Mas Lereno/Domingos foi muito mais do que isso: ele
foi o cara que deu forma (e nome) à modinha e levou o lundu a Portugal do
século 18, quando tinha a idade de aproximadamente 30 anos.
Passei muito tempo procurando nos alfarrábios da
vida um de seus livrinhos em dois volumes, Viola de Lereno: Collecção de Suas Cantigas
Offerecidas a Seus Amigos, lançado originalmente em Lisboa nos anos de 1798 (1º volume) e
1826 (2º volume).
Consegui apenas a edição brasileira, lançada na
primeira parte do século passado.
Lembro isso porque folheando o catálogo de destaques
da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, inaugurada ontem à tarde merecidamente
com todas as pompas e circunstância na Universidade de São Paulo, USP, na zona
Oeste da capital paulista, identifiquei a publicação que por tanto tempo procurei.
Não teve samba, forró nem baião, mas foi uma festa e
tanto a inauguração da “indisciplinada” biblioteca de 32 mil volumes que o advogado,
empresário e bibliófilo paulistano José Ephim Mindlin (1914-2010) e a sua
companheira, Guita Mindlin (1916-2006), transferiram ainda em vida aos cuidados da USP.
Indisciplinada era como Mindlin classificava a sua
biblioteca incrível, que agora ocupa uma área construída de 21 mil m2, ao
custo total de R$ 130 milhões.
Centenas de pessoas compareceram ao ato de inauguração.
Revi amigos como Luís Ernesto Kawall, um dos fundadores
do Museu da Imagem e do Som, MIS, no Rio, e ex-assessor de imprensa da Carlos
Lacerda.
Enquanto revia e abraçava amigos, eu anotava
presenças ilustres em discursos corretos, incluindo o prefeito Haddad e a ministra da
Cultura, Marta, que prometeu atenção à Biblioteca Nacional pelo menos igual a que começa a
ser dada à Brasiliana Guita e José Mindlin.
Marta foi muito aplaudida pelo que disse.
Centenas de obras raríssimas formam a biblioteca
inaugurada ontem.
Além da 1ª edição de Viola de Lereno, se acham lá manuscritos
de Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e Graciliano Ramos (Vidas Secas),
por exemplo.
Domingos Caldas Barbosa foi tradutor de Voltaire e
de outros nomes importantes da literatura de seu tempo. E foi também o primeiro
erudito sem formação acadêmica que melhor traduziu a alma brasileira em
Portugal, cantando a graça das mulatas, os amores e a saudade que ele deixou
para trás.
Eis um exemplo da sua verve, em sextilha:
Coração, que tens com Lídia?
Desde que seus olhos vi,
Pulas e bates no peito
Tape, tape, tape ti;
Coração não goste dela
Que ela não gosta de ti.
Desde que seus olhos vi,
Pulas e bates no peito
Tape, tape, tape ti;
Coração não goste dela
Que ela não gosta de ti.
José Mindlin foi um apaixonado pela história e pela
literatura, independentemente de origem, desde os 13 anos de idade.
Além do acervo que lega à posteridade, ele deixa
muitas histórias engraçadas e quase trágicas, como aquela em que quatro ladrões
invadem a sua casa exigindo dinheiro.
Ameaçavam tacar fogo nos livros, caso o desejo deles não fosse atendido.
Desesperado,
Mindlin fez um telefonema de urgência e, por fim, conseguiu o que os criminosos queriam.
E foi assim que o acervo se salvou.
Caro Assis - Também estive na inauguração da Biblioteca Brasiliana,e trouxe o livrinho "Destaques da Biblioteca..." Fiquei com um sentimento que a memória do Rubens Borba de Moraes não está registrada naquela imensa biblioteca que ele ajudou a levantar. Na apresentação do livrinho, fala que que o Rubens era um dos grandes amigos do Mindlin. Na introdução, o próprio Mindlin reforça esta afirmação e diz que o Rubens deixou "sua biblioteca em testamento, e ela se conserva em nossa casa tal como ele a mantinha". Tal afirmação confirma a história que lhe contei quando estive na casa do Rubens em meados da década de 1980, onde ele informou sobre a venda de 1/3 de sua biblioteca ao Mindlin (que interrompeu a venda aos americanos). Assim, vemos que os 2/3 restamtes da grande biblioteca do Rubens foi para o Mindlin, e juntas formam a grande brasiliana agora à disposição do público.
ResponderExcluirEntão, veja você que tremenda ironia da história ou da memória, pois estamos falando exatamente dela: Esqueceram de mencionar um dos grandes idealizadores da biblioteca: Rubens Borba de Moraes, o grande bibliófilo e bibliotecário brasileiro. E tenho dito.
J.D. Brito