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terça-feira, 28 de outubro de 2025

EU E MEUS BOTÕES (94)

Boa noite, pessoal!
Começo saudando meus queridos botões na casa do Zilidoro. Desnecessário é dizer que toda vez que nos encontramos numa ou noutra casa dos simpáticos botões sou saudado por urras e uma chuva de palmas. Quando a uma das casas vou acompanhado por Flor Maria a recepção é bem maior. Por que será, hein? Nem bem digo o que acabo de dizer, Zoião dirige a palavra à Flor Maria. 
- Dona Flor, a senhora costuma acompanhar a violência terrível que ocorre nos quatro cantos do nosso país?
- Sim, por que tal pergunta?
- Perguntei porque hoje cedo acordei ouvindo pelo rádio um monte de tiros disparados por policiais e bandidos no Rio. Um horror!
- Zoião, claro que costumo acompanhar tudo que ocorre no nosso país. Uma hora é floresta pegando fogo, outra hora é fogo verbal disparado por línguas afiadas no Congresso Nacional. Como se isso não bastasse, ainda há a violência contra crianças, adolescentes e mulheres. Agora o que ocorreu hoje no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão, região habitada por cerca de 300 mil pessoas, foi terrível. Mais de 60 pessoas foram mortas à bala.
Barrica pede licença, levantando a mão. 
- Como pude, acompanhei tudo pelo rádio e pela TV. Usaram drone, helicóptero e uma porrada de coisas que nem sei direito dizer o que era tudo aquilo...
O mano Bio, de Barrica, interrompeu:
- Os policiais estavam armados até os dentes, andando e correndo pra lá e pra cá com os pés enfiados numas botinas que pareciam pequenos canhões ou sei lá! Uma verdadeira guerra!
Zé e Biu acompanham atentos o falatório. Como se tivessem ensaiado, disseram:
- O fim do mundo, parecia o fim do mundo!!!
O quase sempre sumido Olavim, lá do seu cantinho murmurou:
- Guerra, vocês nunca viram uma guerra! Guerra é a desgraça que está ocorrendo ali naquela parte por onde andou Jesus...
Zilidoro emendou:
- E onde se acham enterradom os restos do avô de Maomé.
Lampa se fazendo de besta, saiu-se com esta:
- Outro dia eu fui a casa de um amigo e lá tomamos um porre. Foi o ma ó mé! Hic!
Esse Lampa não tem jeito. E o lugar por onde andou Jesus foi a Palestina e tal. Em Gaza, a 5a. mais antiga cidade do mundo, Sansão foi preso e torturado depois de cortarem seus cabelos e vazarem os seus olhos, mas ainda assim ele matou milhares de filisteus e o resto a Bíblia conta. 
De repente, todos se levantam batendo palmas. Claro, pra Flor Maria.

sábado, 25 de outubro de 2025

HERZOG FOI MORTO HÁ 50 ANOS


O relógio marcava 9 horas quando Herzog chegava ao inferno para ser torturado até a morte. 
Era um sábado de pouco sol.
O dia era 25, o mês outubro e o ano 1975. 
O jornalista, que chefiava a editoria da TV Cultura caiu nas mãos de seus algozes sozinho, sem ninguém a acompanhá-lo.
Por que Vlado fez isso, hein?
Ingenuidade ou excesso de confiança por nada temer como cidadão livre que era?
Muita coisa já foi dita a respeito de Vlado, cuja memória se acha eternizada na memória do povo e o seu nome agora inscrito no Panteão dos heróis do Brasil. 
Ah, sim: Vlado entrou no DOPs às 9 e já no começo da tarde daquele dia estava morto.
Outra coisa: o alagoano Audálio Dantas (1929-2018) escreveu um livro muito importante para o entendimento mais completo da vida de Vladimir Herzog. As Duas Guerras de Vlado Herzog (2012) é o título do último livro de Audálio. 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (10)


Graciliano Ramos não era propriamente um tagarela, como o são geralmente os papagaios. 
Embora faça eu essa pequena observação, a mim também não custa lembrar que Graciliano foi o escritor que mais papagaios pôs como "personagens" em suas histórias. 
Histórias de Alexandre, de 1944, tem vários tagarelas plumados com a cor verde em destaque. 
Na obra-prima Vidas Secas, o autor alagoano de Quebrangulo põe entre a família retirante um papagaio e uma cadela de estimação. Logo no começo, o papagaio é servido como alimento para saciar a fome da família em fuga da seca. E a dureza permanece braba no correr das páginas. Ali pela metade, a cadela é sacrificada a tiro de espingarda. E mais não digo. 
Lembrei que Graciliano sofreu de cegueira nos seus primeiros anos de vida. 
Como Graciliano, houve outros autores que também experimentaram essa realidade. E até cientistas do calibre do inglês Isaac Newton (1643-1727).
Isaac, de tanto observar o céu sem fim, acabou ficando cego por alguns dias. Recuperou a visão após trancar-se no quarto, completamente escuro. 
Bom, você sabe quem foi Nicolau Copérnico? E sua teoria sobre o movimento da Terra?
O italiano Galileu Galilei (1564-1642), também investigador dos mistérios universais, depois de muitos estudos concluiu que a teoria de Copérnico era fato. E que teoria era essa?
O polonês Copérnico (1473-1543) tinha certeza de que a Terra sempre girou em torno do Sol. Quer dizer, pensamento completamente diferente do que divulgava a Igreja aos seus fiéis. Por isso, Galileu foi preso e condenado pelo tribunal da Santa Inquisição. 
Como já era muito famoso, Galileu recebeu a "benção" dos inquisidores assassinos para cumprir a pena em casa. 
Morreu cego. 
Cego também morreu o filósofo francês Denis Diderot (1713-1784).
É provável que tenha sido Diderot o primeiro filósofo a teorizar sobre a cegueira. 
Em 1749, Diderot publicou Carta Sobre os Cegos Para Uso dos Que Veem. Nessa obra, o autor põe em movimento nas páginas três ou quatro cegos como personagens. Tem uma cega entre eles que diz que a cegueira na mulher é diferente da cegueira no homem. 
Para escrever tal obra, Diderot costumava tapar os ouvidos e fechar os olhos. Fazia isso nos teatros, por exemplo. A ideia era sentir o que sentem as pessoas cegas 
A Igreja desceu-lhe o pau. Em palavras, ele disse:
"O homem só será livre quando o último déspota for estrangulado com as vísceras do último padre".
Entre os grandes nomes da Ciência e da Astronomia, quem não se deu bem foi Giordano Bruno. Esse foi amarrado vivo num mastro fincado no meio de uma grande fogueira e...
O pecado de Bruno foi discordar de tudo ou quase tudo do que pensava a Igreja, como a virgindade de Maria e a Terra como centro do Universo. 
Dito isso, voltemos à literatura tupiniquim 
Você sabe quem foi o bom Romeu?
Chega aí na estante e pega Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967).

sábado, 18 de outubro de 2025

O CEGO NA HISTÓRIA (9)

Pois é, nada a mim demove a ideia de que o craque do humor Chico Anísio tenha-se inspirado na personagem do folclore alagoano Cesária.
Cesária pra mim era Terta do Chico. 
E Pantaleão, hein?
Pantaleão pra mim foi Alexandre do folclore alagoano para o Chico. 
Alexandre e Cesária eram marido e mulher, tão íntimos como carne e unha.
O livro Histórias de Alexandre é obra pra ser lida sem se cansar. Maravilhoso!
Dentre os 13 ou 14 contos que formam o referido livro há pelo menos quatro referências a um personagem de asas: papagaio. 
O conto Um Papagaio Falador é simplesmente impagável. 
Alexandre é um nordestino todo pabuloso, cheio de onda. É um inventor de história que não tem pra ninguém. 
Inventa tudo e tudo que inventa é na hora. Na lata!
O conto, cujo título foi dito aí em cima, começa quando Cesária lembra ali na sala de tantas histórias como o casamento com seu Alexandre querido. Foi festa seguida de uma semana, segundo ela. Muita comida, muita coisa gostosa. 
Hilariante. De presente do sogro, ganhou a mulher e com ela um grande dote. E tal e tal.
Casado, Alexandre partiu em busca de mais grana. Consigo levou boiadeiros e tal. E também o pedido irrecusável da mulher.
E que pedido era esse, hein?
Cesária queria que Alexandre lhe trouxesse um papagaio. 
E foi, foi e foi e foi...
Antes de voltar à casa feliz da vida, Alexandre comprou um papagaio caríssimo. Mas era um papagaio que falava tudo e mais e mais. 
Alexandre fez um buraco num saco e nele pôs o papagaio, onde ficou uns dois ou três meses. 
Quando voltou, esquecido do papagaio, a mulher viu aquele saco esquisito e perguntou e perguntou: "O que tem aí?".
Alexandre deu um tapa na testa e disse: "É o papagaio que comprei pra você, mulher".
Ao abrir o saco, apareceu o papagaio balançando a cabeça e olhando fixamente nos olhos de Alexandre, dizendo com voz trêmula e bamboleante, algo como: "Isso é coisa que se faça?".
Pois é, morreu o papagaio. 
As histórias contadas do real ou do imaginário por Graciliano Ramos são muito bem "amarradas": têm começo, meio e fim, desenvolvidas com palavras e frases econômicas. 
Não é fácil um escritor começar publicando sua obra com um clássico. 
Em 1933, Graciliano tinha 41 anos de idade. Com essa idade, ele publicou Caetés. 
E por que estou dizendo isso?
No começo da sua vida, Graciliano era um menino cego. A sua cegueira se manifesta direta ou indiretamente em todos os seus textos. Em Caetés, inclusive. Obra-prima. 
O segundo livro de Graciliano foi São Bernardo. 
O narrador personagem de São Bernardo foi um guia de cego.
O terceiro livro de Graciliano foi Angústia. Nesse livro o autor fala de um cego vendedor de bilhete de loteria, de um padre com um olho de vidro, uma mulher cujos olhos não viram o marido morrer pendurado numa corda, um velho Acrisio com olhos comprometidos com a visão... sem falar no avó centenário do personagem que foi-se sem nada ver.
As Histórias de Alexandre têm um personagem incrível, que vê além dos olhos: cego preto Firmino. 
Ah! Sim: em Angústia há uma velha senhora chamada Vitória que passa boa parte da vida tentando ensinar um papagaio a falar. 
Claro, claro, não custa nada reafirmar que os contos reunidos no livro Histórias de Alexandre são do folclore alagoano adaptadas pelo autor de Vidas Secas.

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