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domingo, 30 de janeiro de 2022

SÃO PAULO EM PROSA, VERSO E MÚSICA (7)

A vida escrita em cordel
Entrevista de Assis Ângelo com Peter Alouche

Assis Ângelo − Que eu saiba, você, além de engenheiro, se formou em Letras Francesas pela Université de Nancy (França). Foi naquela época que escreveu um poema dedicado ao general de Gaulle [NdaR: presidente da França de 1944 a 1946 e de 1958 a 1969] e que ele apreciou muito? Fale a respeito. 

Peter Alouche − O poema que escrevi dedicado ao general de Gaulle foi muito anterior ao meu curso em Nancy. Foi em 1960, eu era adolescente, recém-chegado ao Brasil, e admirava muito a coragem, a bravura e o patriotismo desse grande líder francês que eu conhecia e ouvia pelo rádio. Depois de um discurso inflamado que ele dirigiu à nação, durante a guerra da Argélia, decidi escrever esse poema e, com coragem, enviá-lo por carta a ele. O poema chama A vitória e a ambição nacional. A última estrofe, que vou traduzir, diz o seguinte: 

Mais qui es-tu, Soldat, qui m´a rendu la gloire, L´Honneur, la Force, la Victoire Et l´Unité, quén vain, recherchait ma Nation? “FRANCE, je suis ton Ambition” (“Mas quem és tu, Soldado, que me devolveu a Glória, A Honra, a Força, a Vitória E a Unidade que procurava minha Nação? “FRANÇA, eu sou tua Ambição”)

Fiquei surpreso e orgulhoso de receber em resposta uma carta da Presidência da República da França, em 24 de fevereiro de 1960 (coisa absolutamente inédita, como fiquei sabendo), com os seguintes dizeres:

“Senhor, Sua carta e seu poema, inspirados pelo amor que tens pela França, tocaram o Général de Gaulle. Ele me encarregou de lhe dizer e de agradecer pelo testemunho que você lhe trouxe. Queira receber, Senhor, a expressão de meus distintos sentimentos.” 

Assis − Você nasceu no Egito, mas sua principal língua é o francês. Por quê? 

Peter − É simples de explicar. Naquela época, no Egito, as classes média e alta, em especial os cristãos do Egito (sou católico do rito bizantino), como todos os descendentes de europeus, estudavam em escolas francesas (muitas religiosas). Eu estudava nos jesuítas. Todas as matérias eram dadas seguindo o curso francês e, em paralelo, o curso árabe. Mas na escola só se podia conversar na língua de Molière. O interessante é estudar os fatos históricos (como a campanha de Napoleão no Egito) sob dois prismas antagônicos. 

Assis − Você trocou a sua terra pelo Brasil. Quando e por quê? 

Peter − Esta é uma longa história. Vou tentar resumir. Na época, houve no Egito a Revolução de Nasser, que derrubou o rei Farouk e estabeleceu uma república islâmica. Embora 10%¨da população egípcia fossem cristãos (coptas), a situação para os não muçulmanos (cristãos e muito mais os judeus) tornou-se muito difícil. Meu tio, irmão de meu pai (que tinha falecido), era arcebispo da Igreja Católica Bizantina em São Paulo. Foi ele quem construiu a Igreja Nossa Senhora do Paraíso. Preocupado com o noticiário que chegava do Egito, nos mandou vir para o Brasil, deixando tudo para trás, bens e dinheiro. Não se podia sair do País naquela época com dinheiro. Viemos ao Brasil, minha mãe com sete filhos, em parte menores. Fomos recebidos como deuses por meu tio. Infelizmente, dois anos depois ele morreu e aí fomos abandonados à própria sorte. Foi muito, muito difícil no início, mas, graças ao bom Deus, vencemos.

Assis − A poesia e a cultura popular andam junto com você, sempre. Por quê?

Peter − Embora tivesse me formado engenheiro e até lecionado Engenharia por 25 anos, nas Faculdades Mackenzie e Faap, a cultura literária e a poesia sempre foram minhas companheiras. Gostava de ler, principalmente em francês (li Jorge Amado em francês), porque acho que o francês é uma língua mais dada à cultura. Molière, Victor Hugo, Rimbaud e Baudelaire que o digam. Dou mais valor ao meu diploma de Letras de Nancy do que à minha pós-graduação em Engenharia na Politécnica. Esta me dava os recursos para trabalhar. A outra me dava os recursos da alma.

Assis − Você fala muitas línguas e tem textos publicados no Brasil e no exterior, mas não publicou um livro até hoje. Por quê? 

Peter − Escrever um livro sempre esteve nos meus projetos de vida. Sou até cobrado pela família e amigos para escrever a história da família, que é uma verdadeira epopeia. Mas dois obstáculos sempre se apresentaram: a dúvida se deveria meu livro ser um romance ou uma autobiografia; e a preguiça. Por incrível que pareça, tenho tendência à preguiça, exceto quando estou pressionado. Aí ninguém me segura. Aliás, eu queria lembrar que parte da história da minha vida foi escrita em cordel, por Klévisson Vianna, um dos maiores cordelistas do Brasil: A vida de Peter Alouche ou a miragem do destino. Uma obra-prima que eu não poderia igualar.

Assis − Você é dono de um amplo conhecimento cultural. Quais os livros e autores que mais o marcaram na vida? 

Peter − Foram muitos, muitos. Mas vou citar tão somente dois: Madame Bovary, de Gustave Flaubert, e A confusão dos sentimentos, de Stefan Zweig. 

Assis − E na música clássica, quais autores mais admira? 

Peter − Na música clássica, Chopin (Fantasie − Impromptu), Beethoven (A sétima − segundo movimento) e Haydn (Sarabande). Na música popular, as músicas francesas, claro. Nas canções brasileiras, Chico Buarque, sem dúvida. 

Assis − Pouca gente sabe, mas você publicou um folheto de cordel e tem também a música São Paulo de todos nós, cantada por Téo Azevedo. 

Peter − No cordel, foi uma ousadia que tive em participar do Primeiro Concurso de Cordel; aliás, organizado por você, Assis Ângelo, em 2002. Me inscrevi com o pseudônimo de Pedro Nordestino. O cordel chama Encontro no Metrô. Foi um dos dez classificados. Tenho também algumas outras poesias publicadas, como a Borboleta Amazônia, também musicada por Téo Azevedo, e Avenida Paulista (poema publicado no livro Natureza Cidade). 

Assis − Você é um símbolo para os metroviários do Brasil, especialmente de São Paulo. Você foi um

dos fundadores do nosso Metrô. O tem a dizer sobre isso? 

Peter − O Metrô é minha paixão profissional. Desde que entrei no Metrô, em 1972 (e foi por acaso do destino), minha vida se transformou. Adotei o Metrô e o Metrô me adotou. Uma verdadeira paixão mútua. Não é que minha vida no Metrô fosse um paraíso (tive algumas poucas mágoas, que ainda não consigo enterrar. Um dia conto), mas o Metrô foi para mim uma escola superior de Engenharia, onde pude aprender muito e desenvolver um belo trabalho (concepção, coordenação dos testes de aceitação etc.) e onde pude criar muitas amizades. Saí do Metrô ao me aposentar, mas continuo muito ligado (sem remuneração nenhuma) à Companhia que tanto me deu de alegrias e conquistas.

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