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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (157)

Marques Rebelo
A vida tem por costume nos surpreender de tudo quanto é jeito.

Uma Senhora é título de um conto do jornalista carioca Marques Rebelo (1907-1973). Nada a ver com Senhora, de José de Alencar. Rebelo conta o caso de uma mulher que passa o ano todo cuidando da casa, dos filhos e do marido. Seu prazer é desfilar no Carnaval.

Não são poucos os contos e romances que trazem o Carnaval como pano de fundo para personagens de todo tipo se movimentarem, tanto na avenida como nos bares e camas da vida. 

Há livros inteiros abordando a temática momesca. 

É do baiano Jorge Amado o livro O País do Carnaval. O título já diz tudo. E foi esse livro o primeiro da densa bibliografia de Amado. 

Carnaval é fantasia, brincadeira e coisas tais que podem nos remeter à série monumental de contos e causos que formam As Mil e Uma Noites.

Coisas das Arábias. 

Um Beijo no Deserto, que nada tem a ver com folia carnavalesca, traz uma história fantasiosa e mirabolante capaz de facilmente encantar o leitor ou leitora de qualquer idade.

Começa em Londres e tem desfecho fantástico lá pras bandas de Beirute. A protagonista, Christine, aceita o desafio para passar-se por uma princesa e como tal convence o sheik Abu Hamid a negociar com o irmão Charles e o amigo Michael, esse um conde que pretende realizar uma grande compra de cavalos árabes.

Quanto ao amigo do irmão Charles, esse termina por apaixonar-se por Christine. Os dois pombinhos não se aguentam e dão uma passadinha em Delfos, na Grécia… E mais não digo.

Barbara Cartland

A autora dessa história é Barbara Cartland.

Histórias do Oriente sempre mexeram com a cabeça de todo mundo, principalmente da molecadinha, dos jovens em formação. 

Quanto à molecada mais robusta o que mais encanta hoje tem a ver com histórias cujos roteiros são permeados por personagens vagando mundos desconhecidos, muito além desse nosso mundinho besta, esculhambado e sem futuro que estamos destruindo ao destruirmos o meio ambiente.

Há escritores de ficção científica, incluindo mulheres: Octavia Butler, Connie Willis e Carol Façanha.

A afro-norte-americana Octavia Butler (1947-2006) ficou conhecida pelos livros de ficção científica que escreveu.  No livro Kindred - Ligações de Sangue (1979), ela cria personagens que têm tudo a ver com o racismo ainda reinante no mundo todo.

A escritora Carol Façanha, doutora em Literatura Inglesa pela UFRJ, tem vários livros publicados, entre os quais Não Esqueça (2021). A história que insere nesse livro se passa numa imaginária São Paulo do futuro. A personagem principal, Pandora, enfrenta problemas de todos os tipos. Perde a memória e corre risco de morte.

Juízo Final (1992), de Connie Willis, é um mergulho no passado e no futuro. Vai até à Idade Média e num salto maior chega ao ano de 2050. A personagem Kivrin faz uma incrível viagem de pesquisa em campo colhendo informações sobre doenças que afetam e afetaram a humanidade, como a Peste Negra. Em Juízo Final, a protagonista corre um grande perigo.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (156)

A literatura estrangeira sempre teve espaço no Brasil.

Escritores brasileiros como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José de Alencar, Machado de Assis, Zé Lins do Rego, Jorge Amado e tantos e tantos também ocupam espaços privilegiados nas estantes de estrangeiros que gostam da boa literatura. 

Pouca sabe que o maranhense Coelho Neto (1864-1934) escreveu e publicou mais de uma centena de livros com temática realista, naturalista e até poeta parnasiano ele foi. 

Quanto à Audálio, de quem já falamos linhas atrás, não custa dizer que ele foi bem mais do que um simples e mortal jornalista. Gostava de escrever contos e poemas no estilo cordelista. Uma vez até sugeriu a Vandré trocar um verso da canção Fabiana.

Pois é, poetas não faltam no nosso querido Patropi.

Em 2011, o cearense de Fortaleza Celso de Alencar publicou um livro, Poemas Perversos, sobre homens e mulheres de vida fácil ou difícil. Sei lá! Entre seus poemas, As Putas do Jardim da Luz:


São velhas e belas as putas do Jardim da Luz. 

Elas me amam à tarde 

e mastigam docemente as minhas mãos 

e colocam-se dentro do meu pênis 

como se fossem um oceano suntuoso e perfumado.

Eu caminho sóbrio como os pássaros 

para beijar-lhes as bocas de álcool fecundado 

entre a língua e a garganta.


Elas me amam e são puras 

e eu lhes digo que escuro está o dia 

e o vento dobra as árvores sobre mim 

e o meu coração murmura levemente os meus pecados.


Eu as ouço:

Vem comigo!

O vulcão dorme pela manhã 

e nos meses em que tudo é noturno.

Olha os nossos nomes que tremulam na

bandeira da estação ferroviária.

Mede a profundidade de nossas vaginas prolongadas. 

Escuta o som das flautas e dos trens

que sai de nossas almas. 

Ouve as histórias que contamos sobre

a vida breve de nossos filhos acinzentados. 

Coloca-te dentro da loucura incandescente e amarga.


Eu amo as putas do Jardim da Luz.

Elas são puras e eu ouço as vozes de seus filhos 

entre os lençóis que flutuam

como cortinas coloridas

nas portas dos quartos

onde a morte se encontra.

domingo, 15 de dezembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (155)

Graciliano Ramos foi um dos primeiros escritores brasileiros a escrever sobre bullying, quando essa expressão ainda nem existia.
Em 1939, Graciliano escreveu e publicou A Terra dos Meninos Pelados, cujo personagem, Raimundo, tem um olho azul e outro preto. Isso é suficiente pra ele ser maltratado pelas pessoas à sua volta. Sofre e termina indo para um lugar habitado por iguais a ele. 
Essa história foi adaptada pela TV Globo, em dezembro de 2003.
Nessa mesma linha, a contista neozelandesa Katherine Mansfield (1888-1923) escreveu, um ano antes de morrer de tuberculose, A Casa de Bonecas. Nessa história há duas irmãs, Lil e Else Kelvey, que são menosprezadas por colegas de escola só pelo fato de serem pobres e morarem em uma comunidade, como se diz hoje. 
As colegas de escola de Lil e Else, as riquinhas Kezia, Isabel e Lottie, não as convidam para conhecer a casinha de boneca recebida de presente de uma amiga ricona da mãe das três irmãs. É um conto incrível, uma lição sutil pra quem faz bullying.
Guimarães Rosa foi um craque que pintou com originalidade o roteiro pelo qual se movimentaram seus inúmeros personagens. E tinha por gosto inventar palavras e anular sinais gráficos na sua prosa. O mesmo fazia, vejam só, o irlandês James Joyce (1882-1941). 
Ulisses, de Joyce, traduzido para o português por Antônio Houaiss (1915-1999) é exemplo disso.
Joyce foi buscar em Homero inspiração para desenvolver a história que tem como personagens principais Leopold, Marion e Stephen. Esses três representam respectivamente na obra de Homero Ulisses, Penélope e Telêmaco.
Primeiramente publicada em capítulos na revista Little Review de Nova Iorque, a história de Joyce foi censurada. Liberada por um tribunal dos EUA, a obra saiu no formato de livro em 1922.
A obra de Homero continua viva na memória de muita gente. Tem sido publicada em tudo quanto é língua e é referência dos mais diversos autores, como Voltaire.
Na obra-prima Cândido, Voltaire cita Homero e sua Ilíada. Mais: Virgílio, Camões, por aí.
O personagem que dá título ao clássico de Voltaire é um jovem pra lá de otimista. Anda por várias partes do mundo, enfrentando diversidades. Começa na Alemanha e segue por países da América do Sul incluindo Paraguai e Argentina. Essa história termina em Constantinopla depois de passar pela França e Inglaterra. 
A personagem feminina que faz par com Cândido é Cunegundes.
No correr dos capítulos, 30 no total, há muita violência e até estupros.
Mais uma vez a ficção leva autores a desenvolver histórias extraídas do real. Caso aqui de Cangaceiros, romance do paraibano José Lins do Rego, publicado em 1953.
A heroína é Alice, uma jovem que finda por apaixonar-se por Bento, filho de um cangaceiro e que tem por irmão um celerado impiedoso chamado Aparício. Violentíssimo e temido até pelo cão. 
Numa parte do livro, lê-se: “...Aparício tinha atacado a cidade de Pão de Açúcar e feito uma desgraça, matando o sargento do destacamento, arrastando para a rua a família de Fidélis de Sousa. Os cabras serviram-se da mulher do homem, até que a pobre não deu mais sinal de vida…”.
A mãe de Bento e Aparício, Josefina, foi estuprada e acaba por suicidar-se com uma corda no pescoço. 
Nesse livro de Zé Lins há muitas cenas chocantes e violentas.
Bento, incentivado por um cantador repentista, foge com a sua amada.
O real também se acha no romance A Inquilina de Wildfell Hall, de Acton Bell, pseudônimo da inglesa Anne Brontë (1820-1849), a caçula dentre as irmãs literatas Emily e Charlotte.
O livro conta a história de Helen que ao casar-se descobre que o marido não é o cara que ela imaginara. Arthur é violento, jogador, beberrão e mulherengo. Humilha a mulher de todas as formas. Um dia ela toma coragem e vai-se embora com o filho de cinco anos, deixando o ex-amado irado e a subir paredes. No lugar que escolhe para morar troca de nome e passa a viver dos quadros que pinta. Discretíssima, ela chama a atenção das fofoqueiras da região e de um jovem que logo demonstra ter muito carinho para dar: Gilbert.
Emily Brontë (1818-1848) é a autora do clássico O Morro dos Ventos Uivantes, publicado um ano antes de ela morrer.
A outra irmã, Charlotte (1816-1855), também deixou grande marca na literatura inglesa. 
Não teve sorte na vida pessoal. Apaixonou-se por um sujeito já casado e com ele não teve futuro. 
As principais obras de Charlotte são Jane Eyre (1847); Shirley (1849); Villette (1853); O Professor, publicado postumamente em 1857; Emma, deixado inacabado e publicado em 1860.
Curiosa e também quase real é a trilogia formada por A Empregada (2023), O Segredo da Empregada (2024) e A Empregada Está de Olho (2024), de Freida McFadden. A personagem principal desses três livros é Millie, uma mulher que foi presa e condenada por assassinar um desclassificado que partira pra cima de uma jovem decidido a violentá-la. Passou dez anos na tranca e ao sair encontra mil e uma dificuldades para trabalhar. Ficha suja.
No primeiro dos três livros dá graças a Deus por conseguir emprego na casa de um casal que tem uma filha chatíssima. A patroa a humilha de todos os modos e humilha também o maridão, que parece conformado com a situação. E por aí vai.
No segundo, Millie carrega consigo um segredo, o clima cresce a cada capítulo. O terceiro volume… tã-tã-tããã…. Millie encontra um italiano chamado Eno, com ele tem uma menina e um menino… Decidida ela a ser feliz com o marido… É aí que a coisa pega fogo. O final é hilariante.

Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

VIVA A AMIZADE!



Como um relâmpago com flores e asas, vindo do futuro para o presente e a mim chamando a atenção para o passado brilhante e cheio de cores vi-me, pois, em exato êxtase...
Realismo e ficção se misturam desde sempre.
Tudo é muito bonito quando a gente tem gente nas nossas proximidades. 
A minha casa hoje 12 ficou em festa quando amigos bateram-me à porta. 
Um dia antes de hoje, o querido Maurício Pereira telefonou dizendo que não aceitaria de mim um "não" e que tampouco lhe batesse a porta na cara. 
Achei graça no que disse. 
Hoje o lugar onde moro foi maravilhosamente invadido por Maurício, Marcelo Cunha o Cunhão; Carlos Alqueres, Alberto Horta e a sua companheira, Val.
Maurício enfurnou-se na cozinha e deu uma grande amostra do que sabe profissionalmente de gastronomia. 
O cara Maurício não é brinquedo, não. 
O que saiu das mãos de Maurício nos embriagou a partir do cheiro.
Tudo incrível, tanto que nem sei o que dizer. Tinha carne do Ceará e dos céus. Tinha magia nos pratos e... sei lá!
Bom, pessoal, hoje eu tive um dia realmente maravilhoso com as pessoas que aí citei. Pra se ter ideia, eu há mais de 15 anos não me encontrara com Horta e Alqueres. 
Disse-nos Maurício e Marcelo que também há 15 anos ou mais não tiveram o prazer e a alegria de abraçar Horta e Alqueres. 
Depois de tão salutar comida providenciada por Maurício, em comum acordo e com desejo à flor da pele, fomos todos deglutir o boníssimo e saboroso whisky que Cunhão trouxe debaixo do braço. 
Pois então, como diz a querida Flor Maria: do futuro nada sabemos, do passado é possível saber o que queremos. 
Quanto ao presente, depende de o que queremos saber. 
E a história segue. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

TREVISAN DÁ ADEUS À VIDA



Machos e fêmeas insaciáveis se movimentam nas páginas dos livros de Dalton Trevisan (1925-2024). São tipos em constante busca de aventuras e prazeres que o sexo proporciona. 

Nelsinho é o Ricardão de Trevisan. Ele aparece nas 15 histórias inseridas no livro O Vampiro de Curitiba, lançado em 1965 e que encheu de fama e grana o seu autor.

Dalton Trevisan já havia publicado dúzia e meia de livros. Todos de contos.

O único romance de Trevisan foi A Polaquinha, lançado em 1985. Nele brilha a modo próprio a personagem que dá título ao livro. É jovem, loira e bonita. A sua beleza é estonteante, provocando nos marmanjos o desejo de possuí-la a todo custo. Ainda adolescente, a protagonista é desbravada por um macho de plantão, que depois de fazer o que fez a abandona. E aí a história vai ganhando escopo.

Na primeira e na segunda vez que transa, a polaquinha não sente grandes prazeres. Isso ela só iria alcançar com um motorista de ônibus denominado Pedro. Casado, o tal tem filhos e um monte de amantes. Imbroxável, do jeito desejável pela mulherada que cai na sua rede. 

Pedro é uma espécie de Ricardão e de Nelsinho, o vampiro que deu fama ao seu criador. 

O curitibano Dalton Trevisan escreveu e publicou pra mais de 700 contos.

Antes de tornar-se o grande escritor que foi, Trevisan estudou Direito e começou a ser conhecido como repórter policial de um jornal de Curitiba. Morreu no dia 9 de dezembro aos 99 anos, seis meses e cinco dias.

O corpo do escritor foi cremado na terça 10, sem velório, sem nada. Como desejava.


domingo, 8 de dezembro de 2024

JULIO MEDAGLIA É DO CARALHO

Clique para ler
No meu Brasil, há grandes brasileiros e brasileiras que nos orgulham. 
Brasileiros que pensam Brasil intensamente. 
Agora há pouco, a querida Flor Maria leu pra mim uma reportagem/entrevista muito interessante, bonita e forte, sobre e com o maestro Júlio Medaglia. 
Matéria importantíssima, bonita e bem feita pra quem queira saber de Brasil.
Júlio não tem papas na língua, a língua desse cara é solta e inteligente como o dono.
Ele tasca ripas em coisas ditas musicais com a grandeza de seu pensamento. Funk e coisa e tal ele manda pra casa do chapéu. 
Medaglia é Brasil, brasileiríssimo.
Os idiotas de plantão que nada sabem e nada leem têm que ser alfabetizados musicalmente. 
É de fundamental importância a leitura da matéria publicada sábado 7 na Folha. 
A história de Júlio Medaglia é uma história muito bonita.
Ele começou lá embaixo e foi lá pra cima e lá pra cima ele continua fazendo coisas que normalmente ninguém faz.
Gênio?
Genialidade nas artes e em todos os campos do cotidiano da vida é aquele ou aquela que está acima do que entendemos normal.
Na matéria de sábado da Folha, o compositor e maestro Júlio Medaglia disse que "...é possível ganhar muito dinheiro sem ser um filho da puta".
Dito o que disse, digo: Júlio é do caralho!.
PRELÚDIO 
Prelúdio é um programa de "calouros" que trafegam no campo erudito. Foi criado pelo maestro paulistano Júlio Medaglia. Estreou na TV Cultura no sábado 1 de janeiro de 2005. Estamos, pois, às vésperas de 20 anos da estreia desse programa. 
Prelúdio é, historicamente, o único programa do gênero criado por Medaglia.



LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (154)

Graciliano Ramos

O que posso dizer, e que pouca gente sabe, é que Guimarães Rosa chegou a escrever e a publicar histórias com contexto policial. Mais: também chegou a escrever e a publicar em jornais poemas com rima e tudo mais. Aliás, o compositor Téo Azevedo chegou até a musicar alguns poemas de Rosa espalhados na sua rica bibliografia.

Poderíamos até dizer que a prosa de Rosa é pura poesia, certo?

Bom, não custa lembrar que Audálio foi conterrâneo do escritor Graciliano Ramos e sobre ele publicou dois livros: A Infância de Graciliano Ramos (2011)  e O Chão de Graciliano (2007), feito em parceria com o fotógrafo Tiago Santana.

Graciliano escreveu pouco sobre temas eróticos. Pouco, mas não tão pouco assim.

Os seus três primeiros romances foram Caetés (1933), São Bernardo (1934) e Angústia (1936).

No primeiro, um empregado se apaixona pela mulher do patrão. Termina em sangue. 

No segundo, que também termina em sangue, o protagonista é um menino adotado por uma doceira. Cresce e conhece uma jovem com quem passa a ter relações. Surge na parada um Ricardão que cai nas graças da moçoila. Nervoso, o protagonista comete o primeiro crime e vai parar na cadeia. Ao sair, vira uma espécie de “coroné” prepotente e coisa e tal. Ao casar-se, quer dominar a esposa, mas não consegue. O ciúme o corroi. Ao fim e ao cabo, a mulher se suicida.

No terceiro livro, Angústia, o personagem central Luís da Silva, um pobre diabo, apaixona-se pela vizinha Marina. Chega a noivar, mas aí entra na história um bambambã bonitão e cheio de grana… Luís entra em desespero ao flagrar a sua amada com o rival. Num segundo, agiganta-se e devorado  pelo ciúme dá fim ao adversário. E pronto.


Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

sábado, 7 de dezembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (153)

Audálio Dantas
O alagoano de Tanque D’Arca Audálio Dantas (1929-2018), que marcou época na Folha e na extinta revista Realidade, escrevia e fotografava muito bem. Escreveu de tudo ou de um tudo como costumava dizer. Cobriu o lançamento do livro Grande Sertão: Veredas numa livraria do centro da Capital paulista, em 1956. Tentou entrevistar o autor Rosa, mas “ele estava mais interessado em paquerar uma jovem admiradora e não falar com repórter”, lembrou rindo.
Escreveu e publicou vários livros. Também participou de coletâneas como Corpos: Contos Eróticos, 2001. Esse livro se inicia com um conto seu intitulado Sob o Sol da Manhã.
A história trata de um homem e de uma mulher masturbando-se, sem que ela o veja no seu ato de prazer solitário.
Ela uma dondoca, tomando banho numa banheira de seu apartamento e ele, um limpador de vidraças, pendurado num banquinho a muitos metros do chão.
Nesse livro também se acham textos de Fernando Bonassi, Mouzar Benedito, Moacyr Scliar e outros.
O autor de Grande Sertão: Veredas gostava muito de abordar essa temática. Exemplo disso são os personagens Riobaldo e Diadorim e raparigas que alegram os machos do romance.
A identidade feminina de Diadorim só é descoberta quando morre, com o corpo cheio de balas durante um tiroteio entre jagunços.
Bom de se ler e também cheio de erotismo é o livro Corpo de Baile, especialmente o último conto intitulado Buriti.
E quem não leu ainda é tempo de ler Hora e Vez de Augusto Matraga. O protagonista é do tipo pernóstico, prepotente e que judia de todo mundo. Provoca brigas e é chegado a tomar a mulher dos outros. Uma hora cai em desgraça, é quando a porca torce o rabo. A mulher dele vai-se embora com outro e a filha Mimita cai na vida. Virou filme com trilha sonora de Vandré.
Hora e Vez de Augusto Matraga é o último dos nove contos que encerra o livro Sagarana, o primeiro de Rosa publicado em 1946.
O penúltimo conto de Sagarana é Conversa de Bois.
Conversa de Bois foi originalmente escrito em 1937 e incluído num livro de contos apresentado no concurso literário Humberto de Campos, em 1938. Ficou em segundo lugar, perdendo apenas por um voto para Luís Jardim.
O conto Conversa de Bois é uma história do tempo em que bichos falavam.
O carreiro da história, Agenor Soronho, é um cara chato, brabo, metido a besta e amante da mulher de um amigo seu, que morre lascado e cego. O corpo é transportado num carro de boi carregado de rapadura. O guia do carro é um menino, um pedacinho de gente como diz o autor, chamado Tiãozinho. Tinha ali uns 9 ou 10 anos. Estava triste, pois sobre o carregamento de rapadura achava-se o corpo de seu pai, Jenuário.
Os bois à frente do carro, Buscapé e Namorado, captam a tristeza de Tiãozinho que consigo mesmo matuta: se eu fosse grande, eu vingaria meu pai…
Era comum antigamente dar-se nome aos bois. No caso aqui, os bois tocados por Agenor tinham por nome Capitão e Brabagato, Dançador e Brilhante, Realejo e Canindé, além dos dois primeiros já citados.
E desse conto não vou dizer o final. Nem amarrado!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

AMIGOS É BOM TÊ-LOS...

Novo ano está se aproximando. Faltam poucos dias para 25. 

Bom, este 24 que já está se indo já vai tarde. Não que eu tenha me queimado ou chamuscado pelo fogo do ano, que já já chamaremos de velho.

Pessoas maravilhosas estiveram e estão a minha volta. Só tenho a agradecer. 

Tive uma gripizinha besta neste ano que se vai e coisas outras bem legais. Uma dessas, foi o lançamento pomposo do livro que gerei como adaptação do clássico de Camões, Os Lusíadas. Saiu em duas versões: em braille e em letras impressas.

Antes, ali pelo mês de maio ou junho, andei fazendo palestra sobre Camões e sobre forró e artistas nordestinos, na Biblioteca Mário de Andrade e no IPHAN.

Hoje 6 tive a alegria de receber a visita do amigo Oswaldo Mendes. E conversamos e conversamos... Ele está entusiasmadíssimo para levar de volta ao palco a peça que escreveu sobre Plínio Marcos.

Ontem 5 recebi o fonema do querido Ignácio de Loyola Brandão. Jornalista e escritor de histórias ótimas. 

Foi ali no final dos 70 ou inícios dos 80 que eu o entrevistei em sua casa, na Paulista. A coleguinha Ângela Alves lá estava. O papo rolou bonito. Falamos de tudo e mais um pouco, inclusive sobre a Censura que existia à época. Aliás, o livro Zero de Loyola foi primeiramente publicado na Itália, em italiano. Ao chegar aqui foi impedido pelos militares de chegar às livrarias.

Zero é um marco da obra de Loyola Brandão. 

A entrevista que fiz com o autor de Não Verás País Nenhum será publicada no livro que estou preparando sobre sexo como expressão artística. 

Ia-me esquecendo, pelo fone Loyola todo cheio de graça perguntou se eu sabia da diferença do idoso para o velho. Brincando respondi que ainda não chegara à condição de idoso ou velho. Rindo disse que o idoso tem projeto e o velho tem saudade. E em tom firme, garantiu: "Eu tenho muitos projetos!".

Ah! Sim: a entrevista que fiz lá atrás com Loyola Brandão foi publicada originalmente no extinto suplemento dominical da Folha, Folhetim. Atualíssima. 


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O BRASIL GANHA MAIS UM ENFERMEIRO

Seu Claudio e Dona Silvana estão todo anchos com a profissão escolhida pelo filho varão Wallace Silva: enfermagem.
Wallace é um jovem de 27 anos que nasceu com o sentimento de paz e dom de ajudar o próximo. Isso o leva pelos caminhos da medicina, da enfermagem, da solidariedade humana...
Eu conheci Wallace, que virou meu mais novo amigo de infância, há uns dois anos. Por aí. Chegou-me através de pessoas que trabalham com ele, aqui perto num posto da UBS.
Por esse tempo eu já havia perdido o brilho dos meus olhos e andava meio borocoxô. E ainda ando. Fiz até cirurgia de câncer e escapei, como se vê.
A gente dá muita risada, quando ele e a turma dele chegam aqui, em casa.
A turma do Wallace é formada por uma dezena de pessoas que escolheram dar um pouco de si a quem anda por aí sofrendo e tal.
Entre as pessoas do grupo de Wallace estão a doutora Daniele, as enfermeiras Grazi e Alessandra...
Aproveito aqui para mandar meu abraço à psicóloga Sara e ao psiquiatra Claudio.
Ah! Sim: Os pais de Wallace também são pais da menina Joyce.
O mundo, é bom que se diga, comemora o 12 de maio como o Dia Mundial da Enfermagem e do Enfermeiro, em homenagem à norte-americana Florence Nightingale (1820-1910). No Brasil há 2,7 milhões de enfermeiros, de acordo com o Conselho Federal de Enfermagem, Cofen.
E para fechar, recomendo a beleza de conto que é O Enfermeiro, do gigantesco escritor Machado de Assis:

Parece-lhe então que o que se deu comigo em 1860, pode entrar numa página
de livro? Vá que seja, com a condição única de que não há de divulgar nada antes
da minha morte. Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos;
estou desenganado.
Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida inteira, em que há outras coisas
interessantes, mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel;
o ânimo é frouxo, e o tempo assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o
sol do outro dia, um sol dos diabos, impenetrável como a vida. Adeus, meu caro
senhor, leia isto e queira-me bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não
maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento
humano, ei-lo aqui. Não me peça também o império do Grão-Mogol, nem a
fotografia dos Macabeus; peça, porém, os meus sapatos de defunto e não os dou a
ninguém mais.
Já sabe que foi em 1860. No ano anterior, ali pelo mês de agosto, tendo eu
quarenta e dois anos, fiz-me teólogo — quero dizer, copiava os estudos de teologia
de um padre de Niterói, antigo companheiro de colégio, que assim me dava,
delicadamente, casa, cama e mesa. Naquele mês de agosto de 1859, recebeu ele
uma carta de um vigário de certa vila do interior, perguntando se conhecia pessoa
entendida, discreta e paciente, que quisesse ir servir de enfermeiro ao coronel
Felisberto, mediante um bom ordenado. O padre falou-me, aceitei com ambas as
mãos, estava já enfarado de copiar citações latinas e fórmulas eclesiásticas. Vim à
corte despedir-me de um irmão, e segui para a vila.
Chegando à vila, tive más notícias do coronel. Era homem insuportável,
estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais
enfermeiros que remédios. A dois deles quebrou a cara. Respondi que não tinha
medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois de entender-me com o vigário,
que me confirmou as notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade,
segui para a residência do coronel.
Achei-o na varanda da casa estirado numa cadeira, bufando muito. Não me
recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim dois olhos de gato que
observa; depois, uma espécie de riso maligno alumiou-lhe as feições, que eram
duras. Afinal, disse-me que nenhum dos enfermeiros que tivera, prestava para
nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro das escravas; dois eram
até gatunos!
— Você é gatuno?
— Não, senhor.
Em seguida, perguntou-me pelo nome: disse-lho e ele fez um gesto de espanto.
Colombo? Não, senhor: Procópio José Gomes Valongo. Valongo? achou que não era
nome de gente, e propôs chamar-me tão-somente Procópio, ao que respondi que
estaria pelo que fosse de seu agrado. Conto-lhe esta particularidade, não só porque
me parece pintá-lo bem, como porque a minha resposta deu de mim a melhor ideia
ao coronel. Ele mesmo o declarou ao vigário, acrescentando que eu era o mais
simpático dos enfermeiros que tivera. A verdade é que vivemos uma lua-de-mel de
sete dias.
No oitavo dia, entrei na vida dos meus predecessores, uma vida de cão, não
dormir, não pensar em mais nada, recolher injúrias, e, às vezes, rir delas, com um
ar de resignação e conformidade; reparei que era um modo de lhe fazer corte.
Tudo impertinências de moléstia e do temperamento. A moléstia era um rosário
delas, padecia de aneurisma, de reumatismo e de três ou quatro afecções menores.
Tinha perto de sessenta anos, e desde os cinco toda a gente lhe fazia a vontade. Se
fosse só rabugento, vá; mas ele era também mau, deleitava-se com a dor e a
humilhação dos outros. No fim de três meses estava farto de o aturar; determinei
vir embora; só esperei ocasião.
Não tardou a ocasião. Um dia, como lhe não desse a tempo uma fomentação,
pegou da bengala e atirou-me dois ou três golpes. Não era preciso mais; despedime imediatamente, e fui aprontar a mala. Ele foi ter comigo, ao quarto, pediu-me
que ficasse, que não valia a pena zangar por uma rabugice de velho. Instou tanto
que fiquei.
— Estou na dependura, Procópio, dizia-me ele à noite; não posso viver muito
tempo. Estou aqui, estou na cova. Você há de ir ao meu enterro, Procópio; não o
dispenso por nada. Há de ir, há de rezar ao pé da minha sepultura. Se não for,
acrescentou rindo, eu voltarei de noite para lhe puxar as pernas. Você crê em almas
de outro mundo, Procópio?
— Qual o quê!
— E por que é que não há de crer, seu burro? redarguiu vivamente,
arregalando os olhos.
Eram assim as pazes; imagine a guerra. Coibiu-se das bengaladas; mas as
injúrias ficaram as mesmas, se não piores. Eu, com o tempo, fui calejando, e não
dava mais por nada; era burro, camelo, pedaço d'asno, idiota, moleirão, era tudo.
Nem, ao menos, havia mais gente que recolhesse uma parte desses nomes. Não
tinha parentes; tinha um sobrinho que morreu tísico, em fins de maio ou princípios
de julho, em Minas. Os amigos iam por lá às vezes aprová-lo, aplaudi-lo, e nada
mais; cinco, dez minutos de visita. Restava eu; era eu sozinho para um dicionário
inteiro. Mais de uma vez resolvi sair; mas, instado pelo vigário, ia ficando.
Não só as relações foram-se tornando melindrosas, mas eu estava ansioso por
tornar à corte. Aos quarenta e dois anos não é que havia de acostumar-me à
reclusão constante, ao pé de um doente bravio, no interior. Para avaliar o meu
isolamento, basta saber que eu nem lia os jornais; salvo alguma notícia mais
importante que levavam ao coronel, eu nada sabia do resto do mundo. Entendi,
portanto, voltar para a corte, na primeira ocasião, ainda que tivesse de brigar com
o vigário. Bom é dizer (visto que faço uma confissão geral) que, nada gastando e
tendo guardado integralmente os ordenados, estava ansioso por vir dissipá-los
aqui.
Era provável que a ocasião aparecesse. O coronel estava pior, fez testamento,
descompondo o tabelião, quase tanto como a mim. O trato era mais duro, os breves
lapsos de sossego e brandura faziam-se raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a
escassa dose de piedade que me fazia esquecer os excessos do doente; trazia
dentro de mim um fermento de ódio e aversão. No princípio de agosto resolvi
definitivamente sair; o vigário e o médico, aceitando as razões, pediram-me que
ficasse algum tempo mais. Concedi-lhes um mês; no fim de um mês viria embora,
qualquer que fosse o estado do doente. O vigário tratou de procurar-me substituto.
Vai ver o que aconteceu. Na noite de vinte e quatro de agosto, o coronel teve
um acesso de raiva, atropelou-me, disse-me muito nome cru, ameaçou-me de um
tiro, e acabou atirando-me um prato de mingau, que achou frio; o prato foi cair na
parede, onde se fez em pedaços.
— Hás de pagá-lo, ladrão! bradou ele.
Resmungou ainda muito tempo. Às onze horas passou pelo sono. Enquanto ele
dormia, saquei um livro do bolso, um velho romance de d'Arlincourt, traduzido,
que lá achei, e pus-me a lê-lo, no mesmo quarto, a pequena distância da cama; tinha
de acordá-lo à meia-noite para lhe dar o remédio. Ou fosse de cansaço, ou do livro,
antes de chegar ao fim da segunda página adormeci também. Acordei aos gritos do
coronel, e levantei-me estremunhado. Ele, que parecia delirar, continuou nos
mesmos gritos, e acabou por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim.
Não tive tempo de desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor
que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos, e
esganei-o.
Quando percebi que o doente expirava, recuei aterrado, e dei um grito; mas
ninguém me ouviu. Voltei à cama, agitei-o para chamá-lo à vida, era tarde;
arrebentara o aneurisma, e o coronel morreu. Passei à sala contígua, e durante
duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso mesmo dizer tudo o que passei,
durante esse tempo. Era um atordoamento, um delírio vago e estúpido. Parecia-me
que as paredes tinham vultos; escutava umas vozes surdas. Os gritos da vítima,
antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para
onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja
fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que
me bradavam: assassino! assassino!
Tudo o mais estava calado. O mesmo som do relógio, lento, igual e seco,
sublinhava o silêncio e a solidão. Colava a orelha à porta do quarto na esperança de
ouvir um gemido, uma palavra, uma injúria, qualquer coisa que significasse a vida,
e me restituísse a paz à consciência. Estaria pronto a apanhar das mãos do coronel,
dez, vinte, cem vezes. Mas nada, nada; tudo calado. Voltava a andar à toa, na sala,
sentava-me, punha as mãos na cabeça; arrependia-me de ter vindo. — “Maldita a
hora em que aceitei semelhante coisa!” exclamava. E descompunha o padre de
Niterói, o médico, o vigário, os que me arranjaram um lugar, e os que me pediram
para ficar mais algum tempo. Agarrava-me à cumplicidade dos outros homens.
Como o silêncio acabasse por aterrar-me, abri uma das janelas, para escutar o
som do vento, se ventasse. Não ventava. A noite ia tranquila, as estrelas
fulguravam, com a indiferença de pessoas que tiram o chapéu a um enterro que
passa, e continuam a falar de outra coisa. Encostei-me ali por algum tempo, fitando
a noite, deixando-me ir a uma recapitulação da vida, a ver se descansava da dor
presente. Só então posso dizer que pensei claramente no castigo. Achei-me com um
crime às costas e vi a punição certa. Aqui o temor complicou o remorso. Senti que
os cabelos me ficavam de pé. Minutos depois, vi três ou quatro vultos de pessoas,
no terreiro, espiando, com um ar de emboscada; recuei, os vultos esvaíram-se no
ar; era uma alucinação.
Antes do alvorecer curei a contusão da face. Só então ousei voltar ao quarto.
Recuei duas vezes, mas era preciso e entrei; ainda assim, não cheguei logo à cama.
Tremiam-me as pernas, o coração batia-me; cheguei a pensar na fuga; mas era
confessar o crime, e, ao contrário, urgia fazer desaparecer os vestígios dele. Fui até
a cama; vi o cadáver, com os olhos arregalados e a boca aberta, como deixando
passar a eterna palavra dos séculos: “Caim, que fizeste de teu irmão?” Vi no
pescoço o sinal das minhas unhas, abotoei alto a camisa e cheguei ao queixo a
ponta do lençol. Em seguida, chamei um escravo, disse-lhe que o coronel
amanhecera morto; mandei recado ao vigário e ao médico.
A primeira ideia foi retirar-me logo cedo, a pretexto de ter meu irmão doente,
e, na verdade, recebera carta dele, alguns dias antes, dizendo-me que se sentia mal.
Mas adverti que a retirada imediata poderia fazer despertar suspeitas, e fiquei. Eu
mesmo amortalhei o cadáver com o auxílio de um preto velho e míope. Não saí da
sala mortuária; tinha medo de que descobrissem alguma coisa. Queria ver no rosto
dos outros se desconfiavam; mas não ousava fitar ninguém. Tudo me dava
impaciências: os passos de ladrão com que entravam na sala, os cochichos, as
cerimônias e as rezas do vigário. Vindo a hora, fechei o caixão, com as mãos
trêmulas, tão trêmulas que uma pessoa, que reparou nelas, disse a outra com
piedade:
— Coitado do Procópio! apesar do que padeceu, está muito sentido.
Pareceu-me ironia; estava ansioso por ver tudo acabado. Saímos à rua. A
passagem da meia-escuridão da casa para a claridade da rua deu-me grande abalo;
receei que fosse então impossível ocultar o crime. Meti os olhos no chão, e fui
andando. Quando tudo acabou, respirei. Estava em paz com os homens. Não o
estava com a consciência, e as primeiras noites foram naturalmente de
desassossego e aflição. Não é preciso dizer que vim logo para o Rio de Janeiro, nem
que vivi aqui aterrado, embora longe do crime; não ria, falava pouco, mal comia,
tinha alucinações, pesadelos...
— Deixa lá o outro que morreu, diziam-me. Não é caso para tanta melancolia.
E eu aproveitava a ilusão, fazendo muitos elogios ao morto, chamando-lhe boa
criatura, impertinente, é verdade, mas um coração de ouro. E, elogiando,
convencia-me também, ao menos por alguns instantes. Outro fenômeno
interessante, e que talvez lhe possa aproveitar, é que, não sendo religioso, mandei
dizer uma missa pelo eterno descanso do coronel, na igreja do Sacramento. Não fiz
convites, não disse nada a ninguém; fui ouvi-la, sozinho, e estive de joelhos todo o
tempo, persignando-me a miúdo. Dobrei a espórtula do padre, e distribuí esmolas à
porta, tudo por intenção do finado. Não queria embair os homens; a prova é que fui
só. Para completar este ponto, acrescentarei que nunca aludia ao coronel, que não
dissesse: “Deus lhe fale n'alma!” E contava dele algumas anedotas alegres,
rompantes engraçados...
Sete dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, recebi a carta do vigário, que lhe
mostrei, dizendo-me que fora achado o testamento do coronel, e que eu era o
herdeiro universal. Imagine o meu pasmo. Pareceu-me que lia mal, fui a meu irmão,
fui aos amigos; todos leram a mesma coisa. Estava escrito; era eu o herdeiro
universal do coronel. Cheguei a supor que fosse uma cilada; mas adverti logo que
havia outros meios de capturar-me, se o crime estivesse descoberto. Demais, eu
conhecia a probidade do vigário, que não se prestaria a ser instrumento. Reli a
carta, cinco, dez, muitas vezes; lá estava a notícia.
— Quanto tinha ele? perguntava-me meu irmão.
— Não sei, mas era rico.
— Realmente, provou que era teu amigo.
— Era... Era...
Assim, por uma ironia da sorte, os bens do coronel vinham parar às minhas
mãos. Cogitei em recusar a herança. Parecia-me odioso receber um vintém do tal
espólio; era pior do que fazer-me esbirro alugado. Pensei nisso três dias, e
esbarrava sempre na consideração de que a recusa podia fazer desconfiar alguma
coisa. No fim dos três dias, assentei num meio-termo; receberia a herança e dá-laia toda, aos bocados e às escondidas. Não era só escrúpulo; era também o modo de
resgatar o crime por um ato de virtude; pareceu-me que ficava assim de contas
saldas.
Preparei-me e segui para a vila. Em caminho, à proporção que me ia
aproximando, recordava o triste sucesso; as cercanias da vila tinham um aspecto
de tragédia, e a sombra do coronel parecia-me surgir de cada lado. A imaginação ia
reproduzindo as palavras, os gestos, toda a noite horrenda do crime...
Crime ou luta? Realmente, foi uma luta em que eu, atacado, defendi-me, e na
defesa... Foi uma luta desgraçada, uma fatalidade. Fixei-me nessa ideia. E
balanceava os agravos, punha no ativo as pancadas, as injúrias... Não era culpa do
coronel, bem o sabia, era da moléstia, que o tornava assim rabugento e até mau...
Mas eu perdoava tudo, tudo... O pior foi a fatalidade daquela noite... Considerei
também que o coronel não podia viver muito mais; estava por pouco; ele mesmo o
sentia e dizia. Viveria quanto? Duas semanas, ou uma; pode ser até que menos. Já
não era vida, era um molambo de vida, se isto mesmo se podia chamar ao padecer
contínuo do pobre homem... E quem sabe mesmo se a luta e a morte não foram
apenas coincidentes? Podia ser, era até o mais provável; não foi outra coisa. Fixeime também nessa ideia...
Perto da vila apertou-se-me o coração, e quis recuar, mas dominei-me e fui.
Receberam-me com parabéns. O vigário disse-me as disposições do testamento, os
legados pios, e de caminho ia louvando a mansidão cristã e o zelo com que eu
servira ao coronel, que, apesar de áspero e duro, soube ser grato.
— Sem dúvida, dizia eu olhando para outra parte.
Estava atordoado. Toda a gente me elogiava a dedicação e a paciência. As
primeiras necessidades do inventário detiveram-me algum tempo na vila. Constituí
advogado; as coisas correram placidamente. Durante esse tempo, falava muita vez
do coronel. Vinham contar-me coisas dele, mas sem a moderação do padre; eu
defendia-o, apontava algumas virtudes, era austero...
— Qual austero! Já morreu, acabou; mas era o diabo.
E referiam-me casos duros, ações perversas, algumas extraordinárias. Quer
que lhe diga? Eu, a princípio, ia ouvindo cheio de curiosidade; depois, entrou-me
no coração um singular prazer, que eu sinceramente buscava expelir. E defendia o
coronel, explicava-o, atribuía alguma coisa às rivalidades locais; confessava, sim,
que era um pouco violento... Um pouco? Era uma cobra assanhada, interrompia-me
o barbeiro; e todos, o coletor, o boticário, o escrivão, todos diziam a mesma coisa e
vinham outras anedotas, vinha toda a vida do defunto. Os velhos lembravam-se das
crueldades dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de
mim, espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços,
recompunha-se logo e ia ficando.
As obrigações do inventário distraíram-me; e por outro lado a opinião da vila
era tão contrária ao coronel, que a vista dos lugares foi perdendo para mim a feição
tenebrosa que a princípio achei neles. Entrando na posse da herança, converti-a
em títulos e dinheiro. Eram então passados muitos meses, e a ideia de distribuí-la
toda em esmolas e donativos pios não me dominou como da primeira vez; achei
mesmo que era afetação. Restringi o plano primitivo; distribuí alguma coisa aos
pobres, dei à matriz da vila uns paramentos novos, fiz uma esmola à Santa Casa da
Misericórdia, etc.: ao todo trinta e dois contos. Mandei também levantar um túmulo
ao coronel, todo de mármore, obra de um napolitano, que aqui esteve até 1866, e
foi morrer, creio eu, no Paraguai.
Os anos foram andando, a memória tomou-se cinzenta e desmaiada. Penso às
vezes no coronel, mas sem os terrores dos primeiros dias. Todos os médicos a
quem contei as moléstias dele, foram acordes em que a morte era certa, e só se
admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode ser que eu, involuntariamente,
exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a verdade é que ele devia morrer,
ainda que não fosse aquela fatalidade...
Adeus, meu caro senhor. Se achar que esses apontamentos valem alguma
coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio
esta emenda que faço aqui ao divino Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os
que possuem, porque eles serão consolados.

domingo, 1 de dezembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (152)

Nelson Rodrigues
Como em Vestido de Noiva, O Beijo no Asfalto de 1960, começa com um atropelamento numa das conhecidas praças do Rio de Janeiro. Foi feita a pedido da atriz Fernanda Montenegro, que na primeira versão levada à cena em 1961, interpreta a personagem Selminha. O Beijo no Asfalto, que virou filme em 1980, ao final choca quem a assiste. Não tem como!

História parecida foi engendrada pelo norte-americano Ari Aster. Título: The Strange Thing About the Johnsons, em português algo como A Coisa Estranha sobre os Johnsons.

No texto de Nelson o chefe da família se envolve com o genro. No texto de Aster, é o filho que se envolve com o pai.

Revolução idêntica fez Nelson no campo da crônica para jornal e revista.

Na crônica de 1º de outubro de 1968 o “anjo pornográfico”, como Nelson era chamado por amigos e inimigos, com sua metralhadora giratória por pouco não apagou o cantor e compositor Geraldo Vandré. 

Depois de fazer comparação com um dos personagens do romance Os Maias, de Eça de Queiroz, Nelson detona Vandré por não aceitar a decisão dos jurados do Festival Internacional da Canção: “Ele acabara de saber que era, apenas e miseravelmente, o segundo colocado. Os presentes não puderam sentir o seu patético, mas o telespectador, sim. Para nós, de casa, a cara de Vandré tomou a expressão cruel, vingativa, de certas máscaras cesarianas. Lia-se tudo na jovem cara. Houve um momento em que, instigado pelos seus fiéis, Vandré perguntou, de si para si: — ‘Abro ou não o verbo?’. Seria o comício”.

Mas essa é outra história…

Ah! Sim: Nelson Rodrigues, vejam só, chegou certa vez a dizer que fora influenciado pela poetisa Gilka Machado.

É pra lá de óbvio ululante a revolução que Nelson Rodrigues fez no campo teatral.


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora


sábado, 30 de novembro de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (151)

Rubem Fonseca
No campo do jornalismo não é incomum identificar profissionais que escreveram bons textos, bons livros, tratando do erotismo e tal.

João do Rio, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Rubem Braga e tantos.

A Força Humana, de Fonseca, conta a história do dono de uma academia de ginástica que tem um amigo. Esse amigo conhece um rapaz forte e tal que o leva para treinar.  Os três se dão bem. É quando surge uma jovem de nome Lena. Essa jovem é prostituta. Vibrante. E mais não digo.

Braga (1913-1990), como todo mundo sabe, foi também contista de grande categoria. Entre suas histórias, Um Braço de Mulher. É simples: num avião da ponte aérea Rio-São Paulo, uma passageira, morrendo de medo, agarra-se ao braço de um desconhecido, enquanto o avião treme nas nuvens. Tudo termina bem, ninguém morre. 

Dizem que João, embora assumidamente homossexual, apaixonou-se pela dançarina norte-americana Isadora Duncan (1877-1927) que conheceu numa de suas idas à Paris. A FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, de 2024 foi dedicada a ele.

Nelson, como quase todo mundo sabe, provocou uma revolução no teatro brasileiro com seus textos descomprometidos com a mentira e a hipocrisia. Pôs a nu a sociedade do faz de conta que põe os pecados debaixo do tapete. Todos os seus livros tratam disso. 

Vestido de Noiva pôs os conservadores em pé de guerra. É peça que não perde nem a atualidade e nem o vigor. Estreou em 28 de dezembro de 1943, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a direção do polonês Ziembinski (1908-1978).

A peça conta a história de um casal que se muda com as filhas para um casarão onde outrora fora um bordel. No decorrer da trama uma personagem “rouba” o namorado da outra. Tem acidente de carro, hospital e morte.

Uma das atrizes que interpretaram a noiva da peça, Viviane Pasmanter não teve acanhamento nenhum de afirmar que “ser prostituta é um desejo que toda mulher tem".

Pois, pois.

Não são brinquedos as tramas arquitetadas por Nelson Rodrigues, autor de umas 20 peças. Numa delas, o autor insere um jornalista e um delegado corruptos e tal. O jornalista é do diário Última Hora, criado por Samuel Wainer. 

O jornalista interpretado por Ribeiro Amado existiu.

Samuel Wainer é citado na peça.

EU E MEUS BOTÕES (74)

"Olha, olha, olha...! Ó quem tá chegando!"

Todos ali ligados, de olhos fixos, na telinha da câmara de segurança que registrava a chegada de quem estava chegando. No caso, a pessoa mais esperada no momento. 

"É ela! É ela! É ela!...", dizia assanhado o grupo de botões quando,  de repente, alguém saiu da cozinha com um copo na mão dizendo: "Vocês enlouqueceram? Endoidaram? Que barulho do caralho é esse?".

Era o poetinha Zilidoro surpreso com o comportamento dos coleguinhas botões. 

Surpreendentemente, Barrica esticou os olhos em direção a Zilidoro, ao mesmo tempo que dizia uma locução de baixo calão. Inaudível. 

Enquanto isso, na telinha da câmara de segurança subia a escada passo a passo a esperadíssima Flor Maria. 

A cada segundo, aumentava a expectativa dos "voyeurs" na casa do Zilidoro.

Só que, de repente, aparece na telinha também outra pessoa...

O pa, pa, pa dos sapatos chamou a atenção de quem estava à frente: Flor Maria. 

Maria parou  ao ouvir quem estava chegando atrás dela. 

E aí ele e ela entraram na casa do botão Zilidoro. Palmas efusivas rolaram durante minutos que pareceram horas.

Puxa vida, pessoal, vocês estão impossíveis, disse eu.

A meu lado, Flor Maria não se conteve e disse com toda espontaneidade possível: "Vocês são incríveis!".

Lampa, sempre esquisito cutucando as unhas com o seu punhalzinho inseparável, de cabeça pra baixo olhava pra cima desconfiado...

Lá do fundo da casa, Zoião levanta a mão perguntando se pode falar. Dona Flor diz que sim.

"Eu queria saber o que a senhora acha dessa vida de porra que a gente vive. A gente trabalha, trabalha e ao fim só se fode. Desculpe-me pela expressão. Entra governo, sai governo...".

Antes de mais nada, pessoal, começou Flor Maria: "Somos mais de oito bilhões de pessoas habitando esse nosso mundinho explosivo. Pouco menos de uma centena de privilegiados ditam vida e morte sobre nós. Pobres materialmente que somos, sofremos".

Biu e Barrica, irmãos completos olham-se surpresos. Biu pergunta: "Dona Flor, a senhora está se apresentando a nós como uma pessoa muito especial. A senhora é política?".

"Todos nós somos políticos, políticas. De formação eu sou historiadora. E como tal, o passado é tão importante quanto o presente".

Muito bem, amiga Flor Maria, é isso mesmo. Pra um historiador o passado é importante, porque sem presente não há passado.

Zilidoro, Zilidoro lá do seu cantinho bateu palmas e disse: "A pensar, a pensar...".



sexta-feira, 29 de novembro de 2024

EU E MEUS BOTÕES (73)

O que é que vocês estão fazendo aí assim de pé?

Fiz essa pergunta e logo ouvi alguém discretamente tossir como se fosse pego com a mão na botija. Era Zilidoro um tanto acanhado e cheio de pernas. 

Os olhares de todos se voltaram ao poetinha Zilidoro, que nervoso voltou a tossir. Quis dizer algo, mas da boca palavra nenhuma saiu.

Não sei porque cargas d'água notei, de relance, a mão direita de Lampa alisando o punhalzinho que sempre carrega na cintura. 

O que é isso, voltei a perguntar. Que diabos vocês estão fazendo aqui, assim todos de pé?

Biu cutucou o mano Barrica, como se quisesse adivinhar seu pensamento sobre o que eu perguntara. 

Zoião levantou o braço e foi  desembuchando: "Seu Assis, estamos aqui esperando Dona Flor Maria".

Hummm... Sei, sei....

Zé e Mané olharam-se rapidamente, mas nenhum dos dois disse coisa nenhuma. 

Jão, que estava de braços cruzados, deu uma risada e disse: "Pois é seu Assis, a gente já está gostando e muito da dona Flor".

Ao dizer o que disse, Jão voltou seu olhar irônico a Lampa e insinuando acrescentou: "E sabe seu Assis tem uma certa pessoa aqui que parece estar gostando mais dela do que todos nós".

Numa fração de segundos, Lampa deu um pulo de gato e com o punhal na mão fez menção de atacar seu colega Jão. E teria corrido sangue se a turma do "deixa disso" não entrasse em ação. 

Nisso foi chegando a pivô da história que, sem nada desconfiar, cumprimentou a todos com um largo sorriso: "Boa taaarde pessoal, desculpem-me pelo atraso. E,  infelizmente, não vou poder ficar aqui por muito tempo, pois tenho uma reunião importante".

Rapidamente todos entraram na casa de Zilidoro e a paz voltou a seu lugar. 

Olá, olá, Flor Maria, você está linda!

Ao ouvir o que ouviu, Maria enrubesceu. E feitos crianças ou adolescentes de primeiro momento, todos riram e bateram palmas, entusiasmados. 

Sem provocar vexame e muito à vontade, Zilidoro com graça disse: "Realmente, a senhora está muito bonita e elegante".

Lá no canto, no fundo da casa, ouviu-se Zé cochichar no ouvido de Mané: "Ela está muito chique, de vestido novo, de sapatos novos... E olha os brincos!".

Zé, o que é que você está dizendo aí no ouvido do Mané, perguntei.

Os dois se entreolharam surpresos: "Nada não, chefe", disseram ao mesmo tempo. 

Zoião que estava de olho, caiu na risada e delatou: "Um estava dizendo ao outro que a dona Flor estava de vestido novo, sapatos novos e tal".

Foi a vez de Flor Maria soltar seu bonito sorriso e dizer: "Vocês são muito simpáticos".

Pessoal, vamos dar uma saidinha e almoçar ali no restaurante da esquina? 

Zilidoro e todos gostaram da ideia. E acrescentei: "Pode ser no Virgulino, que tem a melhor comida nordestina do mundo. E uma caninha legal".


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