. Por favor responda. 

"Então, tá. Caro Fuinha, o escritor preterido pela respeitada Academia foi Alexandre pai. O Victor entrou na Academia depois de muita insistência. Mas sabe o que eu acho? Acho que ser imortal de uma academia é pura bobagem".

"Acha mesmo, dona Flor?", provoca Zoião acrescentando: "Então quer dizer que o nosso Machado era bobo por criar e integrar como presidente a ABL?".

"Não, não acho não, Machado de Assis foi um gênio da raça e dos gêneros literários que escolheu. Porém cada qual tem sua opinião. Somos todos mortais, não é mesmo?".

"Dona Flor, tenho-me perguntado a razão de tão agudo silêncio dos nossos intelectuais em torno das lisonjas recebidas no exterior pelo presidente Lula", expressa Zilidoro. 

Iiiih... Esse papo tá ficando sério demais. Mas valeu. O Lula não tem anel de doutor no dedo. Machado de Assis também não...

Fuinha bate palmas e diz: "O Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas, também não cursou faculdade nenhuma e virou o que virou, um mestre".

Bom, pessoal. Tá na hora do cafezinho...


quarta-feira, 4 de junho de 2025

LULA NA ACADEMIA FRANCESA

O Brasil bonito, isto é o Brasil de gente sabida e do bem, está ancho e vibrando pela decisão de alto nível da Universidade de Paris 8 e da centenária Academia Francesa de homenagear o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. 

Amanhã 5 Lula receberá o título de Honoris Causa e sessão especial na referida Academia. 

As homenagens devem-se à luta do presidente brasileiro pela democracia. 

A imprensa europeia, especialmente a francesa, não tem poupado elogios a Lula.

Lula é o primeiro presidente de nossa América a ser  formal e oficialmente homenageado pela Academia Francesa, criada em 1635 por Richelieu.

Antes de Lula, porém, não custa lembrar que o Imperador Pedro II foi também homenageado. Isso ocorreu no ano de 1872.

A Academia Francesa inspirou a criação da Academia Brasileira de Letras, ABL, em 1897. 

As duas academias aqui citadas têm um total de 40 cadeiras. No começo essas cadeiras eram ocupadas só por homens.

Em 1977, a escritora cearense Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na ABL: a de n° 5.

A primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Francesa foi Marguerite Yourcenar. 

Pois é, ainda dizem que o doutor Lula é analfabeto. Aqui não custa lembrar o velho dito popular árabe. Este: "Enquanto os cães ladram, a caravana passa...".

terça-feira, 3 de junho de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (3)


"Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos" (Antoine de Saint-Exupéry no livro O Pequeno Príncipe, citado várias vezes pelo papa Francisco).


Machado de Assis foi um gigante da literatura brasileira. A sua obra corre mundo até os dias de hoje. E creio não ser exagero meu dizer que a sua obra inspira e direciona caminhos de poetas, contistas e romancistas de todos os naipes, desde que partiu na manhã de 29 de setembro do já distante ano de 1908.

Tão grande como Machado foi o português José Saramago.

O "bruxo" do Cosme Velho, como era a boca miúda chamado Machado, começou a publicar seus escritos quando ali alcançava os 15 anos de idade. A primeira publicação foi um soneto dedicado a uma mulher que até hoje ninguém sabe quem. 

Saramago (1922-2010) começou a publicar quando já respirava do alto dos seus sessentinhas. Era bruxo como Machado, no campo da literatura. 

Machado virou bruxo, segundo a lenda, por ter o hábito de queimar num tacho, no quintal da casa onde morava, coisas de que não gostava. 

Lenda é lenda. 

Saramago bruxo?

A pecha de bruxo a Saramago deve-se ao fato de que tirava da imaginação histórias do arco da velha. Com modificações, com começos e fins inimagináveis por seres ou leitores quaisquer. Parecia ser ele um ser do outro mundo. 

Há grandes coisas e momentos em comum entre esses dois craques da literatura clássica. 

Machado nasceu em berço paupérrimo. Seu avô era escravo e o pai nascido livre. A mãe morreu muito cedo e no seu lugar o pai pôs outra mulher. Essa foi de extrema importância na vida do nosso bruxo. Foi ela, uma doceira, que o alfabetizou. 

Saramago também nasceu de pais pobres, no interior de Portugal. Estudou até os 12, 13 anos de idade. A grana da família não dava para bancar seus estudos. Virou serralheiro, desenhista e funcionário público antes de tornar-se quem se tornou. 

Machado, como muita gente deve saber, era jornalista e funcionário público. Aliás, foi como jornalista que Saramago começou a ser conhecido no seu país. 

Joaquim Maria Machado de Assis teve problemas seriíssimos com os olhos. Saramago também, só que sem gravidade. 

Em 1995, José de Souza Saramago publicou Ensaio Sobre a Cegueira. Saiu e continua saindo em várias línguas mundo afora. No Brasil, foram à praça cerca de 500 mil exemplares. Virou filme dirigido por Fernando Meirelles. 

É livro que prende o leitor do começo ao fim. Começa com um motorista que se vê obrigado a parar diante de um farol vermelho. Ao virar verde, o farol se abre para os veículos. Um desses veículos continua parado e o motorista, em desespero, não sabe o que fazer. Esfrega os olhos e diz simplesmente: "Estou cego!".

Machado nasceu pobre, Saramago nasceu pobre e aquele que se tornaria o papa Francisco, também nasceu pobre. Estudou, encheu a cabeça e boca de línguas virando professor de literatura. Falava latim, francês, espanhol, português, italiano e alemão. Inglês falava pouco, de modo reticente. Dá até para juntar sílabas e distribuí-las em linhas ou pés como versos são assim também chamados:


Originais do Brasil 

Portugal e Argentina 

Os três nasceram livres 

Pra cuidar da própria sina 

Pensando e discutindo 

Nossa vida severina


Em 1991, Saramago publicou O Evangelho segundo Jesus Cristo, romance que deixou a Igreja de cabelo em pé. Um tanto nervoso, Saramago chamou o papa de plantão, Bento XVI, de cínico. E palavras de baixo calão não usou para classificar Bento porque, diga-se de passagem, era moço de boa família e bem educado. 

O fato é que esse livro de Saramago provocou a fúria dos católicos mais retrógados. 

A fúria aumentou quando o escritor falou numa entrevista que "A Bíblia é manual de maus costumes". Disse, em seguida, que "O pecado foi inventado pela Igreja".

Quando morreu nas Canárias, Espanha, Saramago foi alvo de pesadas críticas no L'Osservatore Romano. 

Dez anos depois disso, o mesmo jornal tece loas sobre o escritor. Título: Saramago e a Miopia do Mal. 

O último texto publicado sobre Saramago no L'Osservatore Romano teve caráter de paz, entre o escritor e a Igreja. 

Guerra da Igreja com autores ao longo do tempo não teve passo para trás, pelo menos até 1966. Nesse ano, o Índex foi oficialmente suspenso. Mas autores como Shakespeare, Maquiavel, Galileu, Descartes, Voltaire, Sartre e Vitor Hugo continuam com obras indesejáveis à visão da Igreja. 


O mundo todo viu

Tranquilamente rezar 

Pedindo mais tempo a Deus 

Para entre nós ficar 

Seu desejo era fazer 

À Terra a paz voltar 


O Francisco papa foi chamado de o melhor representante da Igreja Católica. Era popular, estava sempre ao lado do povo. Pra ele, todos éramos iguais: preto, branco, gordo, magro, alto, baixo, careca e cabeludo... Masculino, feminino e gêneros outros que formam a nossa sociedade desde sempre. 

Em junho de 2016, em audiência pública no Vacaticano, o Papa aqui dito lembrou a história do cego de Jericó. Uma história fantástica. Nessa história, o personagem é Bartimeu, nascido cego. Cristo o curou. 

O cego, como o sertão de Guimarães Rosa, está em toda parte. 

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