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domingo, 9 de fevereiro de 2025

ADEUS, VITAL FARIAS



 Já disseram e certamente ainda hão de dizer que "a vida é de morte".

E é mesmo, pois nascemos, vivemos e morremos. 

Ninguém nasce pra ser semente, tirante o fato de que como bichos humanos nos perpetuaremos até o fim dos tempos. E está perto, bem perto, bem pertinho... Pois, os poderosos donos do mundo em que vivemos continuam brincando com bombas atômicas e outros que tais igualmente mortíferos. O fato de momento é que nossos dias estão contados pelo Homem lá de riba.

A cada dia que passa penso estar ficando mais e mais só, pois os amigos têm partido sem se quer se despedir. Agora mesmo foi o querido Vital Farias, cuja carreira acompanhei desde o início. 

Antes, bem antes de Vital, foram-se Manezinho Araújo, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Rolando Boldrin, Téo Azevedo, Otacílio Batista, Sebastião Marinho, João Paraibano, Valdir Teles, Patativa do Assaré, Luiz Vieira, Chico Salles, Audálio Dantas, José Ramos Tinhorão, Paulo Vanzolini, Inezita Barroso, Marinês, Carmélia Alves...

Tem hora, confesso, que pego o telefone pra ligar pra uma dessas pessoas aí citadas. Há tempo caiu em mim dando conta de que fulano e beltrano já não se acham perto de mim.

A última vez que Vital me telefonou faz um mês ou pouco mais ou menos de um mês. Dizia que estava se preparando pra me abraçar cá em Sampa, mas aí o coração o traiu, levando-o para a Eternidade. 

Neste Blog tem muita coisa que escrevi sobre Vital e mais os amigos aqui citados. 

Vital Farias foi o 51° filho de um mesmo pai. Partiu com 82 anos de idade e deixou, pelo menos, uma dezena de rebentos de seu próprio sangue. 


LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (167)

O Brasil foi o último país a descravizar pessoas.

Essa é informação que dói na alma.

Pela primeira vez, o dia 20 de novembro foi considerado oficialmente data nacional: Dia da Consciência Negra. Isso ocorreu em 2024.

O dia 20 de novembro é o dia da morte de Zumbi.

Zumbi, na pia batismal recebeu o nome de Francisco.

Quem deu esse nome a Zumbi, foi um padre que o criou: Antônio Melo.

Essa questão ainda hoje é discutida por muita gente boa.

Há nas cadeias do Brasil mais pretos e pardos do que brancos. E pobres de marré, marré, marré.

O médico Dráuzio Varella surpreendeu os leitores brasileiros com o seu bombástico livro Estação Carandiru, lançado em 1999. Foi enorme a polêmica. Esse livro como os dois outros que se seguiram, Carcereiros e Prisioneiras, talvez tenham contribuído para a decisão do então governador Geraldo Alckmin em demolir o velho presídio de que tratam os livros de Varella.

A leitura de Estação Carandiru dói e mexe com nossas ideias, principalmente no ponto que conta a invasão policial que resultou em 111 mortos.

Há muitas histórias nesse livro. Uma delas:


Mulher de cadeia casada jamais circula pela galeria, e para descer ao pátio, só acompanhada. Para casar, o marido deve estar em boa situação financeira, pois a ele cabe o sustento da casa; a ela, a submissão ao provedor. De forma velada, alguns condenam, mas a união é respeitada socialmente. O parceiro passivo não é considerado do sexo masculino. Nos estudos que conduzimos, não bastava perguntar se mantinham relações homossexuais. Era preciso acrescentar: e com mulher de cadeia? Antes das visitas íntimas, a homossexualidade era prolífica. Uma vez, dei o resultado positivo do teste de AIDS para um ladrão desdentado e perguntei-lhe se havia usado droga injetável no passado: 

— Nunca. Peguei esse barato comendo bunda de cadeia. Muita bunda, doutor! 


A vida na cadeia é uma vida inimaginável pra quem está fora dela.

Varella não minimiza nenhuma piscada registrada por seus olhos.

Pela memória de Dráuzio Varella circulam em Carandiru problemas profundos e almas de gente, de pessoas.

Na cadeia, a vida de um pobre preto ou de uma pobre preta é a mesma. Dura, duríssima.

Imaginem, pois, uma mulher negra, gay, prostituta, pobre…

A sociedade, não só no Brasil, condena de olhos fechados a miséria de quem vive pobre e aparentemente sem futuro. Principalmente quando esse pobre sem futuro é negro ou negra.

Nessa linha de realidade e interpretação segue Dráuzio Varella no livro Prisioneiros.

Nessa mesma toada segue a leitura do livro Presos que Menstruam. A autora, Nana Queiroz, leva às páginas a história de mulheres que caem no crime e são presas e condenadas a cumprir pena na cadeia. Começa com Júlia que cedo perde a infância, engravida e coisa e tal. Nana não mede palavras pra contar o que conta nesse livro.

Pois é, a realidade é terrível aqui e alhures. Mas até no mundo da fantasia há histórias que nos levam a pensar e a sofrer por contingências diversas.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 8 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (166)

Orígenes Lessa

Você, meu amigo, minha amiga, já ouviu falar de Orígenes Lessa?

Lessa foi um dos mais importantes escritores brasileiros. Autor do clássico juvenil O Feijão e o Sonho. Escrito em 1938, essa obra foi premiada várias vezes, inclusive pela ABL.

Interessantíssimo e tocante é o conto As Cores. Nesse conto, Lessa ataca a sociedade por alimentar o racismo e o preconceito. Aqui no episódio ele fala sobre uma jovem cega que finda por apaixonar-se por um negro. O pai não deixa.

Muita coisa horrorosa aconteceu e continua acontecendo mundo afora.

Na vida real, não são poucos os exemplos horrorosos de brancos e poderosos maltratarem as pessoas negras. Homens e mulheres.

Em 1526 um casal de etíopes recusava-se a gerar filhos, pra não gerar novos escravos. Por razões quaisquer, esse casal, Cristófaro e Diana, terminou trazendo ao mundo um filho. Nome: Benedito.

O tempo passou, o menino cresceu e virou São Benedito, um negro que apanhou pra danado já naquela época em que viveu.

Benedito morreu com 63 anos de idade. E diz a lenda que ele chegou a ressuscitar pelo menos duas crianças e a multiplicar pães e peixes.

Benedito é considerado o padroeiro dos cozinheiros e da pobreza que sofre com fome.

Como se vê, o real e a fantasia estão o tempo todo misturados. 

Em 1904, o escritor negro Lima Barreto escreveu o conto O Pecado, publicado exatos 20 anos depois. Nesse conto o autor faz usos de personagens das bandas lá do Céu, do Eterno. Entram e saem rapidamente São Pedro, anjos e tal. Um dia, de manhãzinha, Pedro acorda e vai pro banheiro fazer o que deve ser feito. Depois passa pela biblioteca do Céu e, ocasionalmente, folheia um enorme caderno com os últimos nomes que lá chegaram como almas. Milhares. Lá pras tantas ele se depara com uma alma de 48 anos, que viveu muito certinha enquanto viveu na Terra, por isso merecedora de instalar-se ao lado de Deus. Inquirido por Pedro, o guarda-livro da biblioteca fez um muxoxo e disse que não era bem assim, que obedecia ordens.

Resultado: a alma justa, benigna, santificada de 48 anos não foi posta ao lado do Criador pelo simples fato de ser da cor preta!

Não é só na literatura de Lima Barreto que a questão racial é abordada.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

NABUCO É NOME PRA NÃO SER ESQUECIDO



Ler faz bem à mente e Tico e Teco agradecem.

Tico e Teco como se sabe são dois dedicados neurônios que adoram brincar pulando na nossa cachola. 

Bom, acabei de ler mais um livro de Joaquim Nabuco: O Abolicionismo. 

O Abolicionismo foi escrito e publicado em Londres no ano de 1884. Tem 18 capítulos distribuídos em pouco menos de 300 páginas. Nele o autor mostra, com A + B, que a escravidão foi um tranco que atrasou em anos o desenvolvimento do Brasil. 

Nabuco tinha 35 anos quando publicou O Abolicionismo. Enquanto esteve em Londres atuou como jornalista correspondente do Jornal do Commercio e outros mais incluindo La Razón do Uruguai. 

O ano de 1884 foi o ano que marcou o começo mais renhido do movimento a favor da liberdade das pessoas até então escravizadas. O ápice desse movimento ocorreu na tarde de 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O evento juntou uma multidão no Paço Imperial no Rio. Entre as  pessoas que lá estavam, o futuro literato Lima Barreto e o já consagrado Machado de Assis. 

O livro esse que acabo de ler é de fundamental importância para a compreensão do que foi a sociedade na corte do século 19.

Nabuco, como grande cronista/historiador, monarquista, não deixou de pôr no papel tudo que viu e ouviu. Fala dos autores que conheceu e leu no Brasil e no exterior. Por suas mãos passaram Shakespeare, Lord Byron e tantos e tantos. Lia com avidez. Cita Voltaire e até, perdoe-me a ignorância, um cara francês de quem nunca ouvi falar: Ernest Renan (1823-1892) autor de O Futuro da Ciência. 

Renan influenciou sobremaneira a vida intelectual de Nabuco.

O Abolicionismo é, sem dúvida, um clássico. 

A vida de Nabuco foi toda dedicada ao jornalismo, ao Direito, à diplomacia... Foi o primeiro embaixador do Brasil nos EUA.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu no domingo 19 de agosto de 1849 e morreu na segunda-feira feira 17 de janeiro de 1910.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (165)

Chico Anysio criou mais de 200 personagens. Incluindo mulheres ditas da vida.

Casou-se várias vezes, inclusive com uma ex-ministra do governo Collor: Zélia Cardoso de Mello, que por sua vez teve um caso com o ex-senador Bernardo Cabral.

Chico foi quem foi, no humorismo desenvolvido de todas as formas. 

Na poesia, como no teatro são inúmeros os autores que abordam desde sempre o tema erótico, que a hipocrisia social teima em torcer o nariz. 

O poeta paraibano Augusto dos Anjos não deixou de enveredar por tais trilhas. Os exemplos são muitos e bons como esses que escreveu: Orgia, A Meretriz e o mais conhecido de todos: Versos Íntimos. 

Houve um tempo em que o autor era chamado de O Poeta das Putas. A razão disso devia-se ao fato de ele ser declamado por tudo quanto era “mulher perdida”. 

Aqui, um exemplo da escrita erótica do autor de Eu e Outras Poesias: 


Ah! Por que monstruosíssimo motivo

Prenderam para sempre, nesta rede,

Dentro do ângulo diedro da parede,

A alma do homem polígamo e lascivo?!

Este lugar, moços do mundo, vêde:

É o grande bebedouro colectivo,

Onde os bandalhos, como um gado vivo,

Todas as noites, vêm matar a sede!

É o afrodístico leito do hetairismo,

A antecâmara lúbrica do abismo,

Em que é mister que o gênero humano entre,

Quando a promiscuidade aterradora

Matar a última força geradora

E comer o último óvulo do ventre!

Em 1982, Hilda Hilst lançou à praça o livro A Obscena Senhora D.
Nesse livro a narrativa é em primeira pessoa, o que aos desavisados ficam na dúvida de quem de fato a autora se refere: à ela mesma ou à personagem do título.
No decorrer de toda sua existência, Hilda Hilst provocou grandes polêmicas hora falando mal de Deus e tudo mais. A sua boca era uma espécie de cachoeira de palavrões e a sua mente, um universo de fogo sem preconceitos.
Hilda era filha de um fazendeiro do interior paulista da linhagem quatrocentona Prado. Apolônio, seu nome, conheceu a futura esposa Bedecilda no Rio de Janeiro. Corria o ano de 1920. Ele voltou para sua cidade, Jaú e Bedecilda logo depois foi a sua procura. Na cidade, começou a perguntar onde era possível achá-lo. Encontrou-o num bordel em Bauru, SP.
Voltaram os dois às boas e logo se casaram. Ele não queria filho. Em 1930 nasce, pra seu desespero, Hilda.
No correr do tempo, Hilda conta que o pai largou a mãe quando ela tinha dois ou três anos de idade.
Essa história é longa; longa e acidentada. A própria Hilda chegou a revelar que o pai ficara louco e fora internado num hospício. Morreu em 1966. Revelou também que a mãe era uma doidivana.
São muitos os textos em versos e prosa deixados por Hilda Hilst.
Aníbal Machado, que chegou a se esconder no pseudônimo Antônio Verde, é um nome pouco lembrado hoje em dia. Deixou boas coisas publicadas, entre essas coisas o conto Viagem aos Seios de Duília. Trata de uma história que tem como protagonista o funcionário aposentado José Maria. Solteirão. Uma hora, esse José lembra-se da sua primeira namorada e resolve procurá-la nos cafundó do Judas, onde nasceu. Reencontra a amada viúva com uma porrada de filhos e netos nas costas. As dificuldades a deixaram velhinha, velhinha da Silva. Num determinado momento, o personagem dá no pé arrependido de ter voltado ao passado. Virou filme, em 1964, mesmo ano em que aos 70 Aníbal morreu.

Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 1 de fevereiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (164)

O Pecado, conto de Olavo Bilac, trata de uma jovem cheia de medo por ter cometido pecados cabeludos. Tinha de se confessar, de qualquer jeito, pra se sentir melhor. A caminho da igreja e do confessor, a jovem topa com uma amiga que vinha da igreja. Começa assim:


A Anacleta ia caminho da igreja, muito atrapalhada, pensando no modo porque havia de dizer ao confessor os seus pecados... Teria a coragem de tudo? E a pobre Anacleta tremia só com a idéia de contar a menor daquelas cousas ao severo padre Roxo, um padre terrível, cujo olhar de coruja punha um frio na alma da gente. E a desventurada ia quase chorando de desespero, quando, já perto da igreja, encontrou a comadre Rita.

Abraços, beijos... E lá ficam as duas, no meio da praça, ao sol, conversando.


— Venho da igreja, comadre Anacleta, venho da igreja... Lá me confessei com o padre Roxo, que é um santo homem...

— Ai! comadre! — gemeu a Anacleta — também para lá vou... e se soubesse com que medo! Nem sei se terei a ousadia de dizer os meus pecados... Aquele padre é tão rigoroso...

— Histórias, comadre, histórias! — exclamou a Rita — vá com confiança e verá que o padre Roxo não é tão mal como se diz...

— Mas é que meus pecados são grandes...

— E os meus então, filha? Olhe: disse-os todos e o Sr. padre Roxo me ouviu com toda a indulgência...

— Comadre Rita, todo o meu medo é da penitência que ele me há de impor, comadre Rita...

— Qual penitência, comadre?! — diz a outra, rindo — as penitências que ele impõe são tão brandas!... Quer saber? contei-lhe que ontem o José Ferrador me deu um beijo na boca... um grande pecado, não é verdade? Pois sabe a penitência que o padre Roxo me deu?... mandou-me ficar com a boca de molho na pia de água benta durante cinco minutos...


Bom, a obra de Olavo Bilac, é sem dúvidas uma obra exemplar. Como exemplar também é a enorme obra do cearense Chico Anysio.

Chico foi humorista, ator, escritor e um monte de outras coisas. Deixou muitos livros publicados. Seus espetáculos levavam muita gente, que ria de tudo que ele dizia.

Num dos seus últimos stand-ups, Chico conta histórias de amor, sexo e palavrões. Era seu jeito, solto e sem firulas. Fez o povo mijar-se de rir quando começou dizendo que no seu tempo “era muito difícil comer gente”. E mais: “Era só puta ou empregada… Eu gosto de puta porque a puta não me reconhece no dia seguinte”. Disse também: “Eu tinha um Fiat Pulga, que é um carro mínimo, né? Quem tem pau grande não cabe nele…”.

Pois é, teve um tempo rico de autores e atores. 


sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

SIM, O PRESENTE É PASSADO

Foi num dia como hoje, 31 de janeiro, que um cara chamado Jânio Quadros inaugurou Brasília como o primeiro presidente do Brasil. 
O ano corria, 1961.
Jânio foi o presidente do Brasil mais votado até então: 5,6 milhões de votos a seu favor, derrubando assim o marechal Lott.
Jânio "renunciou" ao cargo de presidente no dia 25 de agosto de 1961.
Foi, claro, uma tentativa de autogolpe.
Coisa de doido, porque até então ninguém tinha sido eleito por uma montanha de voto até então inacreditável. 
A zebra a partir daí, passou a mostrar suas cores preto e branco. De forma violenta.
Resumo: Jango assumiu o vácuo político deixado por Jânio e findou derrubado pelos milicos de plantão apoiados pelos grandes empresários do país.
A história é história. 
Deposto, Jango voltou morto da Argentina depois de 13 anos lá exilado. 
Meus amigos, minhas amigas: foi na Argentina, que Che Guevara nasceu. Foi trazido ao Brasil para ser condecorado por Jânio, no dia 18 de agosto de 1961. 
Sobre isso, entrevistei Jânio. Está aqui no Blog. Procure.
Pois, pois!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

SAUDADE DOS QUE SE FORAM


 Ei, você aí lembra da canção que começa assim: "A saudade mata a gente, morena..."

Pois é, um clássico, mas não é desse clássico que eu quero falar. Quero falar sobre quadrinhos e quadrinistas brasileiros. 

No dia 30 de janeiro do ano da graça de 1869, o italiano Angelo  Agostini (1843-1910) publicou, na revista Vida Fluminense, RJ, a primeira história em quadrinhos de que se tem notícia por cá. Chamou-se As Aventuras de Nhô Quim.

Agostini foi, pois, pioneiro no campo dos quadrinhos brasileiros. Teve e tem ainda muitos seguidores. 

Quem não se lembra do bom mineiro Ziraldo?

Entre nós continuam nos fazendo bem Laerte, Angeli, Jô Oliveira, Juca, Fausto, Klévisson, ...

Fausto tem ilustrado muitas coisas que tenho escrito e publicados neste Blog e em lugares outros.

Klévisson, amigo de longa data como os aqui já citados, também não se faz de rogado e lá vamos nós firmes nas asas da imaginação. 

O Klévisson chegou a dar caras ao roteiro que fiz sobre a vida e trajetória artística do rei do baião Luiz Gonzaga. O que fizemos está publicado no livro Luiz Gonzaga O Rei do Baião (2012).

É coisa boa e bonita o mundo dos quadrinhos e quadrinistas. E dos roteiristas.

Magrão como também é conhecido o músico e roteirista Paulo Garfunkel, é o criador do personagem Vira-Lata.

Vira-Lata é roteirizado por Magrão e desenhado pelo quadrinista Líbero. 

Coisa essa de altíssima qualidade desses dois craques das artes.

Bom, eu comecei falando indiretamente sobre saudade, certo?

Pois bem, hoje 30 é o Dia da Saudade.

E se falei também sobre quadrinhos e quadrinistas é porque hoje 30 comemora-se o Dia do Quadrinho Nacional, para que nunca nos esqueçamos de Angelo Agostini.

Fui!

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

MAIS UMA ESTRELA NO CÉU: LUCAS EVANGELISTA

 

Pouco antes de sair de casa, ontem a noite, para prestigiar o lançamento de um livro na cidade onde mora, Fortaleza, o craque do traço e do cordel cearense, Klévisson Viana, deu de garra do telefone pra me ligar e disse: "Compadre Assis, nosso amigo, Lucas Evangelista, morreu".
Só não caí de mim porque estava absorto, ouvindo a leitura de mais um dos tantos livros que curto no dia a dia.
Eu conheci Lucas, cordelista e poeta repentista, durante apresentação num palco do I Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, realizado em agosto de 2008, no sertão meridional do Ceará.
Klévisson juntou amigos e com eles acaba de escrever e publicar um folheto em homenagem ao grande e expressivo artista da nossa cultura popular: Lucas Evangelista.

LEIA:


HOMENAGEM AO MESTRE LUCAS EVANGELISTA

(Obra Coletiva)


A poesia entristecida

Chora a morte de um artista

Referência em nossa arte

Um genial cordelista 

E a musa mandou mensagem

Pra prestarmos homenagem

A Lucas Evangelista.


Artista que o povo tem

Um carinho especial 

Foi ele autor consagrado

De ‘A Carta do Marginal’ 

O Brasil todo conhece

Tem respeito e enaltece 

Seu talento magistral.


No seio de sua gente

Foi artista consagrado

Era Mestre da Cultura 

Do Ceará, nosso Estado

Nas páginas da poesia

Cordel, livro e antologia

Pra sempre será lembrado.


Pra Canindé, todo ano

Ia para romaria 

Na Festa de São Francisco 

Mostrava sua poesia

Cheia de belos roteiros 

Para encantar os romeiros

Com brilho, encanto e magia.


Sabia escrever histórias 

Bem ao agrado do povo

Para toda ocasião 

Tinha sempre um cordel novo 

Grande artista popular 

Fazia rir e chorar

Ganhando palmas e aprovo.


Quem desconhece as histórias 

Do nosso cancioneiro,

Tenta negar o passado,

Escrevendo outro roteiro,

Despreza nossa cultura

E joga a Literatura 

De Cordel num atoleiro.


Essa ilusão transitória

É o abrigo tumular

De quem, mesmo vivo, morre

Sem nada de bom deixar.

Portanto, mudando o tom,

Afirmo que se algo é bom,

Nada consegue matar.


João Lucas Evangelista,

Nosso bluesman nordestino,

Deu voz a quem voz não tinha,

Fez da sua obra um hino.

Nas cruzadas dos martírios,

Converteu espinho em lírios,

Foi senhor do seu destino.


Legou cordéis e baladas

Numa monumental saga,

Como um rio caudaloso

Que as ipueiras alaga;

Partiu, porém, permanece,

Seu legado prevalece,

Pois nem o tempo o apaga.


Lucas da Bíblia nos fala

Sobre Cristo o galileu,

Evangelista é aquele

Que um evangelho escreveu,

Nosso Lucas, cordelista

O nome de evangelista 

Colocou no nome seu.


Crateús no Ceará 

Foi sua terra querida,

Deixou seu berço natal

Para o mundo fez partida,

E fez com força inaudita 

Nossa poesia escrita

Ter fama reconhecida.


Lucas foi artista múltiplo

Foi músico e cordelista,

Grande mestre da cultura,

Escritor e repentista,

No Brasil em qualquer parte

Não há quem supere a arte

De Lucas Evangelista.


Assim como toda vida

Tem o seu ponto final

Lucas parte nos deixando

Uma saudade imortal,

Aqui deixou sua história,

Foi para o trono da glória,

A Corte Celestial.


O Lucas Evangelista 

Foi um grande inspirador 

Além de ser cordelista

Foi poeta cantador 

Mestre da nossa cultura

Que lutava com bravura 

Dignidade e fervor .


Aqui na Terra ele foi 

O menestrel da canção 

Escrevia seus cordéis 

Com bastante inspiração

Foi um vate valioso 

Um poeta primoroso 

De toda sua geração. 


Nosso cantador querido 

Para outro plano partiu, 

Mas sabemos que sua arte

Por todo o mundo expandiu

Conquistar toda uma gente 

Através do seu repente  

Nosso Lucas conseguiu.


O mundo dos Cordelistas 

Acordou entristecido 

Com a notícia que o Mestre 

Lucas havia morrido.

João Lucas Evangelista 

Foi um grande Cordelista,

Famoso e reconhecido!


Ao Lucas Evangelista 

Segue o póstumo tributo.

Meu mestre você será 

Vate sem substituto. 

Partiu pro reino Celeste 

E hoje este discípulo veste

O triste manto do luto!


João Lucas Evangelista 

Foi um grande menestrel 

Criou histórias e músicas,

Na arte fez seu papel.

Feito um grande timoneiro 

Rodou o Brasil inteiro 

Divulgando seu cordel.


Hoje a musa do cordel,

Vestiu seu traje de luto,

Pois Lucas Evangelista,

Poeta versátil, astuto.

O Mestre imortal, decano

Foi versejar noutro plano,

Num elevado reduto!


Um vate quando nos deixa

Voltando a casa do Pai

Deixa imensa saudade,

Mas sua história não vai

Assim nosso cordelista

João Lucas Evangelista

Sua lembrança não sai.


Percorreu nosso Brasil

Essa importante figura

Do Nordeste ao Sudeste

Lucas com literatura

Tocava linda canção

Levando assim emoção

De maneira bem segura.


Fez da arte o seu viver

Emocionando o povão

Com "Carta de um Marginal"

Bem feita composição

Mostrando a realidade

Da tal marginalidade

Que envergonhava a Nação.


Foi chamado pelo Pai

Pra sua Santa Morada

Lá no Céu, Evangelista,

Cumprirá nova jornada

Viverá novo rojão

E cantará seu baião

De forma bem animada.


Partiu um grande poeta

Mestre no verso e viola

Levou consigo um ensino

Que não se ensina em escola

Levou a chuva e o tostão

Mais um Mestre do sertão

Levou cheia sua sacola.


Com nome forte e profundo

Discípulo do salvador

Lucas, o Evangelista

Lavrou a terra com amor

Plantando sua poesia

Fez chover paz e harmonia

Com seu pinho de valor.


Despedimo-nos chorosos,

De Lucas Evangelista,

Poeta, compositor,

Violeiro, repentista,

Da arte, divulgador,

Folheteiro, cantador

E afamado cordelista.


Autor de ‘Um tostão de chuva’,

De “A carta de um marginal”,

“Foronfonfom”, “Mototaxi”,

Legado exponencial!...

Sem sequer se despedir

Partiu para residir

Na pátria celestial. 


Muito vasta e conhecida,

Sua produção reluz, 

Sendo merecidamente

Aclamado como um dos

Aedos de maior claque

E um dos nomes de destaque

Das artes de Crateús.


Um exemplo de amigo,

Probo chefe de família, 

Semeador de amizade,

Aparador de quizília.

Em Crateús foi nascido,

Mas tornou-se conhecido

Quando morou em Brasília.


O bardo abraçou a sorte

Como vira-mundo, errante;

Foi nas feiras nordestinas

Uma presença marcante

Com sua lira primorosa

Na fase áurea e saudosa

Do poeta itinerante.


Por esse Nordeste imenso

De feira em feira atuou,

E nas praças da Ceilândia

Diversas vezes cantou.

Lá ainda tem família,

Pois o poeta em Brasília

Por doze anos morou.


Nas feiras, com sua Kombi,

Ele chamava atenção

Cantando suas toadas,

Tocando seu violão,

Ouvindo as canções bonitas

Pra comprar cordéis e fitas

Juntava uma multidão.


Entre as canções mais tocantes

Nascidas de sua pena

Cito “Filho de cigano”,

E, de comovente cena,

“Canção do sentenciado”

E outro clássico afamado

Que é “Lembrança de Helena”.


É grande a lista de títulos

De cordéis que publicou.

Cinco LPs, muitas fitas

E CDs também gravou;

Viveu pra se eternizar,

Sua arte singular

Nossa cultura marcou.


Foi Lucas Evangelista 

Grande mestre da canção 

Divulgador incansável 

Da popular tradição

Com sua arte soberana

Cantou sobre a lida humana 

Em cada composição.


Em "Carta de um marginal"

Expos uma triste história 

Assim eternizou um 

Exercício de memória 

A dor de um excluído,

Um malfazejo e sofrido,

Versando uma vida inglória.


Andarilho da poesia 

Com suas letras e voz

Lucas foi fonte fecunda

Jorrando versos à foz

Inspirou, foi referência,

Um vate de excelência 

Grande exemplo para nós!


Deixa saudades o Mestre 

De violão ritmado,

Porém na Corte Celeste

O Sarau "tá preparado!"

Pra celebrar sua vida

A sua missão cumprida

E o seu imenso legado!


Herdando o nome do santo

Que a palavra ‘desdobra’

O poeta Evangelista

Com as rimas de sua obra

Em sua vida fecunda

De poesia profunda

Mostrou talento de sobra. 


A inspiração veio cedo

Dos antigos menestréis

Violeiros, cantadores

Que declamavam cordéis

E as historias dos seus pais

Bem guardadas nos anais

Galopa ainda corcéis.


À cultura popular

Deu asas e deu alento

Conseguiu com sua arte

Garantir o seu sustento

Foi do romance ao forró

Até em cobra deu nó

E conseguiu seu intento.


Parte com missão cumprida

Sua obra ficará

No ‘rela bucho’ ou cordel

Muito além do Ceará

Viaja como Asa Branca

Sua rima alegre e franca

Sempre lembrada será.


Meus versos fazem homenagem

A um mestre da tradição,

É Lucas Evangelista,

Da cultura e do sertão.

Cantou com alma e viola,

Rima que encanta e consola,

Nos tocando com emoção.


Nas praças fez poesia

De Crateús para o mundo.

Sua voz e seu repente

Ecoaram tão profundo.

Que até no céu seus cantares

São eternos, nos altares,

Como um legado fecundo.


Foi um mestre de talento,

Na viola ao improvisar.

Nos folhetos e cantigas,

Fez o povo se encantar.

Na sua arte divina,

Cada verso se destina

A nunca se apagar.


Sua lira continua

Brilhando na imensidão.

E nós, que aqui ficamos,

Guardamos sua emoção.

Lucas vive na memória,

Imortal pela história,

Eterno no coração.


Um grande prazer na vida

Foi conhecer Evangelista

Um cantador de viola

Que nunca perdeu de vista

Levar pelo mundo afora

A alegria a toda hora

Era um poeta ativista.


Conheci Evangelista

Pela José de Alencar

Sua belina e radiadora

Fazia o povo parar.

Pra degustar do seu verso

Que atingia o universo

De um sublime poetar.


A bênção, poeta Lucas,

Nosso Mestre da Cultura

Que levou sertão afora

Com tanta desenvoltura

A cultura popular

Que só tem neste lugar

Por ser terra de bravura...


Como um trem, com longo apito,

Deslizando sobre o trilho

Partiu o poeta Lucas

E Crateús perde um filho.

Foi um poeta impoluto,

A poesia está de luto

E o cordel perdeu o brilho.


As folhas verdes da mata

Da Caatinga nordestina,

Que já nas primeiras chuvas

Vertem água cristalina

Choram por Evangelista,

Poeta e grande artista

De rima afiada e fina.


João Lucas Evangelista

Foi um poeta gigante.

Seu cantar ultrapassou

A fronteira mais distante.

Na viola ou no papel

Seu poema de cordel

É marca muito importante.


Mas, Lucas Evangelista

Encanto-se, não morreu.

Teve recital no céu.

Como a musa prometeu,

A alegria foi completa

Com a chegada do poeta

Uma grande festa deu.


Ninguém viveu a cultura

Do jeito que ele viveu

Na sua época o cordel

Ficou mais forte e cresceu 

O poeta de Crateús

Foi mostrar para Jesus 

A rima do verso seu.


E por isso digo eu,

Digo sem pestanejar,

Nesta arte tão bonita

Da gente vivenciar

Que Lucas Evangelista 

Deixou como cordelista

Um nome pra respeitar.


Lucas nasceu com a viola

Desenhada na sua mente

Cresceu e desenvolveu

O verso como semente 

No terreno que plantou

A poesia se espalhou

Com a viola e o repente.


Tive o prazer de aplaudir

Este grande repentista

Agora foi para cima

Nosso amigo cordelista.

Deixando a sua história 

Presa na nossa memória 

No nosso quadro de artista.


Mestre Lucas foi um vate 

Do nosso tempo atual; 

Um Aedo – nosso Orfeu...

Referência nacional 

No romance de cordel

Excelente menestrel 

Na canção tradicional. 


A “Carta de um Marginal” 

Ficou sem o seu autor 

Nós ficamos sem o mestre,

No peito tristeza e dor!

Quem seus cordéis cantará?

Nas feiras do Ceará 

Tá faltando um tocador.


Quem irá cantar a dor 

Daquele povo sofrido...?  

O inverno; a invernada 

Ou o sertão ressequido 

Ou mesmo ler um cordel

Narrando história fiel 

Do último fato ocorrido? 


Aqui, de peito partido

Sou eu quem registra o fato... 

Da partida do herói 

Que destino tão ingrato! 

Bastante triste fiquei

Mas pra vida eterna, eu sei, 

Ninguém assina contrato...


Lucas será “sempre vivo”,

Pois além de seus talentos

Também gerou quatro filhos,

Sua prole, seus rebentos,

Gente que ama a cultura,

Sua geração futura,

Frutos de dois casamentos.

Lucilane, Luciléa,

Linda Léa e Márcia Linda,

Estes filhos, com certeza,

Farão a linhagem infinda.

Sua vida foi completa

E a memória do poeta

Viverá bem mais ainda!


FIM


Autores: Mestre Geraldo Amâncio Pereira, Evaristo Geraldo da Silva, Paulo de Tarso, Paola Tôrres, Dideus Sales, Julie Oliveira, Paiva Neves, Pádua de Queiroz, Gerardo Pardal, Vânia Freitas, Rosinha Miguel, Tião Simpatia, Rouxinol do Rinaré, Rafael Brito, Marco Haurélio, Arlene Holanda e Klévisson Viana

domingo, 26 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (163)


Uma das primeiras revistas em que o autor de A Alma Encantadora das Ruas publicou textos foi O Diabo.

O Diabo, aliás, é personagem presente em tudo quanto é romance mundo afora.

Quem não se lembra do incrível texto Doutor Fausto, de Tolstói?

Nessa obra, o autor cria um personagem que quer ter o conhecimento de tudo que há no mundo. É um sabichão. Mas quer mais e aí ele, o doutor, faz um pacto com o demônio. O final é fantástico.

E Machado de Assis, hein?

Machado tem um conto intitulado A Igreja do Diabo.

Tem também Olavo Bilac, que foi jornalista, poeta e tal. É dele o conto envolvendo uma jovem e um padre. Título: O Diabo:


Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando, às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo, que começava a bater os dentes... Pobre Luizinha! Que medo, que medo ela tinha do diabo!

Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar...

Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:


— Minha filha! Basta ver que está assim preocupada com essa idéia, para reconhecer que realmente o Diabo anda a perseguí-la... Para o tinhoso amaldiçoado assim é que começa...

— Ai, senhor padre! Que há-de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me aparecesse, eu nem forças teria para gritar...

— Bem. filha, bem... Vejamos! Costuma deixar a porta do quarto aberta?

— Deus me livre, santo padre!

— Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta se o Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite, deite-se, e reze, deixe a porta aberta... Tenha coragem ... Às vezes, é o Anjo da Guarda que inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas. Deixe a porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...

— Ai! Senhor padre! Eu terei coragem?...

— É preciso que a tenha... é preciso que a tenha... vá... e, sobretudo, não diga nada a ninguém... não diga nada a ninguém...

E, deitando a benção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando o belo queixo escanhoado.

E, no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando viu chegar a bela Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara....

— Ah! Meu padre! Apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo... com um medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto... Meu Deus! Não sei como não morri... Quem quer que fosse, veio andando devagarinho, devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama... não sei... perdi os sentidos... e...

— Vamos, filha, vamos...

— ... depois quando acordei... não sei, senhor padre, não sei... era uma cousa...

— Vamos, filha... era o Diabo?

— Ai, senhor padre... pelo calor , parecia mesmo que eram as chamas do inferno... mas...

— Mas o que, filha? Vamos!...

— Ai, senhor padre... mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina...


Luisinha é também um personagem que enriquece o texto do livro O Cabeleira, de Franklin Távora (1842-1888). Nessa história o leitor fica sabendo que Cabeleira é filho de Joana e Joaquim Gomes. Esse Joaquim é uma figura totalmente temerária, violenta, assassina. É história terrível, de cangaço, de morte e tudo mais.

Luisinha é uma menina do passado de Cabeleira. Ela o amava.

É uma história de muito sangue essa história de O Cabeleira. Mas nessa história tem também momentos de divertimento em cabarés e mulheres da vida. Tem dança, tem viola, tem cantiga…


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 25 de janeiro de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (162)

Além de Machado, José de Alencar e outros antes dele e depois fizeram circular nas páginas dos livros grandes mulheres que perderam o marido nas mais diversas circunstâncias. Entre esses autores não custa lembrar que também se acha o curitibano Dalton Trevisan (1925-2024).

Trevisan falou de todas as relações possíveis que há entre o homem e a mulher, seja novo, seja velha.

Falar de Dalton Trevisan é o mesmo que falar de feijão com arroz. No caso, amor e putaria.

A estreia de Loyola Brandão ocorreu em 1965 quando lançou à praça um livro de contos intitulado Depois do Sol. Entre os contos se acha O Homem do Furo na Mão. Muito bom, ótimo.

O personagem, um professor de história, volta às páginas do escritor em 1981. Nesse ano é publicado o romance Não Verás País Nenhum. Distópico. Há momentos hilariantes.

O buraco na mão do sujeito provoca grande preocupação da mulher, Adelaide. Mas ele mesmo não liga, passa a se preocupar mesmo quando é aposentado compulsoriamente. A mulher o abandona e ele, que perde tudo e até a vontade de viver, acaba preso depois de conhecer uma jovem e com ela transar. Curioso é o fim.


De Brandão é também bacana o romance Bebel que a Cidade Comeu. É de fundo político, como quase tudo que Brandão escreve. A história passa-se em São Paulo, como em São Paulo se passa também as histórias narradas no livro Cadeiras Proibidas (1976).

Tudo ou quase tudo que ele se dispõe a contar nos seus livros parecem banais, mas o fato é que o leitor quase sempre tem uma surpresinha no final.

Ao contrário de Machado, Loyola nunca até aqui pôs em suas páginas de ficção uma viúva.

Dá até pra comparar os escritos de Brandão com os escritos de Lima Barreto, que nos seus 41 anos de vida escreveu provocativos, críticos e engraçados contos. Nessa mesma linha, o jornalista João do Rio também escreveu bonitos e sangrentos textos em jornais da sua época. 

O curioso em João do Rio é que seus textos tinham origem na vida real. Até os personagens aparentemente fictícios eram reais. 

Num dia qualquer do começo do século 20, João esteve numa cadeia pública do Rio e lá ouviu alguns presidiários. Depois, contou. Um trecho:


- Pois vá ver esses criminosos. O assassino por amor é o único delinquente que confessa o crime. 

Alguns chegam mesmo a reviver detalhes insignificantes. Ao passo que os gatunos, os incendiários e os homicidas vulgares, mesmo tendo a cumprir sentenças longas, negam sempre o crime; essas vítimas da paixão não se cansam de contar a sua história, cada vez com maior número de minúcias e mais abundâncias de memória. 


"- Ora, nós brigamos. Eu gostava dele.  Nós brigamos. Um dia ele me disse uma porção de nomes. Eu fiquei calada, mas quando o vi deitado, com o pescoço à mostra, roncando, parece que o diabo me tentou. E fui então com a faca..." 

- Aproximei-me, bem perto, quase murmurando as palavras: 

- Diga: era capaz de fazer o mesmo outra vez, de abrir o pescoço do pobre rapaz, de ascender as velas, de cantar? diga: era? 

Ela riu como um fera boceja, e disse num arranco de todo o ser: 

" - Eu era, sim, Senhor..." 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

UMA COISA PUXA OUTRA



Qualquer brasileiro ou brasileira que tenha pelo menos um pingo de sensibilidade deverá estar orgulhoso ou orgulhosa com a ampla e positiva repercussão do novo filme de Walter Salles: Ainda Estou Aqui.

Esse filme, entre tantos, está disputando o Oscar de 2025 em Los Angeles. Foi baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva.

Marcelo, também jornalista, é um dos filhos do deputado Paiva com Eunice. 

Eunice foi uma mulher comum que viveu feliz enquanto foi possível. Falamos do ano de 1971, quando Marcelo Rubens Paiva foi sequestrado, torturado e morto por agentes do golpe cívico-militar ocorrido em 1964 no Brasil. 

Foi o diacho aquela intromissão militar contra o povo brasileiro. 

A viúva do deputado mudou de vida e foi estudar Direito para ajudar oprimidos, incluindo indígenas.

O filme Ainda Estou Aqui está em cartaz nos cinemas de boa parte do mundo todo.

A atriz Fernanda Torres está cotada para ganhar a estatueta Oscar pelo altíssimo nível como desenvolveu a personagem Eunice...

Ainda Estou Aqui trouxe-me de volta a lembrança do filme O Pagador de Promessas de Dias Gomes.

O Pagador de Promessas estreou, primeiramente, no TBC de São Paulo. Isso em 1960. A direção foi de Flávio Rangel. 

Depois do teatro, O Pagador de Promessas ganhou telões mundo afora com direção do craque Anselmo Duarte. Na França ganhou a Palma de Ouro. Na Espanha...

Trabalhei com Flávio na Folha e dele sinto saudade. A seu pedido cheguei a lhe apresentar Vandré, lá em casa. Queria Flávio convencer o autor de Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores a voltar aos palcos sob a sua direção. Não deu.

Quanto a Anselmo lembro das vezes que ia tomar um café comigo no escritório e tal. 

Bom, é isso. 

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