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sábado, 8 de março de 2025

SOMOS ALÉM DO QUE PENSAMOS


Perguntas nos endoidam desde sempre. Aliás, não são as perguntas. Talvez seja uma só: de onde viemos...?

A vida, nossa, é bonita e bela e quase sempre nela nos perdemos. 

Bom, no tema esse aqui dá para acrescentar, ainda de modo interrogativo: se viemos sabe-se lá de onde, pra onde vamos?

O Freud passou o tempo que teve tentando explicar essa história...

Essa história tem a ver com tudo referente a seres vivos. São milhares e milhares, na terra, no céu e no mar.

Darwin, Charles Darwin, passou todo o tempo da sua vida a investigar as nossas origens.

Ninguém, nesse campo da história, chegou tão longe quanto ele a nos identificar a relação com todos os viventes desde tempos imemoriais. 

Richard Dawkins, biólogo professor da Universidade de Oxford, foi longe também como Darwin. 

Meus amigos, minhas amigas, ler Richard Dawkins é de importância fundamental para entendermos quem somos. O cara é grandão,  sabe de tudo o que diz com a grandeza do conhecimento histórico. Tá lá ele dizendo tudo isso e muito mais no livro O Maior Espetáculo da Terra, no qual conta coisas inimagináveis para nós comuns mortais.

Richard, cientista reconhecido mundo afora, é declaradamente seguidor do autor do livro A Origem das Espécies. 

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (171)

O Nordeste brasileiro é um celeiro de cidadãos e cidadãs inspirados e fortes, como certamente diria o impagável fluminense Euclides da Cunha (1866-1909).
Euclides, que tombou à bala ao tentar matar o amante de sua mulher, foi jornalista e escritor de letras brilhante que nos legou a obra prima Os Sertões, que conta magistralmente a história da Guerra de Canudos. 
Com certeza Euclides passou a vida sem pular cerca, deixando porém à mingua a mulher Anna (1872-1951).
Bom, mas não é de Euclides e sua obra que quero aqui falar. 
Os nordestinos, como eu ia dizendo, são inspirados e fortes como o próprio Nordeste. 
No começo do século 19 o Rio Grande do Norte gerou para o mundo Nisia Floresta, a primeira brasileira a brigar por direitos iguais entre homens e mulheres. Já falei disso e dela.
Depois de Nísia, o mesmo Rio Grande do Norte legou ao Brasil Irene Dias Cavalcanti.
Irene foi a primeira poeta nordestina a abordar o erotismo como matéria-prima de grande valor. Nasceu em 1927.
Em 1946, no Ceará, nasceu Joyce Cavalcante. 
Não demorou e Joyce logo mostrou a que veio, exibindo com galhardia o seu talento. Tem uma dúzia de romances e outras criações no campo da literatura. É premiada no Brasil e na França. 
Um dos seus livros marcantes é O Cão Chupando Manga, de 2001. Romance. A história se passa na capital paulista. Um restaurante de nível sofisticado é o lugar onde quase tudo acontece. O garçom, Zezinho, é o cão em pessoa e é também o personagem que inspira o título do livro. Tem paixão, sexo, essas coisas.
De prender a atenção de quem gosta do que é bom é também o provocante Inimigas Íntimas. 
Em Inimigas Íntimas Joyce põe na roda um sujeito prepotente, rico, que vive com quatro mulheres e nelas manda como se nada fossem. É um pega pra capar e mais não digo. 
Joyce é uma brasileira de sensibilidade agudíssima. Cheia de graça e vigor. Não há como não gostar dela. Provocantemente responde a tudo que lhe perguntam. O cabra que duvidar recomendo que leia e espalhe por aí a entrevista que fiz com ela. Esta:

ASSIS ÂNGELO — O sexo se acha na poesia, no romance, na pintura, no cinema, em todas as manifestações artísticas. Mas a hipocrisia não permite que se fale abertamente a respeito desse assunto. 

JOYCE CAVALCCANTE — A hipocrisia é o pilar onde se escoram todas as religiões, como também as demais instituições de poder.  É por essa estratégia que a religião vira política e ninguém se apercebe até ter sido escravizado. Amordaçado.


ASSIS — Joyce, que importância tem o sexo nas artes, especialmente na literatura?

JOYCE — É de uma importância tão grande e abrangente que fica difícil imaginar qualquer expressão artística que não tenha sido alimentada pela energia vital do segundo Chakra, SVADISTHIANA. De cor laranja é o Chakra que gerencia a sexualidade e a criatividade, dois conceitos inseparáveis quando se trata da reverenciar a vida fazendo literatura.


ASSIS — Você teve problema ao abordar esse assunto no começo de sua vida como mulher e profissional da literatura?

JOYCE — Não, nunca tive esse tipo de inibição. Principalmente porque a minha literatura - enquanto oscila entre o sagrado e o profano - se baseia, acima de tudo, na vida, que não pode nunca se dissociar do sexo. Porque o sexo é o ninho de toda manifestação de vida que possa existir. É o sopro primordial. Sem ele não haveria existência. Seríamos todos uns não nascidos.


ASSIS — É mais frequente o sexo na literatura masculina do que na feminina, por quê?

JOYCE — Pelo que já li nessa vida, julgo que acontece uma total equivalência entre ambos os campos sexuais ao produzir suas respectivas literaturas. Existe sim diferença de abordagem, mas não na representatividade numérica. Acho que porque no campo do erotismo é preciso que as parcerias sejam compostas e trabalhem em sinergia, senão qual é a graça? 


ASSIS — Eu estudei em colégio de padres e tive dificuldade para aprender e me divertir com livros cujas histórias tratavam de sexo. Henri Miller, por exemplo, eu li às escondidas. E você? 

JOYCE — Eu também li muito às escondidas, na minha adolescência. É saboroso, demais. 

Meu pai tinha uma enorme biblioteca e muito organizada. Ler era o melhor passatempo na minha casa, porém tinha um severo controle etário, e alguns livros traziam o carimbo: “Impróprio para senhoritas”, nos avisando explicitamente que não era para chegar nem perto daquelas obras. No entanto, havia os livros religiosos os quais éramos incentivadas a ler. Um deles era “A Vida de Santa Terezinha”, que trazia uma sobrecapa em papel brilhante e colorida, ilustrada com a figura de uma linda moça coroada com um diadema de rosas. Enquanto minha mãe pensava que sua filhinha estava virando santa, eu utilizava essa sobrecapa para encobrir a capa de couro vermelho do “Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz; “O Vermelho e o Negro, de Stendhal”; “Dona Flor e seus dois Maridos”, de “Jorge Amado”; “O Romance de Tereza Bernard”, de Madame Leandro Dupré” e inúmeras outras maravilhas. 


ASSIS — Todos os grandes escritores brasileiros, incluindo Olavo Bilac e Guimarães Rosa, falaram com naturalidade sobre a relação mulher/homem e tal. Autores estrangeiros também. Os grandões, desde sempre, abordaram essa temática. Aretino, Sade, Baudelaire, Focault e tal e tantos. O que você poderia dizer de Gregório de Mattos e Drummond? 

JOYCE — Todos esses eu fui ler mais tarde e não me emocionaram tanto quanto os romances por mim citados acima. Mas Castro Alves sim, me emocionou. Não obrigatoriamente no épico “Navio Negreiros”, mas nas poesias de “Espumas Flutuantes”. Estudei toda sua obra quando estava no cursinho pré-vestibular. Estava cotado para cair na prova de português do vestibular. Não caiu, mas eu me apaixonei pelo poeta ao ponto de me sentir uma de suas musas. Fiquei fascinada por seus eróticos sonetos de amor, tão exagerados, tão intensos que, muito depois, encontrei nas letras das músicas de Cazuza um quê de Castro Alves.  

Carlos Drumond, Guimarães Rosa e Baudelaire, são mestres.  

E, para não deixar no esquecimento as mulheres, devo citar a melhor de todas: Anaïs Nin. Por imposição da justiça, entre outras a brasileiras: Júlia Lopes de Almeida. 

Porém, não se assuste. Não abrirei essa caixa de Pandora, senão seria inaugurada uma noite sem fim.


ASSIS — A sua obra é pontilhada de erotismo. Fale mais um pouco a respeito disso.

JOYCE — Aí vai. Divirta-se:


PARA TE FALAR DOS MEUS SEIOS


Parceiro,

Eu te contaria toda a história dos meus seios, te falaria deles com menos embaraço, se por acaso tivesse tua mão enganchada na minha complementando minha coragem. (Não ache que é tão fácil ou tão indolor falar assim.)

Derrama com calma um olhar guloso pelo meu decote adentro, mas por favor, não me olhe depois como se pudesse ler meus pensamentos.

Gostaria também muito, nem que fosse por um pequeno segundo, de poder perceber minha imagem refletida na tua íris como se eu fizesse parte de ti. Ao mesmo tempo, ver tua imagem entrando pelos meus olhos, ou seja, eu em ti e tu em mim, numa alucinante projeção infinita.

(Deixa eu falar, nem que pareça tola. Deixa eu falar em paz de minhas vontades e expectativas sem a mínima disciplina. Sem censura largar minha cabeça à toa. Serão os seios o elemento básico de minha anatomia que me torna feminina e nos diferencia?)

Toque-me. Sinta como pulsa rápido meu coração.

Por cima do meu coração estão duas construções de minha geografia que brotaram com a única intenção de te provocar, principalmente quando uso certa blusa preta sustentada apenas por um cadarço. Daí, faço uso de tua imaginação e penso, que se puxas o laço, tudo vai ficar à mostra. E eu serei nada mais do que uma posta de mulher à tua disposição. (Vai ver que neles está nosso traço de união. Um traço atávico, pois não foi de algum seio que retiramos nossa primeira alimentação?)

Vá além da fantasia e me desfrute. Você me quer e eu te preciso.

Se você aqui não concordar, te demonstrarei em detalhes meu propósito, Me despojarei de qualquer roupa, coisa como jogar fora a embalagem que envolve a prenda para libertar a alegria de quem a recebe. É importante livrar-se de todas as prisões seculares que limitam. Aposentarei o antigo espartilho ou o não tão antigo sutiã, engrenagens que me apertam as carnes e me fazem tensa.  Eu não estou conseguindo sozinha desatar tantas presilhas, peço que me ajudes. E desde que me ajudes, estarei quase nua. (Contra nós, são obstáculos essas peças que tentam nos separar na hora do abraço.)

Veja meus seios descobertos, desprotegidos, inteiramente à mercê de tua maldade ou de tua benevolência. É tudo teu.

Será então um momento perfeito aquele em que tu que me desabotoavas ainda há pouco, sentado na beirada da cama  me rodeares a cintura, encaixando teu rosto de perfil, exatamente no hiato que existe entre, acolá. Num acanhado gesto, meio encabulada, dissimulando, vou me movimentar fingindo descompromisso, de forma a encostar tua boca em um dos meus mamilos. (Entretanto, minha intenção é te amamentar. Te sentir dependente, transformado em menino.)

Me suga, amor, enquanto solto um gemido baixinho. Modela com teus lábios meu prazer. Pode mordiscar. Não com muita força.

Seios são iguais as frutas de casca transparente e frágil. Quem com eles quiser brincar tem de ter muito refinamento e exatidão. Mesmo quando o desejo se confundir com a impaciência, é preciso cuidado. Certo dia lhes fizeste uns carinhos mais enérgicos, eu me lembro. Fiquei com os olhos cheios de água. Não era dengo nem exagero, não. É que eu fico sempre vulnerável quando está vindo minha menstruação. (Componente essencial da metafísica dos seios.)

Vamos deitar. Uma vez deitados, esconde teu nariz neles, quase te provocando um asfixiamento, ou um afogamento, já que pra ti eles se parecem com o mar.

Além de ser o mar, eles podem ser duas luas bêbadas e desorganizadas que oscilam quando faço movimentos tentando me enroscar em ti só para ganhar a sensação gostosa de teu peito cabeludo se roçando no meu. Gostas de te divertir com essas luas particularmente aos domingos pela manhã, quando acordamos. E eu nada mais quero das manhãs de domingo que eu tiver na vida a não ser tal ondulado, tal preguiça, tal contato. (Área na qual teu talento jamais será esquecido. Até no tempo em que eu não estiver mais contigo.)

Estou prontinha para amar, porém não tenho pressa. Deixa primeiro eu terminar de falar: quero propor um jogo diferente que retrate nossa imagem, nossa semelhança.

Foi por isso e por tanto que essa mulherzinha se permitiu inventar um jogo novo para te dar de presente. Não tenha receio, é um jogo bonito. No amor, todo ludismo é permitido. Vem cá. Deixa-me segurar teu sexo como se quisesse guardá-lo no peito. Devolvo a ti todas as folias que fizeste em mim. Esfregue-me, portanto. Do atrito de nossas peles, quem sabe eu consiga colher a intensidade do teu brilho num instante e o produto espalhar pelo meu pescoço, face, barriga, axila, por várias partes do meu todo.

No amasso demorado do fim, teu esperma secando vai se encarregar de nos unir suavemente, nos deixar misturados. Que loucura que é ficar assim: ser dois. (Porque em princípio a gente é solidão; junto fazemos a exceção).


ASSIS — Agora, Joyce, fale um pouco de você e da realidade que vive a mulher na nossa sociedade. Houve evolução? Que futuro você prevê?

JOYCE — Estou completamente comprometida em escrever minha biografia. Isso quer dizer que, devido a tal escolha, me obrigo a ser mais passado do que presente e muito menos futuro.

Vou escrevendo com a maior isenção, como sempre fiz com todos os meus romances. O objeto é inspirar quem vier em seguida. Já estou em pleno emprego vendo o passado o presente e o futuro se desenrolarem na minha frente como se fosse um filme colorido e emocionante, mas não é nada disso. Aqui está a mesma Joyce.

quinta-feira, 6 de março de 2025

EU E MEUS BOTÕES (78)

 - Pois é Flor, eu gosto muito desse pessoal. É gente simples, de vários pontos do Nordeste. A intimidade é tanta que nunca tive a curiosidade de chamar cada um pelo nome completo. Sei de um ou de outro como Zé Periquito...

- Pra falar a verdade, eu também passo a gostar desse pessoal. Há umas figurinhas curiosíssimas como Lampa. A propósito, tem ele algo que o ligue ao famoso Lampião?

- Acho que sim, mas pergunte a ele.

Oi, oi, oi, cadê o povo daqui? Ah! Bom, olha lá a figurinha Lampa!

Lampa está de pé, com os braços cruzados, olhando e ouvindo atentamente a expressão de seus coleguinhas botões ante um radiozinho antigo de onde é possível ouvir alguém falando em outra língua, talvez inglês. Estranho... Ei, ei, ei, pessoal! Estamos aqui, eu e dona Flor. 

Lampa foi o primeiro a se voltar e a nos olhar, com os braços descruzados e as mãos enfiadas nos bolsos. Aproximou-se de nós, de mim e Flor e com algum desembaraço nos saudou com algo na cara que identifiquei como um meio sorriso. Estranho, mas sorriso. Ele estendendo a mão à Flor, disse com os olhos brilhando: "Bom bombom dia dodona Flor!".

Com toda naturalidade do mundo, a historiadora Flor deixou-se apertar a mão e com alegria devolveu: "Bom dia, Sr. Lampa".

A essa altura, Zé, Mané, Zoião, Biu e Barrica; Zilidoro... e mais três figurinhas ali estavam olhando tudo sem piscar. 

Bom, pessoal. O que vocês estavam fazendo diante do rádio?

Biu e Barrica, como se tivessem ensaiado, responderam em uníssono: "A gente tava ouvindo uma rádio americana dando voz ao bufão Trumpi".

Como é que é, vocês estavam ouvindo uma rádio estrangeira falando de Trump?

Mané sentado estava, de pé logo ficou: "Pra falar a verdade, seu Assis, eu e alguns companheiros aqui entendemos um pouco de inglês, espanhol e até francês...".

O quê!? 

Zé solta uma risadinha safada enquanto Zoião diz: "Seu Assis, eu falo muito mal o português. Confesso que depois que conhecemos dona Flor, a nossa cabeça abriu-se um pouco mais. Estou pensando até aprender russo e aquela língua do Oriente onde o povo palestino está morrendo que nem bicho sem dono...".

Tá bom, tá bom, mas eu quero saber é porque vocês estão ouvindo uma emissora estrangeira...

Lampa, que saira da nossa frente na surdina, de repente falou: "Seu Assis, o intelectual aqui com a boca cheia de língua é esse aí o Zilidoro".

Achei graça na forma como foi revelada a intimidade de Zilidoro com línguas estrangeiras. Bati palmas e todos me seguiram. Dona Flor: "Incrível! Incrível! Vocês são incríveis!".

Pessoal, Dona Flor tem curiosidade de saber a origem de vocês. 

"Isso mesmo, eu gostaria de saber o nome completo de vocês, de onde vocês vieram... Por exemplo, Lampa você tem algo a ver com o famoso Lampião?".

A pergunta bateu forte no peito de Lampa, que engasgou-se enquanto procurava falar, emocionado. Disse que foi batizado com o nome de Luiz Luizinho Lampa e que nasceu no interior de Pernambuco. Ainda gaguejando disse que era parente distante do grande Virgulino, tombado morto nas quebradas de Sergipe, em julho de 38...

"Dedepois, eu fafalo mais Dona Flor. Eu prometo", disse Lampa encerrando a fala.

"Seu Assis, tenho uma coisa pra dizer. Lampa acaba de falar de Pernambuco. O sinhô sabia que a famosa Revolução Pernambucana de 1817 começou num dia como hoje, quinta 6 de março?", perguntou-me o poeta Zilidoro. 

Vocês estão ficando incontroláveis,  impossíveis... Confesso que não lembrava dessa data. Sei, porém, que foi um sangrento movimento separatista. Durante 75 dias Pernambuco foi um país, desligado da Corte. Sei também que morreu muita gente. No paredão, inclusive. 

"Pôxa vida! A conversa está muito boa, mas é hora de forrarmos a barriga", sugeriu Dona Flor. 

Ótimo!

Concordando todos de barriga vazia, palmas.



terça-feira, 4 de março de 2025

EU E MEUS BOTÕES (77)

Olá, pessoal. Boa tarde! Ué, cadê vocês que não me respondem?

Abraçado com o mano Bil, Barrica foi dizendo "Desculpe seu Assis, mas eu estou me sentindo assim meio Mané..."

"Como é que é? Meio Mané é a puta que pariu, viu!?", foi falando quase aos gritos o nosso querido botão Mané. Depois, puxou um lenço do bolso e com ele limpou a cara. "Mais respeito, mais respeito!".

A sala ficou completamente em silêncio. Após sentar-se no tamborete, Mané findou por pedir desculpa. 

Surpreso com a reação de Mané, Barrica levantou-se de onde estava e foi abraçar o colega. Solidários, os botões fizeram fila para abraçar o querido botão. Só Lampa não fez isso. Sentado estava, sentado ficou. Sem um pingo de incômodo, o velho cangaceiro puxou de fininho o punhal e com ele começou a cutucar as unhas. 

Ao se desculpar, Barrica contou que bebera bastante no dia anterior e por isso ficara desse jeito. Sabe como é, um tanto tonto e morrendo de vontade de dormir. 

Zilidoro, depois de voltar para seu canto disse que Barrica é fraco no tocante à bebedeira. Biu concordou e revelou que o mano estava doente de roedeira, pois a namorada com quem pretendia se casar estava corneando-o numa boa. E todos caíram na risada. Menos Lampa, que de cabeça baixa estava e de cabeça baixa ficou cutucando as unhas. 

Bom pessoal, estou sentindo a falta de duas pessoas: Pitoco e Fuinha. E está pra chegar a querida Flor Maria. 

Ao ouvir esse nome, Lampa limpou seu punhalzinho inseparável na barra da calça e o enfiou de volta à cintura. Levantou a cabeça, respirou fundo enquanto passava o tempo. Sem nada dizer, levantou-se depressa arrumando a calça e a camisa de manga curta que usava. Sentou-se de novo. De repente olhou nos olhos de todo mundo que ali estava e grossamente abriu a boca e perguntou: "E aí, vocês nunca viram macho, não?".

Mais uma vez a casa dos botões explodiu numa risada só.

"Até o senhor, seu Assis?", bradou do seu jeito o imprevisível Lampa ao mesmo tempo que se encaminhava em direção ao banheiro. Nisso chega a tão esperada Flor Maria. 

Ao ouvir o doce nome da Flor, Lampa saiu quase correndo de onde estava, enxugando o rosto. E tinha um sorriso estranho na cara. E logo um cheiro forte de perfume barato tomou conta do ambiente. 

Pois, como eu havia prometido, aqui está a historiadora Flor Maria. Dona Flor, a sala é sua. E todos se levantaram batendo palmas. Numa tentativa de ser o primeiro a fazer pergunta à visitante, Lampa abriu a boca e da boca nada saiu. O que se ouviu foi algo como um grunhido, pois gaguejar nem conseguia. Levantei o dedo indicador direito e o levei aos lábios pedindo silêncio. Com tranquilidade, Flor Maria dirigiu-se a Lampa e perguntou o que tinha feito nos últimos dias. 

Ao recompor-se minimamente, Lampa passou a mão no rosto e disse que sentira falta das suas palavras e que no Carnaval brincara muito no bloco Ainda Estou Aqui. 

"Muito bem, Lampa. Você assistiu o filme  feito pelo Walter Salles que tem entre as atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro?".

Lampa disse que sim e que lera o livro que inspirou o filme. Mais: achou uma injustiça a Fernandinha não ganhar o prêmio maior da Academia. 

Zilidoro, que não perdia um movimento de Lampa, levantou-se puxando palmas. E todos: "Muito bem! Muito bem!! Muito bem!!!".

Zoião, lá no seu cantinho ao lado de Zé levantou a mão pedindo palavra: " A presença da dona Flor aqui já está fazendo efeito. Até eu, que não sou chegado a filme de cinema, assisti a quase todos os filmes da temporada desse tal Oscar".

Biu e Barrica riram do final da frase de Zoião corrigindo: "Não é Oscar não. É Óscar".

Confesso que achei graça, mas deixa isso pra lá. Bom, quero saber de vocês se gostavam de Inezita Barroso. 

"Eu cheguei a ver dois ou três filmes por ela estrelados. Um deles lembro bem: Ângela", contou Zé acrescentando que adorava vê-la na TV Cultura apresentando o programa Moda e Viola. Ao dizer isso, Zé fez todos ali dizerem que amavam Inezita. Bom, continuei lembrando que hoje 4 de março completam-se um século e um ano do nascimento dela. Vocês sabiam que Inezita era Inês? 

Timidamente, Zoião informou a quem não sabia: "Ela se chamava Ignez Magdalena Aranha de Lima. O Barroso que ela usava era sobrenome do marido". Ouviu-se "Muito bem! Muito bem!".

Inesperadamente, Lampa levantou-se e todo orgulhoso falou: "Pois é, fiquem vocês todos aqui sabendo que neste 2025, mais precisamente no próximo dia 8, vai se completar dez anos que ela morreu".

Foi a vez de Zoião cair na risada e corrigir Lampa: "Ô seu besta. Né vai não. É vão, visse?".

Ao ouvir tal coisa, Lampa deu um pulo já com a mão no punhalzinho. Calma, calma pessoal. E já que Pitoco e Fuinha não vieram, sugiro fazermos um lanchinho lá embaixo para acalmar os ânimos.

sábado, 1 de março de 2025

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (170)

Foto de mulher pelada existe desde quando foi inventada a máquina fotográfica. Faz tempo. Coisa de franceses trazida ao Brasil pelas mãos do imperador Pedro II.

Como o pai Pedro I, Pedro II era doido por mulher. 

São raras as primeiras fotos de mulher pelada publicadas na imprensa. Isso não quer dizer que já no século 19 não existissem publicações dirigidas aos onanistas de plantão. 

Escritores que o tempo tornaria famosos enchiam páginas de jornais com histórias picantes assinadas com o próprio nome ou pseudônimos, caso de Coelho Neto e Olavo Bilac. 

O jornalista português Joaquim Alfredo Gallis, o Rabelais, também fez muito sucesso na sua terrinha e cá no Brasil. Entre os inúmeros títulos que publicou acham-se O Marido Virgem; Devassidão de Pompeia e As Mártires da Virgindade, entre outros. 

Esses autores eram classificados pelos conservadores como canalhas e pornográficos.

O tempo passou até que, na passagem dos 40 para os 50 do século 20, surgiram Zéfiro e suas revistinhas “para homens”.

O tempo passou e chegou também a ditadura militar quebrando o silêncio da madrugada perena de 1° de abril de 1964.

Em 1979, começou a abertura política. O governo era do Gal. Geisel.

Foi por ali, por aquele tempo, que a Editora Três bancou uma editoria própria para revistas de conteúdo erótico, com fotos classificadas pelos conservadores de plantão como “ginecológicas”. E entre os cartunistas convidados para ilustrar as tarefas e dar mais vida às revistas se achavam Mariza (Mariza Dias Costa; 1952-2019) e Fausto. 

Mariza já está lá em cima. 

O jornalista Leonel Prata foi chamado pela Três para editar as publicações dirigidas ao público masculino. Com prazer, fui ouvi-lo. 

Aqui ele conta tudo e mais um pouco do esforço que fez para pôr nas bancas as revistas. 

Não foi fácil a sua “convivência” com a Censura. Confira:


ASSIS ANGELO — Você foi um dos editores  de revistas eróticas mais badalados do Brasil.  Sob a sua batuta foram às bancas  Homem, Privé, Chic e várias outras. Pergunto: ainda há espaço para esse tipo de revista?

LEONEL PRATA — Infelizmente não há mais espaço, nem para revistas de mulher pelada nem para assuntos gerais, a não ser publicações de grandes reportagens (Piauí, por exemplo) ou crônicas.

 

ASSIS — Você acha que a Internet acabou com as revistas de mulher pelada?

LEONEL — Sim, não tenho a menor dúvida. Hoje em dia as mulheres peladas estão  a um toque de dedo no celular para qualquer tipo de público – rico, pobre, infantil, juvenil, adulto, velho. E a pessoa ainda escolhe qual mulher quer ver nua. 

 

ASSIS — Alguma comparação entre sites pornô e revistas masculinas?

LEONEL — Não dá pra comparar. Os tempos eram outros, não havia sites.

Com a Homem, fomos os pioneiros em mostrar o sexo feminino em close – isto não existia e pouquíssima gente tinha acesso fácil a uma xereca na cara. A molecada punheteira era o nosso grande público, porque a maioria não via nem conhecia isso ao vivo, assim tão de perto.

Nas nossas revistas fazíamos jornalismo – entrevistas com artistas e personalidades, grandes reportagens, denúncias, seções, etc, sempre com o tema voltado para o sexo. Isso também ajudava a vender. Inventamos a fotonovela erótica, que se aproximaria um pouco do site pornô de hoje, só que sem sexo explícito nem órgão genital masculino à mostra – uma das exigências de Brasília quando liberaram o pelo pubiano. Os filmes pornôs eram de difícil acesso. Hoje os sites dão de mil a zero em qualquer setor.

 

ASSIS — As revistas de mulher pelada para homem ocorreram no período da abertura política no Brasil, a partir de 1979, governo Geisel. Como você vê aquele período, o período da abertura?

LEONEL — No começo, a censura ficava em cima, não podíamos mostrar pelo pubiano. Mandávamos as provas de fotolito para Brasília para aprovação da Dona Solange Hernandes (1938-2013). Quando escapava um pelinho qualquer, colocavam tarja preta. E nos devolviam todo o material. Foram abrindo as pernas aos poucos.

Os editores de revistas masculinas foram chamados à Brasília para conversar com a censura – finalmente iam liberar o pelo pubiano nas nossas publicações. Essa reunião de Brasília não durou meia hora. O Dr. Madeira, chefão da censura, entrou na sala todo perfumado e falou: a partir de agora está liberado o pelo pubiano nas revistas de vocês, só não pode órgão sexual masculino, cenas de sexo explícito, lesbianismo... E nos dispensou.

Fazíamos 28 títulos por mês, quase um por dia. Fizemos uma edição especial da Homem com uma bunda na capa e no miolo só mulheres com os pelos à mostra e a genitália escancarada. Vendeu 300 mil exemplares em um dia.

Apesar dessa “abertura”, sofremos vários processos por causa das nossas revistas. Minhas digitais estão em várias delegacias de polícia de São Paulo. Vivia “tocando piano”. Chegamos a prestar depoimentos na Polícia Federal por causa de uma edição da revista Privé. Nesse dia, a chamada imprensa escrita, falada e televisada, curiosa, nos esperava na porta da sede da PF. Saímos pelos fundos.

 

ASSIS — Tudo ou quase tudo é comércio. O sexo também. Você vê hipocrisia na comercialização do sexo, da prostituição?

LEONEL — A hipocrisia está em todos os lugares desde sempre na história da humanidade. Não seria diferente no sexo. Ainda mais que sexo vende muito.

 

ASSIS — O tema é abordado e discutido desde sempre. Tema sexo. Desde a antiguidade. Está na Bíblia e em todo canto. Você vê alguma normalidade na busca pelo sexo?

LEONEL — Todo mundo tá sempre buscando sexo na vida, ou porque ainda não sabe como é na prática, apesar de ver no celular e no cinema, ou porque quer sempre mais – ver ou fazer. Sexo é matéria que não se esgota nunca, nem sai de moda.


ASSIS — O que você estaria publicando hoje nas revistas de putaria?

LEONEL — Se ainda fosse vender nas bancas, evidentemente. Bancas de revistas agora vendem poucas revistas e jornais impressos (outro produto em desuso), brinquedos, cigarro, isqueiro, bonecas... 

Mas se fosse pra fazer, publicaria o que sempre publicamos: fotos de mulheres lindíssimas, mais reportagens, entrevistas, curiosidades etc., de acordo com os dias de hoje. Sexo dá assunto e vende sempre.

 

ASSIS — O puritanismo invadiu todas as classes sociais, incluindo jovens. Que diabo é isso? Puritanismo tem cura?

LEONEL — Puritanismo não tem cura. É foda. Aliás, é tudo foda.


Equipe da Editora 3

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