Leu muitos folhetos e inteirou-se da vida e da obra do poeta repentista Zé Limeira (1896-1954).
Zé Limeira é uma lenda da cantoria nordestina desenvolvida ao som de viola. Sobre ele o jornalista e também poeta Orlando Tejo (1935-2018) escreveu O Poeta do Absurdo. Esse livro virou clássico do gênero por razões óbvias: Limeira era um destabocado cantador e cantava misérias da vida e do sexo. Exemplo:
Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a primeira missa
Perto de uma cacimba
Um índio passou-lhe a pimba
Ele não quis aceitar
E hoje vive a chorar
Embaixo de um pé de jurema
O bom pescador não teme
As profundezas do mar
Pimba, pra quem não sabe, no Nordeste é pênis.
Zé Limeira era absurdamente troncho no verso de metrificação certa e rima torta. Ele:
Pedro Álvares Cabral
inventor do telefone
começou tocar trombone
na Volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
arranjou dois instrumento
daí chegou um sargento
querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
diz o Novo Testamento
O Zé Leal aqui citado é referência ao famoso jornalista paraibano que assinava coluna no extinto jornal O Norte, PB.
Zé Limeira tinha admiradores em todo canto.
Em São Paulo, um de seus grandes admiradores foi o cientista Paulo Vanzolini (1924-2013), PhD em Harvard e compositor musical, nas horas vagas. É dele o belo samba Ronda, gravado pela cantora Inezita Barroso, em 1953.
Vanzolini também gostava de putaria. É dele:
Eu sou Paulo Vanzolini,
animal de muita fama.
Eu tanto corro no seco.
Como na vargem da lama.
Mas quando o marido chega,
me escondo embaixo da cama.
No correr do tempo foi inventado um mote pra lembrar o destabocado cantador:
Eu querendo também faço
Igualzinho a Zé Limeira
Muitos cantadores já cantaram e ainda cantarão versos com base nesse mote. Ivanildo Vila Nova e Severino Feitosa, por exemplo:
Vila Nova:
Rei Davi foi deputado
Na Assembléia do Acre
Kruschev fez um massacre
Nas traíras de Condado
Jesus Cristo era cunhado
De Romano de Teixeira
Escreveu A bagaceira
Mas se esqueceu do bagaço
Eu querendo também faço
Igualzinho a Zé Limeira
Feitosa:
Confusão foi na Bahia
Pai-de-santo e curandeiro
Anchieta era pedreiro
No farol de Alexandria
Hitler nasceu na Turquia
Vendia manga na feira
A Revolução Praieira
Degolou Torquato Tasso
Eu querendo também faço
Igualzinho a Zé Limeira…
O estudante Pedro Araujo de Oliveira escreveu um estudo científico, para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, intitulado O Poeta Zé Limeira No Imaginário do Cancioneiro Brasileiro – Relações Entre Cultura Letrada e Oral (2022). Lá pras tantas, ele diz: “Zé Limeira, conhecido como o Poeta do Absurdo, a cujas incertas autorias foram atribuídos versos de fantástica imaginação e delírio, sendo por vezes comparados à literatura surrealista”.
A expressão “poeta do absurdo” faz parte do título de um livro sobre Limeira, publicado em 1971 pela gráfica do jornal O Norte, de João Pessoa, PB.
Nas primeiras páginas desse livro escrito por Orlando Tejo, o ex-governador da Paraíba José Américo de Almeida, define Limeira como:
…Alto, forte, sorridente, impressionava pelo físico e maneiras destabocadas.
Andarilho de sete fôlegos, trazia o matulão a tiracolo e não largava a bengala de aroeira, feita um bordão.
Meio carnavalesco, usava roupa de mescla com um lenço encarnado no pescoço. Seus dedos eram grossos de anéis.
Cantando, com uma bonita voz, erguia, desdenhoso o rosto guarnecido de grandes óculos escuros…
Sobre Zé Américo, o cantador Zé Limeira teceu loas. Exemplo:
Eu me chamo Zé Limeira,
Cabra macho do Sertão,
Serrote que serra cedra
No tupete do baião…
Se Zé Américo quisé,
Os home vira muié,
Jurema vira aigodão…
Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora
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