Acabo de ler Memórias de Armandinho do Bixiga, ditadas ao jornalista Júlio Moreno. O livro, excepcional e esgotado, saiu pela editora SENAC de São Paulo em 1996, dois anos após o desaparecimento de Armando Puglisi, o Armandinho, que conheci de perto pouco antes de nascer o Museu do Bixiga, com “i”, por ele mesmo criado.
A cada virada de página, nomes de amigos e lembranças iam surgindo.
Uns ainda por cá, como o querido José Sebastião Witter.
Outros já no chamado andar de cima, como Roberto Fioravanti, Antônio Rago, Francisco Petrônio, Geraldo Filme, Adoniran Barbosa.
O professor Witter, da USP, experiente e sério na prática de revirar a história à procura de verdades, eu conheci nos anos de 1980.
À época, eu trabalhava como repórter para o grupo Folha, do Frias pai; hoje, do Frias filho.
Ao lado de Witter, um cidadão incrível como Armandinho, eu tomei prazerosamente muitos dedos de cana, ao tempo em que ele comandava o Arquivo Público do Estado, ali na Rua Marquês der Paranaguá, próximo à 4ª DP.
Eu costumava ir ao arquivo em busca de informações para meus artigos e reportagens...
Ler o livro é o mesmo que ouvir Armandinho em conversa com amigos.
Fala fácil, alegre, fluente.
Nesse ritmo, as informações vão surgindo da memória privilegiada do bom Armando que, como Adoniran, não aceitava que chamassem o Bixiga de Bela Vista.
“Na verdade, eu faço uma distinção”, ele diz à pág. 117: “O Bixiga é o centro da Bela Vista, embora o Bixiga não exista oficialmente”.
Uma máxima que repetia sempre: “O Bixiga é um estado de espírito”. E exemplificava: “Você sente quando está no Bixiga, você cheira a Bixiga”.
Duas páginas adiante, ele nos dá o mapeamento que fez da região:
“Sempre a divisão do Bixiga foi (avenida) 9 de Julho, (avenida) Brigadeiro e uma linha imaginária, a (rua) Ribeirão Preto. É um triângulo. Do lado de lá da Brigadeiro sempre foi (avenida) Liberdade. Até o Paramount (antes teatro, hoje cinema) é Liberdade. Mas quando construíram a (avenida) 23 de Maio, o pessoal da Liberdade começou a achar que a divisa da Liberdade era a 23. Nós continuamos com a onda e aquele pedaço ficou órfão. É onde estão os Arcos do Bixiga, a Vila Itororó, um dos monumentos fantásticos. É onde você cheira a Bixiga. Fizemos um movimento e adotamos aquela parte. Agora o Bixiga pega também a (rua) Asdrúbal do Nascimento, a 23, tudo do lado de cá, sobe a (rua) Pedroso e pega a Brigadeiro, Ribeirão Preto e 9 de Julho...”.
Depois de falar da morte de Pato n´Água, que virou tema de música de Geraldo Filme (Silêncio no Bixiga), Armandinho conta que foi ele quem sugeriu ao prefeito Faria Lima que homenageasse o violinista e compositor Alberto Marino, autor da valsa Rapaziada do Brás, com seu nome num viaduto. Sugestão aceita. O viaduto é o que passa sobre a extinta porteira do Brás, também tema de várias músicas, uma delas cantada por Nélson Gonçalves.
Acho que todos os bairros de São Paulo deveriam ter sua história contada da forma como Armandinho contou o Bixiga.
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